Ajax 1970-1973

O FUTEBOL HOLANDÊS, tão reconhecido pela produção de jogadores de talento e de técnicos com ideias inovadoras e interessantes, era apenas um rincão pouco iluminado pelos holofotes do planeta bola até os anos 1960, conservador e de ideias antiquadas. O Ajax foi motor de mudança.

Ajax 1970-73

Em pé: Haan, Blankenburg, Wever, Suurbier, Stuy, Keizer, Krol, Schilcher, A. Mühren, Neeskens, Hulshoff; Agachados: Swart, Rep, Kovacs (treinador), Haarns (assistente), Kleton, Mulder,  Cruyff, G. Mühren.

Time: Ajax

Período: 1970-1973

Time base: Stuy; Suurbier, Hulshoff, Blankenburg (Vasovic), Krol; Neeskens, Mühren, Haan (van Dijk); Rep (Swart), Cruyff, Keizer. Téc.: Rinus Michels/Stefan Kovacs

Conquistas: Tricampeonato da Copa dos Campeões, Intercontinental, bicampeonato da Supercopa da UEFA, bicampeonato Holandês, tricampeonato da Copa da Holanda.

Novo, diferente e total

Tudo mudou, culiminando no vice-campeonato mundial da Holanda em 1974, oportunidade em que uma mescla de jogadores e estilos provenientes de Feyenoord e Ajax, já campeões europeus, formatou um dos times de mais vistoso estilo da história. O Ajax, da capital Amsterdã, foi vital para tal êxito. Segundo clube da história do futebol do Velho Continente a conquistar um tricampeonato continental, em sequência, o esquadrão neerlandês marcou seu nome na história com estilo e táticas únicos.

Montado pelo icônico treinador Rinus Michels, inspiração de Johan Cruyff e responsável por lançar a pedra fundamental do que viria a se tornar o Barcelona de Pep Guardiola, mais de três décadas mais tarde, o Ajax jogava futebol vistoso.

Sem se render à rigidez de táticas tradicionais, que exigiam o desempenho de funções bem determinadas de seus atletas, delineou o que ficou conhecido como Totaalvoetbal, o Futebol Total. Por que total? Simples, todos os jogadores de linha tinham a incumbência e a capacidade para manter a unidade do jogo da equipe, podendo fazer qualquer função sem fragilizá-la. Exemplo: se um zagueiro avançasse no terreno, o que lhe era permitido em vários momentos, outro atleta assegurava a solidez da retaguarda, um meio-campo, lateral ou até mesmo um atacante.MICHELS CRUYFF

O Ajax encantou, mas não revolucionou somente pelo que representou dentro das quatro linhas. Fora delas, comprovou a importância de outros aspectos no futebol, como a superioridade física, que permitiu a constante movimentação de atletas e desgaste dos rivais, e o melhoramento das técnicas individuais, que trouxe evolução coletiva. A compreensão do fenômeno futebolístico transmitida por Rinus Michels foi um ponto de virada na história do futebol. Seu Ajax não era invencível, como nenhuma agremiação jamais o foi em tempo algum, contudo, aproximou-se disso.

Cruyff é quem melhor personificou um grupo inteligente, destemido e singular, mas restringir o sucesso da equipe à figura do maior futebolista holandês de todos os tempos diminui  a importância de jogadores históricos como Ruud Krol, Wim Suurbier ou Johan Neeskens. O que em outro contexto se confirmaria caótico, no Ajax foi belo.

Trajetória de brilho intenso

Vice-campeão europeu em 1969, o Ajax viu o rival Feyenoord se tornar o primeiro holandês campeão continental em 1970. Entretanto, estava determinado e destinado à glória, a qual veio pela primeira vez em 1971.

Após superar o albanês Tirana, atropelar o suíço Basel, bater o forte Celtic, campeão continental em 1967, e o Atlético de Madrid, em um dos mais representativos palcos do futebol, o estádio Wembley, em Londres, o escrete holandês venceu o Panathinaikos e levantou o troféu europeu.

Curiosamente, temendo pela integridade física de seus jogadores, o Ajax abriu mão da disputa do Intercontinental de 1971. Os Godenzonen enfrentariam o Nacional, de Montevidéu, que superou os gregos do Panathinaikos e ficaram com a taça.

