Nacional vs. Peñarol: o Superclásico uruguaio

A RIVALIDADE FUTEBOLÍSTICA MAIS ANTIGA fora das Ilhas Britânicas teve origem no Uruguai, nascida da localização geográfica de dois clubes, das origens de seus fundadores e das tensões sociopolíticas de seu tempo. Enquanto vizinhos como Argentina e Brasil ainda buscavam estabilidade, o Uruguai já alcançava unidade política, recebia imigrantes qualificados e atraía investimentos britânicos. No último quarto do século XIX, o futebol encontrou terreno fértil na chamada Suíça da América. O sol raiou cedo por lá.

Peñarol Nacional

Foto: Ignacio Sánchez

O Peñarol foi fundado em 28 de setembro de 1891, ainda sob outra nomenclatura. O Central Uruguay Railway Cricket Club, ou simplesmente CURCC, foi fruto do desejo dos gerentes da empresa ferroviária de Montevidéu, mas não tardou a incluir os trabalhadores. Em um primeiro momento, a equipe foi formada predominantemente por ingleses e se desenvolveu em diversas frentes esportivas. Originalmente, terian sido 118 membros, 72 britânicos, 45 nativos e um alemão.

Sua sede era na Vila de Peñarol, nas cercanias de Montevidéu. Suas cores, amarelo e preto, alusivas à Locomotora Rocket, criada por George Stephenson em 1829, e também ao sindicato dos ferroviários.

CURCC 1891

Foto: Reprodução

Em um primeiro momento, o Nacional ainda não estava nas principais disputas, em que concorriam CURCC, Montevideo Cricket Club, Montevideo Rowing Club e Albion Football Club.

As competições começaram já em 1892 e se erigiu certa rivalidade entre CURCC e Albion, um time que tinha reputação de criollista, integrando apenas uruguaios de nascimento. Viriam daí os dissidentes que, por fim, em 1899 fundaram o Club Nacional de Football, que estreou em um amistoso diante do Uruguay Athletic. Como relata Pablo Alabarces, em História mínima do futebol na América Latina:

“Seus jogadores foram Alejandro Cordero, Arturo Corradi, Jorge Ballestero, Félix Rosati, Carlos Carve Urioste, Bernardino Daglio, Jaime Gianetto, Sebastián Puppo, Domingo Prat, Juan Vallarino e Melitón Romero. Ou seja, todos os seus sobrenomes eram ítalo-espanhóis. Foram filhos de imigrandes que afirmaram sua ‘nacionalização’ como uma espécie de conversos — e por isso mesmo mais radicais — em um país que procurava construir uma identidade”.

Estes nomes representavam estudantes, membros das classes médias estabelecida nas zonas centrais de Montevidéu. As cores escolhidas foram azul, vermelha e branca, como na bandeira de Artigas, que foi um militar e herói nacional importante no processo de Independência do Uruguai. A intenção era continuar o que o Albion iniciara e difundir o futebol entre os uruguaios, fazendo frente àqueles estrangeiros que praticavam o esporte em suas terras.

Como avança Alabares, não deu tão certo: “Jogadores do Nacional, necessitados de trabalho, foram para o CURCC, que dava emprego na ferrovia”.

José Artigas

Foto: Reprodução

O primeiro encontro entre Nacional e CURCC aconteceu em 15 de julho de 1900, com vitória aurinegra. No entanto, o marco definitivo do estabelecimento dos Albos seria a conquista do Campeonato Uruguaio de 1902, somando quatro pontos a mais do que o futuro rival. O que se repetiu no ano seguinte, desta vez com a disputa de uma final efetiva, após empate em pontos. Contudo, as disputas com o CURCC não tiveram vida longa.

Em 1913, as autoridades britânicas da equipe decidiram encerrar as atividades da divisão de futebol. Os motivos? O excesso de faltas dos trabalhadores e a depredação dos vagões em dias de jogo.

