Nas décadas de 1970 e 80, os anos dourados do Anderlecht

EM TEMPOS POSTERIORES ao desfecho do famoso Caso Bosman, é difícil imaginar um contexto de emergência de novas superpotências no futebol. Excetuados os casos em que há injeção brutal de dinheiro por algum investidor, existe uma tendência de que os clubes mais ricos e estruturados se mantenham como tal e que aqueles de menor poderio financeiro, por melhor que seja seu planejamento, lutem apenas por algumas temporadas esporádicas de sucesso. Times holandeses, portugueses, franceses e outros, de países de ainda menor cultura futebolística, perderam espaço no cenário do futebol europeu. Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que o Steaua Bucareste, o Celtic ou o Estrela Vermelha conseguiam lutar por glórias continentais. Nesse período, vindo da Bélgica, o Anderlecht viveu grandes dias.

Anderlecht 80s

Foto: Reprodução

Entre as várias máximas ou jargões populares no mundo da bola, um dos que mais se mostra verdadeiro, com casos que comprovam sua aplicabilidade, é o de que os rivais se puxam uns aos outros. Os momentos de crise de um se refletem em seu antagonista, sendo o contrário, referente aos bons momentos, também verdadeiro. Nesse sentido, os anos 1970 foram fundamentais para o estabelecimento do futebol belga. Nesse período, Club Brugge e Anderlecht chegaram ao topo na Europa.

Até a temporada 1982-83, o maior êxito futebolístico ao nível dos clubes da terra dos waffles havia sido o vice-campeonato da Copa dos Campeões, em 1977-78. O Brugge perdeu a finalíssima para o Liverpool, com gol do King, Kenny Dalglish. Eram tempos de sucesso do futebol nos Países Baixos e os flamengos eram treinados por Ernst Happel, campeão europeu em 1970, com o Feyenoord. Ali, o Anderlecht já havia conquistado duas Recopas Europeias e, na sequência, uma dupla de Supercopas da Uefa.

Em solo doméstico, as honras também ficavam repartidas entre os dois times, com algumas intromissões do Standard Liège.

As primeiras glórias e a imposição contra gigantes

Não foram só técnicos vitoriosos que acabaram seduzidos pelo promissor e crescente futebol belga. As equipes vencedoras do Anderlecht, em meados da década de 1970, contavam com astros. Ex-Ajax e titular da seleção holandesa mais impressionante de todos os tempos, a de 1974, Arie Haan representava os Mauves et Blancs, assim como o maior destaque da Oranje no Mundial de 78, Rob Rensenbrink.

Entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira de 1980, o Anderlecht mostrou força contra os maiores da Europa.

Na Recopa de 1976, a disputa não foi tão dura, perpassando Rapid Bucareste, Borac Banja Luka, Wrexham e Sachsenring Zwickau antes do West Ham, na final. Dois anos mais tarde, a parada foi mais pesada. Depois de passar fácil pelo Lokomotiv Sofia, o clube suou para eliminar o Hamburgo, de Kevin Keegan e Felix Magath, o Porto e o Twente, dos selecionáveis Arnold Mühren e Frans Thijssen — que fariam sucesso na Inglaterra. Tudo isso para se superiorizar ao Austria Vienna na finalíssima.

Rensenbrink Anderlecht

Foto: Football Magazine

Ainda assim, a prova maior de que o Anderlecht tinha um escrete poderoso foram as disputas da Supercopa da UEFA. Primeiro, os belgas até perderam a partida de ida por 2 a 1, mas na volta foram impetuosos, alcançando o título com uma goleada de 4 a 1. O adversário? O Bayern de Munique tricampeão da Copa dos Campeões da UEFA, de Franz Beckenbauer, Sepp Maier, Gerd Müller e companhia. Sempre decisivo, Rensenbrink anotou dois tentos nos bávaros.

Em 1978, a vitória foi mais apertada, mas teve ainda um sabor melhor. O Liverpool vinha do triunfo em face do Club Brugge, mas não foi páreo para os Mauves et Blancs na Supercopa. Em Bruxelas, o goleiro Ray Clemence foi batido três vezes, subjugado por Franky Vercauteren, Van der Elst e Rensenbrink. Jimmy Case até marcou um gol, deixando a final em aberto. Em Anfield Road, todavia, a vitória inglesa pela margem mínima de 2 a 1 não foi suficiente para evitar o bicampeonato roxo e branco.

Bruxelas comemorou duas vezes: o insucesso do Club Brugge e o êxito do Anderlecht.

O clube era comandado por Raymond Goethals, o treinador que comandara a Bélgica ao terceiro lugar na Eurocopa de 1972 e que seria o único belga a conquistar o a Copa dos Campeões, liderando o Olympique de Marseille, em 1992-93.