Na temporada seguinte, já treinado pelo romeno Stefan Kovacs, na esteira da saída de Michels para o Barcelona após seis temporadas, o Ajax encontrou caminho mais duro. Já na primeira fase, enfrentaram o Dynamo Dresden, representante da Alemanha Oriental, valendo-se de uma vitória em casa por 2 a 0 e um empate sem gols fora para se classificar. A seguir, o time passou pelo Olympique de Marselha, com um 6 a 2, na soma dos placares das duas partidas; pelo Arsenal, 3 a 1 no agregado; pelo Benfica, em suado 1 a 0; e na final, disputada na hostil Roterdã, pela forte Internazionale, 2 a 0 — com show de Cruyff, autor dos dois tentos.

O Ajax se tornou bicampeão europeu e, neste turno, disputou o Intercontinental, vencendo os argentinos do Independiente por 4 a 1 na soma dos placares (1 a 1 na Argentina e 3 a 0 na Holanda).Cruyff Champions

Veio, então, a temporada 1972-73 e com ela o desafio de igualar o Real Madrid e se tornar o segundo time tricampeão europeu em sequência. Dessa vez, a trajetória holandesa teve a presença de equipes tradicionais. Primeiro, o clube bateu o CSKA Sofia, 6 a 1 nas duas mãos. Adiante, após inapelável goleada por 4 a 0 contra o Bayern de Munique em casa (Bayern que destronaria os holandeses a partir da temporada seguinte e também seria tricampeão europeu), pôde se dar ao luxo de perder por 2 a 1 na Alemanha. Nas semifinais, vitimou justamente o Real Madrid, 3 a 1, para, triunfar mais uma vez. O derradeiro encontro, frente à Juventus, foi decidido por um magro tento anotado por Johnny Rep. O Ajax era tricampeão continental.

Novamente, os holandeses abriram mão da disputa do Intercontinental.

Acompanhando seus êxitos além fronteiras, o clube também se impôs na Holanda nesse período, com a conquista do bicampeonato holandês e do tricampeonato da Copa da Holanda — em um tempo em que o Feyenoord também possuía uma equipe poderosa. Além disso, em 1972, venceu os escoceses do Rangers na Supercopa da UEFA e, no início de 1974, o Milan.

O império do clube de Amsterdã começou a esfarelar após a conquista do tri europeu. Johan Cruyff mudou-se para o Barcelona e Kovacs trocou o comando do clube pelo da seleção francesa. A prova do fim dos dias de glória foi a eliminação precoce da Copa dos Campeões da Europa de 1973-74 perante o CSKA Sofia. Logo, Johan Neeskens também seguiu o caminho de Cruyff e Michels, enfraquecendo ainda mais a equipe de Amsterdã.Cruyff Barcelona

Elenco histórico de um time cultuado

O elenco do time vitorioso foi pouco alterado no decorrer de seus anos de glórias, tendo sido o goleiro Heinz Stuy o titular durante todo o período. Arqueiro sem grande distinção, nunca tendo representado a seleção holandesa, era figura importante no funcionamento do Ajax, não restringindo sua atuação ao trabalho de defesa de sua meta, mas auxiliando a equipe, muitas vezes avançando no campo como um líbero. Sua trajetória nos Godenzonen começou em 1967 e se estendeu até 76.

Pela ala direita, a titularidade coube a Wim Suurbier. Cria do clube, era notório pela vocação ofensiva, tendo sido ponta na base, e impressionava pelo fôlego; foi um dos grandes jogadores da equipe, a qual defendeu entre 1964 e 77. Era também versátil, podendo atuar em outras posições, como a lateral esquerda. Essa, contudo, tinha dono bem
definido: Ruud Krol.

Um dos maiores atletas de seu tempo e outro formado no Ajax, tinha tudo o que se espera de um defensor. Contudo, impressionava mesmo pela capacidade de entender o jogo, o que fez com que, durante sua carreira, tenha atuado no meio-campo, zaga e como líbero. Após a saída de Piet Keizer, em 74, tornou-se o capitão do time. Só não atuou em parte da temporada 1970-71 em razão de uma perna quebrada.

Tanto Suurbier quanto Krol foram titulares da Holanda em 1974.

