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Sai Ruben Amorim, fica o legado no Sporting

A JANELA DE TRANSFERÊNCIAS do inverno europeu da temporada 2019-20 marcou um momento determinante para o que o Manchester United viveu nos anos seguintes. No dia 30 de janeiro, bem no limite do tempo, os Red Devils anunciaram a contratação do meio-campista Bruno Fernandes. O jogador, então com 25 anos, deixou nos cofres do Sporting 55 milhões de euros, e no coração do torcedor um vazio aparentemente irremediável.

O clube lusitano ficou pequeno para a imensidão do talento de seu ás, que foi embora com uma ponta de tristeza: “Quero que as pessoas se lembrem de mim pelo positivo e irei lembrar-me do Sporting sempre pela positiva também […] Não sou leão desde o berço, mas serei a partir de agora”.

Assim, o time que já não vencia o Campeonato Português há quase 20 anos, voltava-se para dentro. Havia cacos a juntar. O jogador que viera para substituir o selecionável Adrien Silva se provara muito mais do que um substituto e, em pouco tempo, peça muito mais influente no time do que seu antecessor. Logo na primeira temporada, 2017-18, conseguiu 16 gols em 56 jogos.

Com Bruno em suas fileiras, o Sporting venceu a Taça da Liga duas vezes e a Taça de Portugal uma. O sonhado campeonato nacional não veio. O último jogo do meia com o leão no peito foi uma vitória diante do Marítimo, 1 a 0; não serviu remotamente para aproximar o clube dos líderes. O Benfica estava 19 pontos à frente e o Porto, 12.

Menos de dois meses após a saída de Fernandes, o treinador Silas foi despedido. Em 28 jogos, o comandante conseguiu 17 vitórias, um empate e 10 derrotas. Seu desempenho foi para lá de insuficiente diante das expectativas de um clube gigante.

Bruno Fernandes Sporting
Foto: MaisFutebol/Arte: O Futebólogo

A desesperança, velha conhecida dos sportinguistas, voltava para assombrar o Estádio José Alvalade. A realidade à margem dos sucessos de Benfica e Porto, ameaçada pela ascensão do Braga, era dolorosa.

A cada vez que o time parecia ter motivos para sorrir vinha, a seguir, um desaire.

Lembrando Bruno de Carvalho…

Em 2013, por exemplo, a claque sportinguista alimentou expectativas quando Bruno de Carvalho assumiu a presidência da equipe. Tratava-se de um jovem, 41 anos à época, que rompia com as estruturas do passado e trazia frescor.

Apesar da acidez caraterística, o mandatário transmitia a imagem de torcedor apaixonado. Logo, reduziu o passivo, renegociou dívidas e deu sobrevida a um clube em estado pré-falimentar. Depois de escolher nomes promissores para comandar a equipe, casos de Leonardo Jardim e Marco Silva, consolidou o renascimento do clube em 2015, quando tirou Jorge Jesus do rival Benfica.

Não por acaso, foi reeleito em 2017 com votação esmagadora: 86,13% dos votos. No entanto, a situação degringolou rapidamente.

O caráter de Bruno de Carvalho, sempre em busca de um novo inimigo, inflamou tudo o que cercava o clube. A crise veio de dentro para fora. Em abril de 2018, após insucessos na Liga Europa, criticou os jogadores, irritação que foi rebatida por parte deles — prontamente suspensa pelo presidente.

Bruno de Carvalho Sporting
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

A partir de então, a Assembleia Geral do Sporting considerou que não havia mais como o mandatário seguir no clube. Mas alguns trâmites precisavam ser observados e, no meio tempo, a tragédia aconteceu.

Em maio de 2018, os jogadores foram hostilizados após uma derrota para o Marítimo, em que o time foi ultrapassado pelo Benfica. Foi como um aviso. Dois dias depois, no 15, as instalações da Academia de Alcochete, centro de treinamentos do clube, foram invadidas por cerca de 40 torcedores, que agrediram jogadores, além de Jorge Jesus e membros da comissão técnica. Foi a gota d’água.

