Sebastian Kehl e o fim para uma instituição aurinegra

OFUSCADO PELA DESPEDIDA DE JÜRGEN KLOPP, um jogador discreto também deu adeus ao Signal Iduna Park, ao final da temporada 2014-15. Eterno capitão dos Schwarzgelben, Sebastian Kehl se despediu do torcedor que o acolheu há 14 temporadas. Criado no Hannover 96 e com rápida passagem pelo Freiburg, o volante se afirmou como uma verdadeira instituição aurinegra, tendo vivido dias de luta e glória em Dortmund.

Kehl Dortmund

Foto: BVB.de

Com 1,88m e uma perna canhota poderosa, Kehl foi um volante de características peculiares. Seriedade, dedicação e muito suor fizeram dele um ícone. Sem alarde, sempre carregou o piano e fez o trabalho sujo que toda equipe precisa. Além disso, gostava de arriscar chutes de fora da área e marcou seus golzinhos durante as 17 temporadas em que atuou.

Membro das equipes da Alemanha que disputaram as Copas do Mundo de 2002 e 2006, e a Eurocopa de 2004, era também versátil; atuou como zagueiro, líbero e lateral esquerdo. Sabe aqueles jogadores completos, que não são craques, mas dificilmente apresentam deficiências notórias? Kehl é um expoente desse grupo. Curiosamente, antes de fechar com o Dortmund, havia aceitado um adiantamento para fechar com o Bayern de Munique.

“Você não pode ser mais jogador do BVB do que o ‘Kehli’”, disse Klopp em abril deste ano.

sEBASTIAN KEHL young

Foto: Reprodução

A admiração de Jürgen Klopp por seu capitão reflete o carinho e o respeito que seus companheiros nutrem por ele. “Essa pode ser sua última temporada, mas ele está longe de ser um pensionista do futebol”, disse Neven Subotic, após a vitória do Borussia contra o Hoffenheim, na Copa da Alemanha, quando o volante marcou um belo gol.

“Foi legal. Eu ainda consigo chutar uma bola que vem alta muito bem. Mas eu tive um pouco de sorte que a bola voou assim e acertou a parte interna da trave. Eu ainda sonho em fazer isso na final [da Copa da Alemanha] em Berlim, novamente”, disse Kehl também após o jogo contra o Hoffenheim.

 

Ao final de sua trajetória, o volante, que ainda ganhará minutos na final da Copa da Alemanha, computa 340 jogos pelos Dortmund, com 23 gols marcados. Só não entrou mais vezes em campo nos últimos 14 anos em função de uma dividida com Hasan Salihamidžić, na temporada 2006-07, que gerou grave lesão em seu joelho esquerdo, que nunca mais foi o mesmo e se tornou mais suscetível às contusões nos anos que se seguiram. Pela Mannschaft, disputou 31 partidas, marcando três gols.

Ainda tendo a possibilidade de vencer a Copa da Alemanha, Kehl acumula três títulos da Bundesliga (2001-02, 2010-11 e 2011-12), uma Copa da Alemanha (2011-12) e duas Supercopas da Alemanha (2013 e 2014). E a análise de suas conquistas revela algo importante: como todo atleta de grande espírito, o alemão nunca abandou o clube, mesmo nas dificuldades. Vitorioso no início e no final de sua trajetória aurinegra, Kehl sobreviveu às intempéries que assolaram o Dortmund no meio dos anos 2000.

Foto: Reprodução

Com a presença de seu capitão, o BVB desceu do céu ao inferno e, como fênix, renasceu. De campeão a quase falido, o clube conseguiu se reerguer e chegar, inclusive, à final da Liga dos Campeões na temporada 2012-13. O caráter e a influência de Kehl tiveram papel decisivo na retomada do time.

Kehl viu craques da estirpe de Amoroso e Marco Reus representarem o aurinegro; presenciou a chegada de Roman Weidenfeller e sua transformação em outra referência da equipe; ajudou no lançamento de jovens como Mario Götze e Nuri Sahin; e assistiu o brasileiro Dedê ser ovacionado em sua despedida, em 2011. Além disso, viu também Tomas Rosicky crescer como grande criador; e, surpreendentemente, David Odonkor ser convocado para a Copa do Mundo de 2006. Estava lá quando o experiente Christian Wörns se aposentou.

Kehl respirou o Borussia Dortmund. Ele esteve lá o tempo todo.

“Ele é um pilar de força, sem dúvida […] Ele não é apenas um cara bom, mas um verdadeiro líder. Sempre está lá para ajudar os jogadores jovens, ele assume responsabilidade e quando as coisas ficam difíceis, lidera de frente. Um brilhante exemplo para os outros”, disse Weindenfeller ao site oficial do Borussia.

Farewell Kehl

Foto: Reprodução

Será estranho analisar o elenco aurinegro e não vê-lo. Kehl, que sempre primou pela discrição, fixou-se indelevelmente no coração do torcedor. Matt Hummels, seu sucessor na linhagem de capitães do Dortmund, não precisa de um modelo de líder, conviveu com um.

Talvez por sua discrição ou simplesmente por não querer tornar suas lágrimas públicas, Kehl deixou o Signal Iduna Park pela porta dos fundos — deixando a porta da frente aberta.

A atmosfera de Dortmund no dia 23 de maio de 2015 deve ter comovido até aqueles que não ligam para a magia que o futebol representa. A ovação das arquibancadas e os cumprimentos de seus companheiros perdurarão na memória de Kehl. Ele soube quando parar, conservou sua imagem de líder, ícone, de uma verdadeira instituição.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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