Quem é Tony Pulis, o rei da retranca?

EM MARÇO DE 2014, o português José Mourinho, à frente do Chelsea, afirmou em entrevista que o prêmio de melhor treinador da temporada é comumente entregue aos campeões. A despeito disso, dissociou a qualidade dos técnicos das conquistas de títulos, garantindo que um chefe que aceita a tarefa de salvar uma equipe do rebaixamento e o faz é também campeão, sendo, portanto, merecedor. Conquanto estas não tenham sido as exatas palavras de Mourinho na referida entrevista, ele deu enorme valor a Tony Pulis, o responsável pelo salvamento e boa campanha (dentro de suas possibilidades) do Crystal Palace. Afirmou, ainda, que o treinador assumiu um desafio que poucos teriam a coragem de aceitar.

Tony Pulis Crystal Palace

Foto: PA

A tarefa era tão inglória que Pulis demorou para decidir se aceitaria a oferta. Após conversa com Sir Alex Ferguson, rumou para Londres. Sua estreia no banco de reservas das Eagles ocorreu na 13ª rodada do campeonato, contra o Norwich City. Derrota por 1 a 0 e descida à última posição da tabela. Nas 24 rodadas que se seguiram, o clube assegurou 11 vitórias, tendo, ainda, sofrido 9 derrotas e empatado 4 vezes. Feito absolutamente imenso para uma equipe sem recursos, cujo jogador mais famoso é o marroquino Marouane Chamakh, ridicularizado quando atuava no Arsenal.

Segundo o ponta congolês Yala Bolasie, o treinador deu esperança e alma à equipe. Sem falar muito, mas sendo claro e gentil, conquistou seu limitado elenco. Ainda de acordo com o jogador, Pulis tem que vencer o prêmio de melhor treinador da temporada.

Quem também se manifestou sobre o sucesso do treinador foi Sam Allardyce, comandante do West Ham, que ressaltou a importância do sucesso dele para o moral dos treinadores britânicos, garantindo haver técnicos de qualidade dentro da ilha.

Crystal Palace Gayle

Foto: EPA/Kieran Galvin

Desde que assumiu o comando do Palace, Pulis trouxe apenas cinco jogadores, todos de pouco destaque. Do Southampton, chegou Jason Puncheon, do Blackpool, o promissor Thomas Ince (filho de Paul Ince), do Wolverhampton, o pouco aproveitado goleiro Wayne Hennessey, do Celtic, o competente galês Joe Ledley, a melhor contratação. Por fim, do Blackburn, veio o zagueiro Scott Dann.

Ao melhor estilo inglês, encurtando espaços e abusando dos lançamentos longos, o clube se acertou. O inesperado e mágico empate contra o Liverpool, após ter três gols de desvantagem no placar, é prova disto.

Está claro que Tony Pulis é um comandante que deve ser considerado. Mas uma pergunta merece ser feita: de onde veio este treinador?

Tony Pulis foi um defensor de pouquíssima expressão no futebol. Cria do Bristol Rovers, clube pelo qual atuou na maior parte de sua carreira, nunca chegou a disputar a Primeira Divisão. Sua carreira de treinador começou concomitantemente com a de jogador, no Bournemouth, então na Terceira Divisão. Seu sucesso, contudo, só aconteceu no modestíssimo Gillingham, quando subiu à terceirona e quase conseguiu o acesso à Championship, perdendo o playoff nos pênaltis para o Manchester City.

Tony Pulis Gillingham

Foto: Reprodução

Depois disso, teve uma rápida e apagada passagem pelo Portsmouth e, por fim, chegou ao Stoke City, onde viveria a melhor e maior parte de sua carreira. Contratado em 2002, ajudou a equipe a não ser rebaixada para a terceira divisão, fazendo campanhas medianas nas duas temporadas seguintes. Contudo, problemas com a direção o levaram a deixar o clube ao final do campeonato de 2004-05.

Após uma temporada regular no comando do Plymouth Argyle, ainda na segunda divisão, retornou ao Stoke — já sob nova direção. Foi aí que sua sorte começou a mudar.

De volta ao clube onde fora melhor sucedido, Pulis conseguiu o acesso à Premier League na temporada 2007-08. Logrou, ainda, o vice-campeonato da FA Cup na temporada 2010-11. Apesar de ter ficado estigmatizado como um adepto do estilo tradicional inglês, na sua concepção mais conservadora e ultrapassada, o treinador conseguiu respeitáveis resultados.

Sua trajetória ficou marcada ainda por um fato curioso: os laterais cobrados na área do adversário, em especial do flanco direito. O inglês Rory Delap sempre repetia seu ritual: pegava a bola à relva, enxugava-a e a lançava no centro da área adversária, em um autêntico cruzamento com as mãos. Não raro, a bola encontrava a cabeça de um atacante dos Potters, como bem sabe o grandalhão Peter Crouch.

Tony Pulis Stoke Crouch

Foto: Jon Super/AP

O caso de amor entre Tony Pulis e o Stoke teve fim consensual com o termo da temporada 2012-13.

Conhecido por assegurar condições regulares a equipes de baixas possibilidades financeiras e técnicas, Pulis cavou seu espaço. O prêmio de melhor treinador da Premier League do mês de abril mostra isso. Criticá-lo por seu estilo “ultrapassado” não é válido, pois ele trabalha (muito) bem com (muito) pouco. Quem sabe uma chance numa grande equipe não revele outra faceta do bom treinador galês?

Emprego para ele parece não ser mais problema. O sorriso do torcedor do Crystal Palace ao final da temporada aponta que, se depender dos torcedores, o lugar dele no clube estará garantido por muito tempo.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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