Durante a maior parte desse período, a zaga foi formada pelo holandês Barry Hulshoff, também saído das inferiores dos Godenzonen, e pelo alemão Horst Blankenburg. A dupla foi parceira por bastante tempo e é reconhecida pela contribuição que entregava ao time, não só defensiva, mas também em muitas ocasiões pela iniciativa da construção das jogadas do Ajax e, eventualmente, indo à frente marcar gols.

Não obstante, é preciso mencionar a presença de Velibor Vasovic, capitão do time até 1971.

O iugoslavo não era o mais técnico dos beques, mas lia bem o jogo e exercia influência positiva sob o restante da equipe. Era um dos mais experientes, uma referência. Além disso, teve papel basilar no desenvolvimento da linha de impedimento proposta por Michels, aperfeiçoada por Kovacs e que ficou famosa na Copa de 1974, quando foi apresentado ao mundo pelos holandeses,

Do meio-campo em diante havia ainda mais talento, com mais atletas de notável capacidade para exercer diversas funções e compreender as situações que as partidas lhes apresentavam. Zagueiro em sua seleção, Arie Haan era um dos pilares do meio do Ajax. Jogador de bom passe e finalização de média distância era um daqueles jogadores conhecidos por fazer a equipe jogar. Também pelo setor estava aquele que é considerado por muitos o segundo jogador mais importante da equipe: Johan Neeskens.

Meio-campista que durante a carreira atuou em praticamente todas as posições de linha, dedicava-se ao desarme, ao passe, à movimentação e se aproximava de seus companheiros como uma mãe de seu filho. Seu jogo com a bola e sem o esférico eram igualmente importantes, assim como sua capacidade de nunca deixar seus colegas sem ter com quem trabalhar a bola. Foi símbolo de refino técnico e inteligência tática.Neeskens Ajax

Completando o setor, Gerrie Mühren era mais ofensivo que seus parceiros da meia-cancha, visto normalmente pelo lado esquerdo, desprendia-se do meio e avançava para perto dos atacantes, trocando de posições com eles em alguns turnos e marcando muitos gols.

No ataque, houve apenas uma mudança importante entre 1970 e 73. No início, a ponta direita era propriedade de Sjaak Swart, um dos jogadores mais representativos de toda a história do clube. Mais uma cria da equipe, defendeu-a com exclusividade — exceção feita apenas às aparições com a camisa da Holanda. Entre 1956 e 73 foi símbolo de velocidade e técnica. O apelido Mr. Ajax diz tudo: Swart é quem mais vestiu a camisa alvirrubra em todos os tempos, com mais de 600 partidas (463 somente no Campeonato Holandês).

Entretanto, aos poucos o craque passou a ceder seu lugar a uma jovem estrela que pedia passagem: Johnny Rep. Velocista com enorme poder de decisão, fazia a vida de seus marcadores um inferno e era visto como um talismã, pela capacidade de marcar gols em momentos importantes. Revelado em 1971, permaneceu no clube até 75, ano em que foi vendido ao Valencia. Um ano antes, foi titular da Holanda na Copa do Mundo e o segundo maior artilheiro da Oranje, atrás de Neeskens, com quatro gols.

Capitão do time após a saída de Vasovic, Keizer era o ponta esquerda da esquadra. Mais um que vestiu apenas as camisas do Ajax e da Holanda em sua carreira, foi um atleta brilhante. Embora tenha tido sua qualidade muitas vezes ofuscada pela estrela de Cruyff, era habilidoso, tinha incrível facilidade para o drible e era inteligente como poucos, tomando, normalmente, as melhores decisões em suas jogadas.Keizer Ajax Inter 1972

Outro que muitas vezes atuou no ataque da equipe foi o centroavante Dick van Dijk, cria do Twente que representou os Godenzonen entre 1969 e 72. Em geral, sua entrada no time representava o recuo de Cruyff ao meio-campo.

Por fim, havia Ele, o mais espetacular dos holandeses de todos os tempos, para muitos o melhor europeu da história. Ele que não era meia, nem centroavante, mas armava e fazia muitos gols; não era ponta, mas driblava, e nem volante, ainda que desarmasse. Se há alguém que personifica o que ficou conhecido como Futebol Total, esse responde pelo nome de Johan Cruyff. Maior referência técnica da equipe, era genial e genioso. Chamá-lo de “falso 9” pode aproximar da realidade, mas ainda ainda é pouco.

