Saber sofrer: o trunfo do Braga na Europa League

É bem provável que o fator que
torne o futebol uma prática, ou passatempo, tão interessante seja seu caráter
democrático. Joga-se à defensiva ou atacando; com drible e ginga ou rigidez de
militar. Pouco importa: com o mínimo de intimidade com a bola, qualquer indivíduo
ou equipe praticam o esporte bretão. Dentro das quatro linhas, há espaço para a
beleza estética, mas também para o esforço homérico, a tática e o suor. Um
pouco desses últimos elementos tem sido visto na campanha do Braga na Europa League.

Braga Europa League
Foto: Twitter/ SC Braga

Um grupo marcado pelo equilíbrio

O Grupo C da competição europeia
prometia muito equilíbrio quando de seu sorteio. Porém, havia por certo a ideia
de que uma equipe se sobressairia. Após fazer um Campeonato Alemão brilhante em 2016/17, sob a batuta do talentoso e jovem Julian Nagelsmann, o Hoffenheim
despontou como favorito ao avanço. Porém, para confirmar tal realidade
precisaria se superiorizar ao vice-campeão turco, Istanbul Basaksehir, ao hexacampeão
búlgaro e que andou frequentando a UEFA Champions League, Ludogorets Razgrad, e
à afirmada quarta força do futebol português, o Braga. Como dito, o grupo
colocou equipes de um estatuto similar em disputa, mas por vir de um torneio
mais forte, o time germânico apareceu com certo favoritismo.
Cinco rodadas mais tarde, são
três as realidades do Grupo C: surpreendentemente, o Hoffenheim está eliminado,
com uma vitória, um empate e três derrotas; turcos e búlgaros disputam a
classificação; e o Braga tem o avanço às fases de mata-mata assegurado. O time
que disputa com o Marítimo o quarto lugar do Campeonato Português soube se
impor na competição continental.

“Muita gente não tem noção da qualidade deste grupo. Basta ver a
classificação do Hoffenheim, do Basaksehir e do Ludogorets nos seus
campeonatos. Dentro dos nossos recursos, da nossa humildade e da nossa
qualidade fomos à procura do que queríamos, que eram os 10 pontos”
, disse o treinador Abel Ferreira, após a classificação, contra o Hoffenheim.

Braga Hoffenheim Europa League
Foto: Sky Sports

Jogando à sua maneira, os Gverreiros do Minho venceram o
Hoffenheim em casa e fora (3 a 1; 1 a 2), bateram o Istanbul no Estádio Municipal
de Braga (2 a 1), perderam em seu terreno e empataram na Bulgária contra o
Ludogorets (0 a 2; 1 a 1). Somaram 10 pontos, marcaram oito vezes e sofreram
seis tentos; proporcionaram fortes emoções aos seus adeptos, com algumas vitórias sendo consumadas no apagar das luzes.

A própria classificação à Fase de
Grupos já sinalizara que os cardíacos deveriam ter cuidado com os jogos do escrete
bracarense: na primeira eliminatória prévia ao sorteio dos grupos, o Braga eliminou o AIK, da Suécia, com
gol no último minuto da prorrogação; na segunda, foram algozes dos islandeses
do FH Hafnarfjordur, marcando no minuto 90 na partida de ida.