Troca de influências: sai o carrossel, entra a máquina

O império de Rensenbrink durou até 1980, quando o astro holandês partiu para uma empreitada no incipiente futebol norte-americano. Acabava um ciclo, mas não cessaram os bons fluídos bruxeleses. Se antes os belgas contaram com astros da era mais mágica da Holanda, nos anos 1980 foram os fabulosos dinamarqueses que deram as caras. Em 1979, veio o primeiro de vários: Kenneth Brylle, atacante que marcaria um dos gols mais importantes da história do clube.

No ano seguinte, desembarcou o escandinavo de maior destaque: Morten Olsen. Um dos mais importantes líberos da história do futebol, era o comandante das ações dos Mauves et Blancs. Em 1982, chegaram o lateral Henrik Andersen e o meia Per Frimann e; em 1983, outro astro: Frank Arnesen. Além dos dinamarqueses, outro jogador marcante que passou pela capital belga foi o espanhol Juan Lozano, que só trocaria o clube pelo Real Madrid.

Olsen Anderlecht

Foto: BT

Era possível imaginar a continuidade da senda de vitórias, o que aconteceu. Na campanha de 1980-81, o Anderlecht venceu o Campeonato Belga e, embora só tenha voltado a fazê-lo em 1984-85, viveu dois anos mágicos nesse ínterim, consumando a maior conquista de sua história.

Em 1982-83, com o vice nacional, classificou-se para a Copa da Uefa do ano seguinte. A chegada à competição continental ampliava o horizonte do time.

A cereja do bolo: título inapelável

O primeiro passo foi simples: fácil passagem pelos finlandeses do KPT Kuopio: 6 a 1, no placar agregado. Na segunda fase, o somatório das duas mãos voltou a sinalizar seis gols para os belgas, mas, desta vez, foram concedidos três tentos. O adversário? Novamente o Porto. Freguês? Na época, sim. Como mandante, o Anderlecht venceu por 4 a 0.

Adiante, o clube voltou a passear. Dessa vez, vitimou os iugoslavos do Sarajevo: 6 a 2 no combinado dos dois encontros. Detalhe: o time contava com um grande craque, Safet Susic, astro histórico do Paris Saint-Germain. Veio, então, o Valencia, que ainda tinha em seus quadros a estrela de Mario Kempes. Avassaladores, os bruxelenses venceram em casa e fora: avançaram às semifinais, com um 5 a 2 no somatório. Na última fase antes da final, o Anderlecht reafirmou sua força, vencendo os tchecos do Bohemians, 1 a 0 fora; 3 a 1 em casa.

Porém, nas finais o desafio seria mais espinhoso. Primeiro, porque se tratavam dos jogos mais decisivos, cercados por mais tensão; segundo, em razão de o adversário ser o Benfica.

O histórico esquadrão de Eusébio contava com a classe de Fernando Chalana, o Asterix de Lisboa, ou Chalanix, para a torcida encarnada. Foi aí que entrou a estrela de Brylle. Em Heysel, coube ao camisa 9, de cabeça, garantir a vantagem marginal fundamental para o inédito título que viria a seguir. Os Mauves et Blancs venceram a partida de ida por 1 a 0.

 

No Estádio da Luz, o empate por 1 a 1 elevou o clube ao lugar mais alto no pódio. Depois de Shéu inaugurar o marcador para as Águias, Lozano, como Brylle, testou a bola para o fundo das redes. O Anderlecht vencia a Copa da Uefa.

Os últimos capítulos

A história ainda teria mais um capítulo importante. No ano seguinte, de volta à competição conquistada e já com Arnesen em seu elenco, o Anderlecht voltou a ser finalista, mas dessa vez perdeu para o Tottenham.

Tottenham Anderlecht 1984

Foto: Allsport UK

Derrota à parte, consolidava-se um período de glórias para os belgas.Nem o obscuro, decisivo e assumido pagamento de 27 mil libras ao árbitro Emilio Guruceta Muro, responsável pelo apito na decisiva semifinal do certame, contra o Nottingham Forest, maculou o brilho que aquele time emanava.

Em 1986, 10 atletas do roxo e branco foram à Copa do Mundo, sete belgas e três dinamarqueses. Entretanto, exceção feita à final da Recopa de 1990, perdida para a Sampdoria, o time não voltou a se aproximar de um título continental. O Anderlecht passou a se destacar apenas pela revelação de talentos. Porém, com toque holandês e, após, dinamarquês, os Mauves et Blancs escreveram páginas que não se apagam na história do futebol.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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  1. 30 de abril de 2025

    […] DOIS OS PONTOS que separaram Standard de Liège e Anderlecht, ao final do Campeonato Belga de 1981-82. Les Rouches asseguraram a taça tendo somado dois empates […]

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