Uma joia em meio a um ano caótico: Rodrigo Mora e o novo Porto

ERA O INÍCIO DE MAIO DE 2024, quando André Villas-Boas tomou posse como presidente do Porto. Na oportunidade, o novo mandatário, que como treinador conquistou entre outros títulos uma Liga Europa, esclareceu que se tratava do início de uma nova era. Não ficou claro que seria um tempo tão difícil, após o reinado de 42 anos de Jorge Nuno Pinto da Costa. Apesar do início conturbado, uma joia começou a brilhar, seu nome é Rodrigo Mora.

Rodrigo Mora Porto

Foto: LUSA/Arte: O Futebólogo

Trocas controversas

Um dos primeiros atos da gestão de Villas-Boas foi o rompimento com Sérgio Conceição. Após sete temporadas, o ex-atacante do próprio clube havia firmado renovação de contrato até 2028. No entanto, a viabilidade do negócio estava condicionada à reeleição de Pinto da Costa.

Desejando imprimir sua marca no clube desde o princípio, Villas-Boas queria um novo treinador, até mesmo por conta do vínculo estreito de Conceição com Pinto da Costa. Ao término da temporada, o presidente sondou o auxiliar de Sérgio, questionando se gostaria de dar o salto e assumir a equipe.

Após a resposta positiva, Vítor Bruno entrou em rota de colisão com o seu antigo parceiro de comissão técnica. O resultado disso foi maior que um ruído.

“Tivemos uma discussão, não muito extensa, mas diria que foi suficiente. Deixamos essa conversa para o final e, após a Taça de Portugal, tive a preocupação de o receber em minha casa. Abordamos vários assuntos, incluindo a sua sucessão, o que naturalmente provocou uma grande desilusão em relação à possibilidade de Vítor Bruno o suceder”, afirmou Villas-Boas.

André Villas-Boas Vitor Bruno Porto

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens/Arte: O Futebólogo

Entre os fatos mais tarde revelados, destaca-se um em que parte da comissão de Sérgio Conceição teria ficado insatisfeita com a renovação do treinador, não tendo os auxiliares tido a situação resolvida no mesmo momento. Colegas como Siranama Dembelé, Diamantino Figueiredo e Eduardo Oliveira negaram veemente qualquer desconforto.

“A tratar dos contratos, foi sempre igual. Era sempre a tratar das coisas em primeiro e, depois, com a palavra dada pelas pessoas que mandavam no clube, nós acompanhávamos sempre o Sérgio. Desta vez, ele fez o mesmo procedimento, só que desta vez não se fez, porque não ganhou as eleições”, comentou Dembélé.

No olho do furacão e atacado por vários lados, Vítor Bruno se viu forçado a dizer que estava sofrendo “tentativa de assassinato de caráter”, por parte da imprensa. Ao final de toda a polêmica, assumiu o comando.

Desafios abrem espaço para Mora

O Porto começou a temporada 2024-25 com dificuldades.

Evanílson partiu para o Bournemouth, Francisco Conceição, como era esperado, mandou-se para a Juventus, Mehdi Taremi seguiu para a Internazionale e Pepe pendurou as chuteiras — a contragosto. “Há um caminhar diferente e há também uma preocupação, de certa forma, do novo FC Porto em reduzir massa salarial e custos. Isto foi claramente explicado ao Pepe e ele entendeu”, garantiu Villas-Boas.

Não houve grandes gastos. O principal investimento foi feito na contratação do centroavante espanhol Samu Aghehowa e, mesmo assim, ele custou 17 milhões de euros a menos do que o valor da venda de Evanílson. Bruno teve que começar seu trabalho com um elenco, como se vê, substancialmente enfraquecido.

No meio da temporada, foi a vez de Nico González partir para o Manchester City e de Galeno avançar para os sauditas do Al-Ahli. Os 110 milhões de euros arrecadados nessas duas negociações não foram reinvestidos em contratações, apesar das chegadas dos jovens William Gomes, do São Paulo, e Tomás Pérez, do Newell’s Old Boys.

Samu Porto

Foto: Octavio Passos/Getty Images/Arte: O Futebólogo

Sem alternativas, Rodrigo Mora virou a principal aposta do Porto, ele, que foi o jogador mais jovem a disputar uma partida profissional em Portugal. Aos 15 anos, estreara pelo Porto B em janeiro de 2023 — aproximadamente sete anos depois de sua chegada ao clube.

Com a pré-temporada de 2024-25, integrou-se finalmente ao elenco principal, mas levou tempo a estrear. No início da temporada, ainda representou o Porto B. O primeiro jogo aconteceu em fins de setembro, aos 17 anos.

Instabilidade coletiva e evolução individual

Rodrigo Mora fez sua estreia numa derrota do Porto na Suécia, diante do Bodø/Glimt, pela Liga Europa. Entrou no lugar de Marko Grujić e jogou 21 minutos. Quatro dias depois, fez o primeiro jogo doméstico, atuando por 10 minutos contra o Arouca. “Um dia muito especial para mim, um sonho de infância concretizado”, afirmou.