A bola não precisa ser minha

Um dos principais aspectos da
equipe orientada por Abel Ferreira é a capacidade de atuar de forma consistente
sem ter a bola. Atuando no esquema tático 4-4-2, que muitas vezes se revela um
4-4-1-1, o time tem se fechado com impressionante eficiência. Com as linhas de
defesa próximas, limita os espaços de seus adversários, que passam a ter a
bola a seu dispor, não encontram o que fazer com elas, arriscam finalizações de
longa distância e se expõem a contragolpes.
Abel Ferreira BragaExemplo claro dessa realidade se
viu na segunda vez em que Braga e Hoffenheim se enfrentaram. Em Portugal, os
alemães finalizaram 18 vezes à meta do brasileiro Matheus, enquanto os donos da
casa só ofereceram perigo ao arqueiro Oliver Baumann em seis ocasiões. Quando se olha
mais de perto, nota-se a eficiência dos alvirrubros: ambas as equipes acertaram
cinco finalizações; o Braga converteu três em gols e o Hoffenheim apenas uma. O
time de Nagelsmann teve 65% da posse de bola, a maior parte dela estéril e inofensiva.
A vitória frente o Istanbul teve
componentes semelhantes. Os turcos tiveram a bola em seu domínio em 62% do
tempo, mas criaram pouco – seu gol veio por meio de cobrança de falta do
experiente Emre Belözoğlu. O curioso é perceber que o time que deu ao Braga a
bola foi aquele que melhor êxito obteve. Contra o Ludogorets, os portugueses tiveram 52% da posse
da bola em casa e perderam; fora, mantiveram a pelota em 49% do tempo: empataram.
O Braga não é um time primaz na
qualidade individual de seus atletas, longe disso. Porém, sabiamente, entendeu que era possível
obter bons resultados, a despeito dessa realidade. Jogando os jogos difíceis em bloco baixo, negando
espaços aos adversários e com uma proposta reativa, classificou-se em um
cenário hostil. Precisa, é claro, desenvolver melhor capacidade de gestão da bola
para os momentos em que a tiver. Para já, no entanto, descobriu uma forma de
jogar que é mais do que suficiente para os objetivos imediatos.
Dentro do Grupo C, os portugueses
têm o time que menos chuta a gol, menos acerta passes, menos detém a posse de
bola, mas é, por exemplo, o que mais vence duelos aéreos e é o líder. O
trabalho vem sendo bem feito pelos Arsenalistas.

Fransérgio, o herói inesperado

Em um time que tanto se destaca
enquanto coletivo, as individualidades são muitas vezes suprimidas. Todavia,
não há como não destacar o papel que o polivalente brasileiro Fransérgio vem
desempenhando. Lembrado sem muita distinção pelas torcidas de Paraná, Atlético
Paranaense, Internacional, o meio-campista chegou ao Braga para essa temporada,
vindo do Marítimo, e tem tido boa prestação. É bem verdade que nem sempre é titular,
porém tem sido muito decisivo.
Apenas André Silva, Emiliano
Rigoni e Aleksandr Kokorin têm mais gols marcados na competição do que o
brasileiro, responsável por quatro tentos – ou 50% dos gols bracarenses. Há,
ademais, um fator que não pode ser olvidado: o caráter de decisão de cada um deles.

Fransérgio Braga
Foto: Hugo Delgado/LUSA

O primeiro veio na segunda
partida do grupo. Contra o Basaksehir, entrou em campo no minuto 71 e anotou o
tento da vitória aos 89. A seguir, após passar em branco contra o Ludogorets,
em Braga, marcou o gol de empate contra os búlgaros, fora de casa, aos 83
minutos – entrara aos 65. Já na decisiva rodada, foi titular, atuou mais próximo
ao gol e carimbou o passaporte alvirrubro à fase seguinte. Aos 81, fez o 2 a 1;
aos 92, o 3 a 1. Se não é peça indiscutivelmente titular, Fransérgio acabou se
tornando o mais decisivo dos jogadores do Braga. Sete dos dez pontos obtidos
pelo clube tiveram contributo importantíssimo do brasileiro.

Após treinar o Braga B por dois
anos, Abel Ferreira ascendeu ao comando técnico do time profissional bracarense
em abril de 2017 e vai mostrando capacidades. O jovem, de 38 anos, entendeu o
que poderia extrair de melhor de seu elenco. Formou um coletivo forte e
trabalhador; consciente de suas possibilidades. Sob sua direção, os Gverreiros do Minho vão mantendo seu
estatuto ao nível nacional e têm se permitido o sonho continental.

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