Não há consenso quanto ao fim do CURCC, se foi amigável ou revolvido em polêmica; se foi uma simples dissolução definitiva ou apenas uma separação da seção esportiva. O fato é que, como decorrência direta ou não, surgiu o Peñarol. Era 1914, quando requereu à Associação Uruguaia de Futebol a mudança de nome, assumindo o lugar do CURCC — fatalmente dissolvido em 1915 — no Campeonato Uruguaio.

Ou seja: de um lado está um time cuja fundação andou intimamente ligada à presença massiva de estrangeiros, do outro uma agremiação fundada por nacionais herdeiros de imigrantes. Uns provenientes dos subúrbios, das ferrovias, outros das zonas centrais da cidade, das universidades. O antagonismo dificilmente poderia ser maior.Estampilla Peñarol

Até a data de atualização deste texto, foram disputadas impressionantes 566 partidas e os Carboneros do Penãrol levam ligeira vantagem: são 197 vitórias contra 185 dos Tricolores do Nacional. São computados, ainda, 184 empates.

A maior goleada aconteceu nos idos de 1941: 6 a 0 para o Nacional. Já o maior placar obtido pelo Peñarol foi o 5 a 0, uma vez em 1953 e outra em 2014.

O atleta que mais marcou gols no dérbi foi o atacante Atilio García, um argentino que chegou ao Nacional em 1938, após uma passagem rápida pelo Boca Juniors. Ele marcou 35 gols. É também o maior artilheiro da história do Bolso, com 467 tentos. Por sua vez, o mais assíduo nos clássicos foi o atacante José Piendibene, uruguaio que representou o Peñarol entre 1908 e 1928, vindo do Albion. Ele teve 62 aparições.

Atillio Garcia Nacional

Foto: Reprodução

Nos títulos, há equilíbrio. O Peñarol, incluído o período como CURCC, venceu o Campeonato Uruguaio, em seus vários formatos, 52 vezes; a Copa Libertadores, cinco, e; o Intercontinental, três. O Nacional venceu a Liga Uruguaia em 49 oportunidades; a Libertadores, três, e; o Intercontinental, também três. Vale pontuar: até 2025, de 121 nacionais disputados, apenas 20 escaparam da dupla, sendo Defensor, Danubio e River Plate os principais antagonistas.

No quesito torcida, as pesquisas, como na maioria dos países, não fornecem dados precisos. Em 2013, a consultora Cifra decidiu entrar neste mato sem cachorro e dele resultou a conclusão de que 46% dos uruguaios tem no amarelo e preto suas cores favoritas. A multidão de fãs do Nacional vem logo atrás, represetando 35% do total.

Como se lê, mais que um confronto entre clubes centenários, Nacional e Peñarol simboliza um embate entre origens, ideias e formas distintas de entender o futebol e o próprio país. É um clássico que transcende o campo, atravessa gerações e pulsa na identidade do povo uruguaio. A nação viu o futebol nascer cedo e a rivalidade logo se enraizou fundo; cada jogo é como o capítulo de uma epopeia continuamente escrita.

* Texto editado e atualizado em 26 de junho de 2025

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

3 Resultados

  1. Alguns erros…mas bom post. Curcc e peñarol nao e o mesmo time assim como eles nao tem mais torcedores…mas parabens

  2. Anônimo disse:

    Curcc dissolveu em 1915 e Penarol nasceu em 1913, durante esses 2 anos ouve duas sedes , duas comissões e dois presidentes diferentes, até jogaram os dois clubes num mesmo dia jogos diferentes , na fundação do Penarol em em dezembro de 1913 naquele grupo tinha só 2 sócios do currc porém eram sócios sem poder no currc, q formaram este outro time pra não perder a categoria já q o curcc tinha decidido não joga mais na associação uruguaia de futebol

  1. 30 de abril de 2025

    […] seja, esportivamente falando, para uma equipe de fora da maior rivalidade do país, um clube chico, a conquista do principal torneio nacional era nada menos que fantástica. […]

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