O garoto cavou seu espaço. Atuando em qualquer posição da linha ofensiva de meio-campo, pelos dois lados e mais centralizado, aproveitou as brechas que se abriram, apesar das oscilações da equipe.

O primeiro tento veio em outubro, contra o AVS. Ele se tornou o quarto mais jovem a balançar as redes pelo time principal, atrás de Fábio Silva, Rúben Neves e Serafim. A estreia como titular foi em 21 de dezembro, com gol e assistência diante do Moreirense.

Rodrigo Mora Porto Arouca

Foto: Miguel Pereira/Arte: O Futebólogo

“Sinceramente só pensei em ganhar, fiz um golo e uma assistência, mas o importante é a vitória da equipa, tínhamos o objetivo de vencer e agora vamos ao Boavista para ganhar também. Tínhamos de entrar no máximo, é uma fase importante e é continuar a trabalhar. Se sou um candidato à titularidade agora? Não me compete a mim decidir”, comentou ao canal Sport TV, como reproduziu o jornal Record.

Ele repetiu a dose na partida seguinte, o clássico local com o Boavista, que acabou 4 a 0. No entanto, as coisas rapidamente descarrilaram. Em janeiro, o time foi eliminado da Taça da Liga pelo rival Sporting. O relacionamento de Vítor Bruno com o elenco era ruim, fato comprovado após uma briga pública com o brasileiro Pepê.

Na sequência, o Porto perdeu seguidamente para Nacional e Gil Vicente. Vítor Bruno caiu e, após um breve interinato de José Tavares, o argentino Martín Anselmi assumiu.

Em fevereiro, depois de sofrer para avançar de fase, foi eliminado no playoff de acesso às oitavas da Liga Europa pela Roma. Sobrou apenas a disputa do Campeonato Português, já que o Porto já havia caído na Taça de Portugal anteriormente. Não era o cenário ideal para um garoto mostrar seu melhor.

Motivo de sorrisos

Sob a liderança de Anselmi, que foi auxiliar de Gabriel Milito e de Miguel Ángel Ramírez e andava no Cruz Azul, após uma passagem pelo Independiente Del Valle, Mora foi quase sempre titular. A instabilidade da equipe atrapalhou seu crescimento. Depois daquela sequência positiva contra Moreirense e Boavista, passou muitos jogos longe do gol e da assistência e, inclusive, sofreu uma lesão.

Era o início de março quando voltou a balançar as redes. A vítima foi o AVS. Depois, saíram mais cinco tentos — inclusive mais um no dérbi do returno contra o Boavista. Spoiler: foi um golaço.

Partindo da ponta esquerda, entortou seus marcadores, um eles caindo sentado, e arrematou com felicidade no ângulo do goleiro adversário. Pintura. “São coisas do momento, ali vi que tinha espaço, arrisquei, tive sorte que bateu na trave e entrou”.

Não foi surpreendente quando, apesar de a luta pelo título nacional ter se resumido aos lisboetas Benfica e Sporting, Mora recebeu o prêmio de jogador do mês de abril, eleito pelo voto dos treinadores da primeira divisão. A láurea veio dias depois de o garoto de 18 anos completados a cinco de maio receber uma gorda renovação de contrato. O vínculo foi estendido até 2030, com uma cláusula de rescisão de 70 milhões de euros.

Rodrigo Mora Porto Celebrado

Foto: Manuel Fernando Araújo/Arte: O Futebólogo

A notícia foi veiculada no dia em que Villas-Boas completou um ano de mandato. Ninguém discutirá que foi conveniente aos interesses do presidente. Mora vai chegando ao final de sua primeira temporada como profissional com 31 jogos e nove gols marcados.

No clube, tudo isso já era sabido

“Já o conhecia de escalões inferiores. Na época anterior ele era sub-14 e fazia treinos de conjunto contra a minha equipa. Depois, quando o treinei, notei logo uma característica imprescindível para atingir o topo: é apaixonado pelo jogo. Adora jogar e treinar. Contagia toda a gente com esse prazer”.

As palavras concedidas ao jornal A Bola são de Nuno Pimentel, treinador do sub-23 do Santa Clara e que passou pela base dos Dragões.

Mora foi a grande novidade do futebol português em 2024-25, o responsável por evitar a sensação de fracasso total para o Porto na primeira temporada após o fim do reinado de Pinto da Costa. O time esteve instável em campo, pior ainda nas finanças, mas revelou um jogador que fez o torcedor sonhar.

Rodrigo tem drible, vê caminhos incógnitos para passes, tira gols da cartola, mas sabe que precisa ajudar na pressão aos adversários. Entende o jogo e não precisa de mais de 1,68m ou de músculos salientes para isso.

“Ele tem compromisso defensivo. A inteligência permite-lhe perceber os momentos de pressão, mostrar sacrifício. É um jogador contínuo, rotativo, de grande compromisso. Eu diria que é um 10 atual: comprometido, intenso, que entende os vários momentos do jogo”, acrescenta Pimentel.

Não é para qualquer um desabrochar em um contexto como o vivido pelos Dragões. Rodrigo Mora conseguiu. O miúdo ainda está no começo, mas vale o ingresso. E o Porto, finalmente, tem um novo símbolo para sonhar o futuro.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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