Saber sofrer: o trunfo do Braga na Europa League
É PROVÁVEL que o futebol seja uma prática, ou passatempo, tão interessante por seu caráter democrático. Joga-se à defensiva ou atacando; com drible e ginga ou rigidez de militar. Pouco importa: com o mínimo de intimidade com a bola, qualquer indivíduo ou equipe pratica o esporte. Dentro das quatro linhas, há espaço para a beleza estética, mas também para o esforço homérico, a tática e o suor. Um pouco desses últimos elementos tem sido visto na campanha do Braga na Europa League.

Foto: AFP/ Miguel Riopa
Um grupo marcado pelo equilíbrio
O Grupo C da competição europeia prometia equilíbrio quando de seu sorteio. Porém, havia a ideia de que uma equipe se sobressairia. Após um Campeonato Alemão brilhante em 2016-17, sob a batuta do talentoso e jovem Julian Nagelsmann, o Hoffenheim despontou como favorito. Porém, para confirmar tal realidade precisaria se superiorizar ao vice-campeão turco, Istanbul Basaksehir, ao hexacampeão búlgaro e que andou frequentando a UEFA Champions League, Ludogorets Razgrad, e à afirmada quarta força do futebol português, o Braga.
O grupo colocou equipes de um estatuto similar em disputa, mas por vir de um torneio mais forte, o time germânico apareceu com certo favoritismo.
Cinco rodadas mais tarde, são três as realidades do Grupo C: o Hoffenheim está eliminado (1V, 1E e 3D); turcos e búlgaros disputam a classificação; e o Braga tem o avanço às fases de mata-mata assegurado. O time que disputa com o Marítimo o quarto lugar do Campeonato Português soube se impor na competição continental.

Foto: AFP/ Miguel Riopa
“Muita gente não tem noção da qualidade deste grupo. Basta ver a classificação do Hoffenheim, do Basaksehir e do Ludogorets nos seus campeonatos. Dentro dos nossos recursos, da nossa humildade e da nossa qualidade fomos à procura do que queríamos, que eram os 10 pontos”, disse o treinador Abel Ferreira, após a classificação, contra o Hoffenheim.
Jogando à sua maneira, os Gverreiros do Minho venceram o Hoffenheim em casa e fora (3 a 1; 1 a 2), bateram o Istanbul no Estádio Municipal de Braga (2 a 1), perderam em seu terreno e empataram na Bulgária contra o Ludogorets (0 a 2; 1 a 1). Somaram 10 pontos, marcaram oito vezes e sofreram seis tentos; proporcionaram fortes emoções aos seus adeptos, com algumas vitórias no apagar das luzes.
A própria classificação à fase de grupos já sinalizara que os cardíacos deveriam ter cuidado com os jogos do escrete bracarense: na primeira eliminatória, o Braga eliminou o AIK, da Suécia, com gol no último minuto da prorrogação; na segunda, foram algozes dos islandeses do FH Hafnarfjordur, marcando no minuto 90 na partida de ida.
A bola não precisa ser minha
Um dos principais aspectos da equipe orientada por Abel Ferreira é a capacidade de atuar de forma consistente sem ter a bola. Atuando no esquema tático 4-4-2, que muitas vezes se revela um 4-4-1-1, o time tem se fechado com eficiência. Com as linhas de defesa próximas, limita os espaços de seus adversários, que passam a ter a bola a seu dispor, não encontram o que fazer com elas, arriscam finalizações de longa distância e se expõem a contragolpes.
Exemplo se viu na segunda vez em que Braga e Hoffenheim se enfrentaram. Em Portugal, os alemães finalizaram 18 vezes à meta do brasileiro Matheus, enquanto os donos da casa só ofereceram perigo ao arqueiro Oliver Baumann em seis ocasiões. Quando se olha mais de perto, nota-se a eficiência dos alvirrubros: ambas as equipes acertaram cinco finalizações; o Braga converteu três em gols e o Hoffenheim apenas uma. O time de Nagelsmann teve 65% da posse de bola, a maior parte dela estéril e inofensiva.
A vitória frente ao Istanbul teve componentes semelhantes. Os turcos tiveram a bola em seu domínio por 62% do tempo, mas criaram pouco — seu gol veio por meio de cobrança de falta do experiente Emre Belözoğlu. O curioso é que o time que deu ao Braga a bola foi aquele que melhor êxito obteve. Contra o Ludogorets, os portugueses tiveram 52% da posse da bola em casa e perderam; fora, mantiveram a pelota por 49% do tempo: empataram.

Foto: Twitter SC Braga
O Braga não é um time primaz na qualidade individual de seus atletas, longe disso. Porém, sabiamente, entendeu que era possível obter bons resultados, a despeito dessa realidade. Jogando os jogos difíceis em bloco baixo, negando espaços aos adversários e com uma proposta reativa, classificou-se em um cenário hostil. Precisa desenvolver melhor capacidade de gestão da bola para os momentos em que a tiver. Para já, no entanto, descobriu uma forma de jogar que é mais do que suficiente para os objetivos imediatos.
Dentro do Grupo C, os portugueses têm o time que menos chuta a gol, menos acerta passes, menos detém a posse de bola, mas é, por exemplo, o quadro que mais vence duelos aéreos e tem a líder do grupo. O trabalho vem sendo bem feito pelos Arsenalistas.
Fransérgio, o herói inesperado
Em um time que tanto se destaca enquanto coletivo, as individualidades são muitas vezes suprimidas. Entretanto, não há como não destacar o papel que o polivalente brasileiro Fransérgio vem desempenhando. Lembrado sem muita distinção pelas torcidas de Paraná, Atlético Paranaense, Internacional, o meio-campista chegou ao Braga para essa temporada, vindo do Marítimo, e tem tido boa prestação. Nem sempre é titular, porém tem sido decisivo.
Apenas André Silva, Emiliano Rigoni e Aleksandr Kokorin têm mais gols marcados na competição do que o brasileiro, responsável por quatro tentos — ou 50% dos gols bracarenses. Há, ademais, um fator que não pode ser esquecido: o caráter de decisão de cada um deles.

Foto: Hugo Delgado/LUSA
Seu primeiro tento veio na segunda partida do grupo. Contra o Basaksehir, entrou em campo no minuto 71 e anotou o tento da vitória aos 89. A seguir, após passar em branco contra o Ludogorets, em Braga, marcou o gol de empate contra os búlgaros fora de casa, aos 83 minutos — entrara aos 65.
Já na decisiva rodada, foi titular, atuou mais próximo ao gol e carimbou o passaporte alvirrubro à fase seguinte. Aos 81, fez o 2 a 1; aos 92, o 3 a 1. Fransérgio acabou se tornando o mais decisivo dos jogadores do Braga. Sete dos dez pontos obtidos pelo clube tiveram contributo crucial do brasileiro.
Após treinar o Braga B por dois anos, Abel Ferreira ascendeu ao comando técnico do time profissional bracarense em abril de 2017 e vai mostrando capacidades. O jovem, de 38 anos, entendeu o que poderia extrair de melhor de seu elenco. Formou um coletivo forte e trabalhador; consciente de suas possibilidades. Sob sua direção, os Gverreiros do Minho vão mantendo seu estatuto ao nível nacional e têm se permitido o sonho continental.