Bruno de Carvalho acabaria destituído e nove jogadores conseguiriam liberações unilaterais de seus contratos: Rui Patrício, Daniel Podence, Gelson Martins, William Carvalho, Bas Dost, Bruno Fernandes, Rúben Ribeiro, Rodrigo Battaglia e Rafael Leão.

Após a pior hora, Dost, Fernandes e Battaglia permaneceram e o clube conseguiu receber pelas transferências de Patrício, Podence, Gelson, William e Leão. Contudo, era mais uma vez a hora de começar de novo e a habilidade do clube de se autodestruir não permitia otimismo. A presidência de Bruno de Carvalho sintetizou os motivos pelos quais era difícil acreditar em dias melhores.

No dia 5 de março de 2020, o renascimento

Depois de demitir Silas, o Sporting fez mais uma aposta. Contudo, com convicção, já que o clube aceitou pagar 10 milhões de euros para tirar o jovem treinador Ruben Amorim do Braga. Ele tinha 35 anos recém-completados.

“Os adeptos do Sporting querem ganhar, independentemente do valor. O treino de hoje seria igual mesmo que tivesse custado zero euros. Nada muda em mim. Quando no Braga puseram essa cláusula comecei a rir, ninguém ia gastar dinheiro comigo, mas aconteceu isto e agradeço a confiança. No fim faremos as contas”, disse em sua apresentação.
Amorim precisou de três dias para implementar sua marca na equipe. O esquema tático 4-2-3-1 foi substituído pelo 3-4-3 e os Leões venceram o Desportivo das Aves, 2 a 0. O time não tinha um elenco com a cara de seu treinador, mas ele estava determinado a fazer as coisas do seu jeito.
Ruben Amorim Braga
Foto: MaisFutebol/Arte: O Futebólogo

 

Logo, a pandemia de Covid-19 atingiu o planeta e o futebol passou ao segundo plano, mas o fato é que até o final da temporada, o Sporting só perdeu dois jogos, ainda que tenham sido para os rivais, Porto (2 a 0) e Benfica (2 a 1).

O time escalado na rodada derradeira do Campeonato Português de 2019-20 já tinha novidades, como a entrada do meio-campista Matheus Nunes e do lateral Nuno Mendes, que em pouco tempo seriam negociados por alguns milhões de euros.

Com um jeito de jogar definido e o dinheiro da venda de Bruno Fernandes, cuja saída passou a ser apenas um fato, não uma calamidade, foi possível investir. Entre as principais contratações estiveram Nuno Santos e Pedro Gonçalves, o Pote — titulares absolutos da equipe.

Pedro Porro, primeiro por empréstimo e depois em definitivo, foi outra aposta certeira do clube que trouxe, ainda, João Palhinha de volta do Braga. Garotos continuaram surgindo, casos do zagueiro Gonçalo Inácio e do meia Daniel Bragança. Paulinho veio complementar o ataque da equipe.

O Sporting já começou a temporada 2020-21 com cara. O time que ficou 22 pontos atrás do último campeão assumiu a liderança do Campeonato Português na 6ª rodada e nunca mais largou. Por pouco não conquistou o título invicto, vindo a perder apenas na penúltima rodada, para o Benfica, 4 a 3. O jejum de títulos nacionais não atingiu duas décadas e o time também venceu a Taça da Liga.
Pedro Gonçalves Pote Sporting
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

 

Fora das quatro linhas, o trabalho do diretor Hugo Viana, que como jogador fez parte da mesma geração de Amorim, também funcionou. Pouca evidência disso seria mais esclarecedora do que o futuro aguardado para ambos.

No tempo que se seguiu, a tônica do trabalho foi similar. Saídas inevitáveis, com a de Nuno Mendes para o PSG, eram remediadas com a contratação de jogadores adaptados às exigências de Amorim, como Matheus Reis, formado e desprezado no São Paulo, e por jovens com grande potencial técnico e de revenda, caso do uruguaio Manuel Ugarte.

