Rivalidades, idolatria e lesões, a carreira de Paulo Futre

NÃO SÃO MUITOS os exemplos de atletas que passaram pelos três grandes de Portugal. A força das rivalidades explica; apesar de haver intensidades diferentes nos diversos momentos históricos vividos pelas equipes, os dérbies sempre incendiárias. O ponteiro Paulo Futre foi um desses intrépidos.

Paulo Futre Atlético Madrid

Foto: D.R.

Segundo o próprio, o Sporting foi seu “pai e mãe para o futebol”; o Porto acabou sendo o lugar “onde cresci e ganhei tudo” e; o Benfica ficou marcado pelo “jogo mais completo da minha vida, aquela final com o Boavista, em que ganhamos a Taça […] Fiz dois gols, uma assistência e um pênalti. Foi uma loucura”.

Um rugido tímido nos Leões

Futre é mais um dos famosos produtos das categorias de base sportinguistas. No entanto, a passagem do driblador por Alvalade, enquanto profissional, foi curta. Desde sua estreia, em 1983, aos 17 anos, sabia-se que estava destinado aos grandes palcos. Um ano depois, já na maioridade civil, ficou entre a cruz e a espada.

Por um lado, devia a carreira ao alviverde lisboeta, por outro recebera uma oportunidade financeira mais valiosa que ouro. Segundo contou ao Jornal I, Futre quis ficar, mas foi impossível.

“Ganhava 70 contos [350 euros] por mês no Sporting e o Porto me ofereceu 27 mil contos em três anos [134 mil euros] mais carro e casa. Falei com o Sporting e pedi 18 mil contos em três anos, 6 mil por ano. Eles me disseram que estava louco e eu fui para o Porto”.

Paulo Futre Sporting

A projeção no Porto

É plausível o questionamento a respeito de um provável arrependimento da direção sportinguista. Ainda que fosse muito jovem, Futre teve impacto imediato no Estádio das Antas, hoje substituído pelo moderno Dragão.

Regularmente utilizado pelo treinador Artur Jorge, já em sua primeira temporada vestindo as famosas listras brancas e azuis, Paulo conquistou títulos. Com uma sólida vantagem de oito pontos para seu ex-clube, quando as vitórias rendiam apenas dois, levou seu primeiro Campeonato Português.

Futre, enquanto assistente, foi um dos responsáveis pela assombrosa marca obtida pelo centroavante portista, Fernando Gomes. O artilheiro anotou 39 tentos. Ao final daquele ano, o Benfica também sofreria com a ira dos Dragões, perdendo a Supertaça: no jogo decisivo do replay, o garoto foi às redes.

A trajetória rumo ao estrelato foi rápida.

Em 1985-86, o Porto voltou a ganhar o título nacional e outra Supertaça, novamente contra os Encarnados. Ao final de 1986, já aos 20, Futre foi eleito o melhor jogador português do ano — o que se repetiu no ano seguinte. Não era para menos.

Quando se desenhou a temporada 1986-87, o retrato do futebol português em solo continental estava obscurecido. Desde os anos 1960, com a espetacular geração de talentos do Benfica, uma equipe lusitana não chegava a uma final da Copa dos Campeões. Os Encarnados até beliscaram a conquista da Copa da UEFA, em 1983, mas acabaram perdendo para o Anderlecht.

O maior título de sua carreira

Aquele time do Porto tinha algo especial, o que ficou comprovado na Copa dos Campeões. Primeiro, massacrou os fracos maltenses do Rabat Ajax. A seguir, vitimaram o tcheco Vítkovice. A disputa ganhou mais força nas quartas de finais, quando os portugueses eliminaram o Brøndby por um marginal 2 a 1, no agregado.

Nas semifinais, eliminaram os soviéticos do Dynamo Kyiv, vencendo os dois embates por 2 a 1 (o primeiro com gol de Futre). Na histórica final, a consagração veio perante o poderoso Bayern de Munique.

Futre Porto Bayern

Foto: Getty Images

O esquadrão de Jean-Marie Pfaff, Lothar Matthäus, Michael Rummenigge, Andreas Brehme e Dieter Hoeneß não foi páreo para os comandos de Artur Jorge. A vitória veio em virada e com estilo. Rabah Madjer marcou um emblemático gol de calcanhar e depois serviu o brasileiro Juary. 2 a 1 e consagração.

Para Futre, segundo colocado no Ballon d’Or, foi a glória da despedida.

Em um tempo em que os jogadores portugueses não deixavam o país, após 115 jogos e 33 gols, assinou com o Atlético de Madrid, firmando um pacto histórico e eterno com o torcedor colchonero.