O camisa 14 foi o melhor de um time de jogadores brilhantes.

Partidas importantes no período

Final da Copa dos Campeões de 1970/71: Ajax 2×0 Panathinaikos

Estádio Wembley, Londres

Árbitro: Jack Taylor

Público 83.179

Gols: ‘5 van Djik e ’87 Haan (Ajax)

Ajax: Stuy; Neeskens, Hulshoff, Vasovic, Suurbier; Rjinders (Blankenburg), G. Mühren, Cruyff; Swart (Haan), van Djik, Keizer. Téc.: Rinus Michels

Panathinaikos: Ikonomopoulos; Tomaras, Kapsis, Sourpis, Vlahos; Kamaras, Domazos, Eleftherakis; Grammos, Antoniadis, Filakouris. Téc.: Ferenc Puskas

Final da Copa dos Campeões de 1971/72: Ajax 2×0 Internazionale

Estádio De Kuip, Roterdã

Árbitro: Robert Héliès

Público 61.354

Gols: ’48 e ’77 Cruyff (Ajax)

Ajax: Stuy; Suurbier, Hulshoff, Blankenburg, Krol; Haan, Neeskens, Mühren; Swart, Cruyff, Keizer. Téc: Stefan Kovacs

Internazionale: Bordon; Bellugi, Burgnich, Giubertoni (Bertini), Facchetti; Oriali, Bedin; Jair (Pelizzaro), Mazzola, Frustalupi; Boninsegna. Téc.: Giovanni Invernizzi

Final do Intercontinental de 1972: Ajax 3×0 Independiente

Estádio Olímpico, Amsterdã

Árbitro: José Romei

Público 46.511

Gols: ’12 Neeskens, ’65 e ’80 Rep (Ajax)

Ajax: Stuy; Suurbier, Hulshoff, Blankenburg, rol; Haan, Neeskens, Mühren; Swart (Rep), Cruyff, Keizer. Téc.: Stefan Kovacs

Independiente: Santoro; Commisso, López, Sá, Pavoni; Semenewicz, Pastoriza, Garisto (Magán); Balbuena, Maglioni, Mircoli (Bulla). Téc.: Roberto Ferreiro

Final da Copa dos Campeões de 1972/73: Ajax 1×0 Juventus

Estádio Marakana, Belgrado

Árbitro: Milivoje Gugulovic

Público 89.484

Gol: ‘4 Rep (Ajax)

Ajax: Stuy; Suurbier, Hulshoff, Blankenburg, Krol; Haan, Neeskens, Mühren; Rep, Cruyff, Keizer. Téc.: Stefan Kovacs

Juventus: Zoff; Marchetti, Morini, Salvadore, Longobucco; Causio(Cuccureddu), Furino, Capello, Bettega (Haller); Altafini e Anastasi. Téc.: Cestmir Vycpalek

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

Sem Resultados

  1. Unknown disse:

    Também sou fan desse Ajax, ótima matéria

  2. Alvaro Az disse:

    Tenho um time de futebol de mesa dedicado a este fabuloso Ajax! E consegui alguns títulos com ele…Fenomenal.

  3. Unknown disse:

    O time de futebol mais prazeroso de se falar ate hoje simplesmente por que foi o maior da europa rivalizando com o real madrid penta europeu e o barcelona de messi e guardiola e tambem com o santos do rei pele.pediria ao autor do texto uma pequena correcao pois o goleiro heinz stuy nao era holandes e sim alemao se nao me engano.montei no play station o ajax classico com toda essa turma mais alguns dos anos 80 e 90 ficou uma selecao vestida de branco e um dos mais competitivos tambem pois tem craques em todas as posicoes.obrigado rinus michels obrigado ajax futebol total sera lembrado eternamente.

  4. Alvaro Az disse:

    Sou fã da Holanda desde o final da década de 70…não tive idade para acompanhar a Laranja de 74, mas vi todos os jogos dela em 74 buscando pelos canais da Net. O Ajax foi mais da metade desta seleção – um dos 10 maiores esquadrões de todos os tempos. Grande reportagem!

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