Em 2021-22, o Sporting fez grande campanha, somando os mesmos 85 pontos do ano anterior, só não foi mais brilhante do que o campeão Porto, 91. O time foi, ainda, às oitavas de finais da Champions League, caindo aos pés do Manchester City. Isto sem renunciar ao seu jeito de jogar, embora a postura tática, a altura dos blocos de marcação, o modo como a saída de bola era feita, tenham se alterado conforme as demandas de cada partida.

Outro título da Taça da Liga esperava o Sporting — desta vez com o gosto especial de bater o Benfica.

O ano mais difícil foi 2022-23, quando o time perdeu Matheus Nunes e Palhinha de uma vez, além de Porro no meio da temporada. Os contratados levaram mais tempo para se adaptar. Ainda assim, o clube eliminou o Arsenal na Liga Europa e ficou a um gol de levar uma eliminatória contra a Juventus para a prorrogação.

Passar um ano sem título já não era motivo para desesperança, o time manteve sua direção, dentro e fora dos campos, e se reencontrou em 2023-24. Com uma campanha brilhante, venceu o Campeonato Português somando 90 pontos, 10 a mais do que o Benfica, o vice. Foi outro torneio brutal, em que assumiu a liderança na 13ª rodada para não perder mais.

Viktor Gyökeres Sporting
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

O time já tinha agora uma nova estrela, o sueco Viktor Gyökeres, encontrado na segunda divisão da Inglaterra.

Em busca do amanhã

O início da temporada 2024-25 vinha beirando a perfeição, sem qualquer derrota, exceto pela decisão da Supertaça de Portugal. Em contínua reformulação, os Leões permitiram a saída do capitão Sebastián Coates e do atacante Paulinho, apostaram em jovens como Conrad Harder, Zeno Debast e Maxi Araújo, e promoveram o talentoso Geovany Quenda, que aos 17 anos já foi chamado a representar Portugal.

Entre os resultados brilhantes alcançados pela equipe esteve uma vitória por 4 a 1 diante do Manchester City, pela Liga dos Campeões. Aqui, entretanto, o movimento de saída de Ruben Amorim já se materializara; faltavam detalhes para começar seu trabalho no Manchester United. Era a hora de partir para um desafio maior. Hugo Viana também acertou sua mudança para o Manchester City, mas apenas ao final da campanha.

Em um primeiro momento, as arquibancadas se dividiram. Houve quem vaiasse a iminente saída de Amorim, enquanto a maioria seguiu ao seu lado, seja por apreço verdadeiro ou pela mais pura gratidão. Assim, um casamento de quatro anos e meio chegou ao fim. Porém, não acabou por sua falência, não foi corroído.

Acabou porque era a hora de acabar.

Foram 231 jogos (165 vitórias, 33 empates e 33 derrotas), com aproveitamento de 76% dos pontos. Como comparativo, entre 2017 e 2024, Sérgio Conceição liderou o Porto em 379 partidas (264 vitórias, 48 empates e 55 derrotas), conquistando os mesmos 76%. Foi tricampeão português. Sem dúvidas, foram os melhores do passado recente.

Ruben Amorim Manchester United
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Amorim estava confortável e, aparentemente, começava a sentir a fome que é comum aos grandes. Escolheu trocar os Leões por uma cova repleta deles, como indicou o colunista Neil Custis, do The Sun: “Parecia um homem genuinamente feliz com a vida que levava em Lisboa. Mas decidiu atirar-se para a trituradora de carne conhecida como ‘Manchester United dos tempos modernos’”.

“Obrigado por tudo, mister”, escreveu Gyökeres em sua conta no Instagram. Já Gonçalo Inácio agradeceu pelas conquistas, memórias e “pela motivação nos momentos mais difíceis”, como publicou na mesma rede social. Amorim sabe que deixa sua casa em Lisboa nos trinques e acarinhado pelo torcedor e vários jogadores.

O Sporting conhece a vida nos altos e nos baixos, mas caso sofra uma queda, não poderá voltar-se contra o homem que trouxe os sonhos e a confiança de volta — até porque ele nem mesmo desfalcou os cofres alviverdes, já que o United pagou ao clube os mesmos 10 milhões de euros anteriormente repassados ao Braga.