Novo destino: a idolatria em Madrid

No Estádio Vicente Calderón, o internacional português, que disputara também a Copa do Mundo de 1986, tornou ainda mais evidente sua estrela. Entre 1987 e 93, foi o grande astro do clube madrileno, que tentava rivalizar com o Real Madrid, com os remanescentes da Quinta del Buitre, e com o Dream Team do Barcelona, de Johan Cruyff.

Para isso, o rojiblanco tinha em seus quadros jogadores como o alemão Bernd Schuster e o hispano-brasileiro Donato.

Atlético de Madrid Paulo Futre

Foto: Le Buzz

Futre vestia a camisa 10 e foi o capitão nas duas oportunidades em que conquistou a Copa do Rei: em 1990-91, vencendo o Mallorca, e em 1991-92 batendo seu grande rival, o Real Madrid — marcando.

Houve, todavia, um problema em 1993.

O Atleti vivia um momento finceiro ruim. Os salários estavam mais de sete meses atrasados e até as categorias de base vinham sendo sucateadas (o que levaria Raúl González ao Real Madrid). Era necessária a saída d’El Portugués.

Após desistência tácita do Sporting, que não apareceu para concluir um negócio que vinha sendo tratado, Futre foi para o Benfica por intermédio da emissora RTP, que pagou pelo negócio e garantiu dois anos de direitos de transmissão das Águias.

Antes disso, porém, o craque recusou o Real Madrid, aumentando sua idolatria no Vicente Calderón. A negociação chegou a acontecer, mas o jogador desistiu ao final.

Uma oportunidade e uma necessidade no Benfica

Em entrevista concedida ao jornal Expresso, Futre foi categórico: “Nunca perdi com a camisa do Benfica”.

Sua estadia na Luz foi rápida, mas ficou marcada. O título português de 1992-93 escapou, com o Porto somando mais dois pontos ao final e levantando o caneco. Porém, na Taça de Portugal, Futre fez o jogo de sua vida.

Em uma final espetacular contra o Boavista, então treinado por Manuel José, o quadro lisboeta venceu por 5 a 2. Futre foi perfeito. Ladeado por Paulo Sousa, Rui Costa, João Pinto e Rui Águas, registrou dois gols e uma assistência.

Futre Benfica

Foto: Getty Images

Ainda assim, o ambiente interno no clube não era bom e as dificuldades financeiras voltaram a ter um papel determinante em sua carreira. Meia temporada depois de sua chegada à Luz, assinou com o Olympique de Marseille.

A continuidade errática

Já nessa altura de sua carreira, Futre convivia com lesões no joelho. Na França, com o OM sob investigação que acabou concluindo pela existência de pagamentos a adversários para facilitarem uma partida contra o Valenciennes, teve passagem curtíssima. Logo foi para o Reggina, tornando-se companheiro de Taffarel.

Em sua estreia pela equipe italiana sofreu lesão gravíssima e perdeu o restante da temporada. No segundo ano, foi rebaixado à segunda divisão e partiu para o Milan; Futre vestiu o imponente manto rossonero apenas uma vez, na última rodada do Campeonato Italiano. Foi campeão nacional praticamente sem jogar, novamente assolado por lesões.

Futre West Ham

Foto: News Group Newspapers LTD

Então, partiu para uma nova aventura, dessa vez no futebol inglês, representando o West Ham. Pelos Hammers voltou a atuar pouco. Teve contusões e ficou marcado por uma história pitoresca, contada por seu ex-treinador, Harry Redknapp.

O português deveria ter estreado na primeira rodada da Premier League, um clássico contra o Arsenal. Mas não aceitou usar a camisa 16.

“Eusébio 10, Maradona 10, Pelé 10, Futre 10, não a porcaria do 16″, teria dito.

Não estreou e ordenou que seu empresário negociasse a camisa. Acabou por fazer seu debute na rodada seguinte, com a 10, e tendo passagem nada marcante pelo clube londrino.

Em 1997-98, tentou uma última oportunidade, voltando ao Atlético. Depois de um curto período de aposentadoria, em que se tornara embaixador do clube, foi chamado às pressas para completar um treino com o time reserva e se destacou. Jogou mais alguns jogos, mas não deu sequência à passagem. Ao final da temporada, foi para o Yokohama Flügels, em que encerrou a carreira.

Revelado pelo Sporting, consagrado no Porto, eterno no Atlético e decisivo no Benfica, Paulo Futre protagonizou uma trajetória incomum, corajosa e brilhante — feita de técnica, dribles, gols e decisões ousadas. Um ponteiro intrépido, cuja carreira desafiou fronteiras e rivalidades.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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