Roma vs. Lazio: o Derby della Capitale
ÓDIO MÚTUO E INTENSO; ETERNO. Eis a definição da relação entre os torcedores de Roma e Lazio. Ainda que tenham inimigos em comum, repudiando o futebol do norte da Itália, mais vitorioso e ao qual se atribui arrogância, notadamente os rivais milaneses Internazionale e Milan e a Juventus, os Giallorossi, amarelos e vermelhos da Roma, e os Biancocelesti, azuis e brancos da Lazio, alimentam um rancor ainda maior entre si mesmos.

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O primeiro encontro entre os rivais aconteceu em 8 de dezembro de 1929, no antigo Stadio della Rondinella, que foi casa a casa laziale entre 1914 e 57. O placar premiou a Roma: 1 a 0, gol de Rodolfo Volk, um dos primeiros ídolos romanistas. Apesar disso, a história da rivalidade começou a ser escrita pouco tempo antes, mais precisamente em 1927.
Fundada na alvorada do século XX, em 9 de janeiro de 1900, a Lazio é fruto da vontade de membros de um corpo do exército italiano, conhecidos como Bersaglieri, sob o comando de Luigi Bigiarelli. Seu nome, homenageou os povos latinos, berço da Roma Antiga. No entanto, a data marca o surgimento da associação esportiva. O braço futebolístico levaria uma década para ser apresentado ao público, deixando o amadorismo apenas em 1912.
A Roma veio mais tarde e sua fundação foi questão de Estado, fruto da iniciativa de Italo Foschi, membro do Partido Nacional Fascista, com boa entrada no Comitê Olímpico Italiano e na Federação Italiano. Era 1927 quando presidia o Fortitudo-ProRoma e abordou os vizinhos Football Club di Roma e Alba-Audace propondo uma fusão. Inicialmente, a Lazio fazia parte da conversa.

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A ideia era desenvolver um clube de grande porte, capaz de levar o nome da capital italiana para fora do país, apto a simbolizar a força da Itália e confrontar o poderio dos clubes do norte. Apesar disso, o general Giorgio Vaccaro, vice-presidente alviceleste travou o negócio e afastou a Lazio da união. Essa história admite versões. Por um lado, tem-se o suposto desejo laziale de absorver os demais sem perder sua identidade. Por outro, questões financeiras, relativas à responsabilidade pelas dívidas dos envolvidos, também surgiram como obstáculo.
De todas as formas, o militar teria proferido as primeiras palavras capazes de provocar um irretratátavel cisma: “A Lazio é outra coisa. A Lazio não vem de nada: a Lazio é. A Lazio nasceu primeiro: a torcida veio depois”. Se estas terão sido as frases exatas, não se sabe. Mas há boas razões para se crer que sim.
Não menos curioso do que Lazio e Roma quase terem se tornado o mesmo clube, é a ideologia política associada às agremiações, comumente. É inescapável: a Roma foi fundada no contexto do fascismo e por pessoas diretamente relacionadas a ele. Não obstante, o passar dos anos a tornou reduto para alguns torcedores progressistas, ao passo que a Lazio permaneceu intimamente vinculada à direita radical.
Essas tendências mudam com o passar dos anos e dizer que há uma sólida base de torcedores de esquerda entre os romanistas, havendo ampla aceitação e acolhimento às pessoas de origem judaica, não impede que se reconheça que, sobretudo entre os ultras, há muita gente aberta e assumidamente fascista. Não é possível cravar que a torcida da equipe seja de esquerda, diferentemente do que acontece com clubes italianos, como o Livorno.
Em parte, isso se deve às próprias raízes do clube. Não apenas pelos fatos vinculados à sua fundação, mas também pelas referências ao Império Romano. No emblema da Roma se vê a Loba, representação do animal que amamentou Rômulo, fundador de Roma, e seu irmão, Remo.

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Além disso, por mais pulverizada que essa situação tenha se tornado ao longo de décadas, os torcedores da Lazio são costumeiramente associados às classes altas e à burguesia rural nas cercanias da capital italiana, com os romanistas mais vinculados à classe trabalhadora.
Voltando à cancha, até a data de atualização deste texto, Roma e Lazio haviam se enfrentado 201 vezes. Os Giallorossi levam vantagem: são 75 vitórias contra 58 dos Biancocelesti. Houve, ainda, 68 empates. O resultado mais elástico do clássico ocorreu em novembro de 1993: Roma 5 a 0 Lazio.
Os maiores artilheiros do confronto são o ítalo-brasileiro Dino da Costa e Francesco Totti, que marcaram 11 gols pela Roma; o recordista de participações também é Totti, com 44. Em títulos a Roma também leva vantagem. São três conquistas da Serie A contra duas da Lazio. Apesar disso, os alvicelestes venceram dois títulos internacionais: a Recopa Europeia e uma Supercopa Europeia. Os amarelos e vermelhos ficam com uma Conference League e uma Copa das Feiras.
Na história, há vários momentos de destaque, alguns são memoráveis pela beleza, outros são apenas estarrecedores. Em 1979 aconteceu a principal confusão entre torcedores das equipes. Vincenzo Paparelli, adepto da Lazio, faleceu no estádio após ser atingido no olho por um sinalizador. Esta foi a primeira morte em eventos de futebol na Itália. Por outro lado, o final dos anos 1990 e o início do século XXI foram especialíssimos para as equipes.

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Com times poderoso ambos conquistaram o título italiano na época. Se a Roma dispunha em seu elenco de Gabriel Batistuta, Antônio Carlos, Cafu, Emerson, Totti, Vincenzo Montella e Aldair, a Lazio trazia Diego Simeone, Pavel Nedved, Dejan Stankovic, Juan Sebastián Verón, Roberto Mancini, Marcelo Salas e Alessandro Nesta. Foi um dos mais gloriosos momentos futebolísticos para a cidade de Roma.
Mais do que um simples duelo futebolístico, o Derby della Capitale é um espelho da alma romana. Dentro e fora de campo, Roma e Lazio representam camadas sociais, ideológicas e culturais que se entrelaçam e se chocam há quase um século. Cada encontro é carregado de tensão, história e símbolos — alguns gloriosos, outros feridos por tragédias e contradições. E é justamente por reunir tamanha complexidade que esse clássico ocupa um lugar especial no imaginário do futebol mundial.
* Texto editado e atualizado em 09 de junho de 2025