O eterno Alavés do final dos anos 1990 e início dos 2000

A HISTÓRIA DO FUTEBOL É CLARA: trabalhos longevos costumam render bons frutos. Terá pensado nisso o Alavés quando, em 1997, contratou Mané Esnal? Não. Ano após ano, o treinador foi tendo o contrato renovado. Até seu ato final, em 2003, o estádio Mendizorrotza viveu, em sua maioria, dias de alegria e sucesso. Aquele time não encantava, mas era organizado e sofria poucos gols. A realidade foi mudando e os Babazorros alcançaram seu melhor desempenho internacional de todos os tempos.

Alavés Uefa Cup

Foto: Reuters

Corria o final da década de 1990, quando Esnal foi escolhido para renascer o Alavés. Eram tempos difíceis. Desde os anos 1950, os vitorianos não sabiam o que era disputar a primeira divisão espanhola. Nesse ínterim, frequentaram majoritariamente a segundona, ainda que suas dificuldades tenham contemplado anos no terceiro e no quarto escalões nacionais.

A revolução de Mané

No ano que antecedeu o desembarque do técnico, o Alavés não passou de uma insossa e nada promissora 13ª colocação na divisão de acesso. As perspectivas de subida eram irreais.

O treinador empenhou esforços gradativos na consolidação de uma equipe segura de si e capaz de sair do marasmo. Modestamente, em 2001, Mané diria ao El País que sua forma de trabalhar era um “segredo público” e que “o ‘estilo Mané’ não existe”. Entretanto, as marcas que o líder consolidou no clube basco foram evidentes.

A análise dos resultados obtidos por Esnal é reveladora. Marcar gols é parte vital do futebol, certo? Para além disso, todavia, é conveniente não sofrê-los. Evitá-los adia derrotas; marcá-los não necessariamente. Logo em sua primeira campanha, montou uma defesa intransponível. Nas 42 partidas que disputou em 1997-98, o Alavés concedeu apenas 25 gols, consagrando, de longe, a melhor retaguarda da segundona. O ataque foi apenas o quarto melhor, mas o título foi para Vitória. No mesmo ano, El Glorioso chegou às semifinais da Copa del Rey.

Manu Esnal Alavés

Foto: AFP

Os êxitos não pararam por aí. Levaram mais de quatro décadas para o clube retornar a elite e ele não os desperdiçaria. Em 1998-99, as dificuldades ficaram evidentes e o melhor setor defensivo da segundona deu lugar ao vice-líder no ranking dos piores. O esperado rebaixamento, porém, não veio e o objetivo de então foi alcançado. Passo a passo, os Babazorros foram reconstruíndo sua trajetória em La Liga.

O primeiro grande sucesso azul e branco veio em 1999-00 — um dos anos mais atípicos do futebol espanhol.

O torneio que confirmou o primeiro e único título nacional do Deportivo La Coruña também foi marcante para o Alavés. Nem o paredão do meio-campo campeão, composto por Mauro Silva e Flávio Conceição, foi mais forte do que o ferrolho de Mané. O goleiro argentino Martin Herrera, por anos ocultado sob a sombra de Navarro Montoya no Boca Juniors, foi o menos vazado do certame. Sofreu 37 tentos em 38 jogos. A defesa dos bascos foi a menos vazada da competição.

Enquanto isso, o ataque acabou como o terceiro menos prolífico. Não importa: o time não empatava, ou vencia ou perdia, foram apenas três as partidas que terminaram igualadas. Assim, fechou o ano na sexta colocação.

Mudando de estilo e patamar

O desempenho levou o time a palcos impensáveis. O Alavés disputaria, em 2000-01, a Copa da UEFA. Com isso no horizonte, permitiu-se alguns luxos; a contratação de quatro jogadores de maior destaque, todos para seu setor ofensivo, carente de gols. Chegaram um jovial Iván Alonso, ex-River Plate-URU, e três jogadores com passagens por suas seleções nacionais: o croata Jurica Vučko, o iugoslavo Ivan Tomić e, o mais emblemático de todos, Jordi Cruyff, que chegou do Manchester United.

Com o clube já acostumado à elite nacional, era a hora de abraçar o mundo. Seria difícil obter sucesso em todas as frentes, mas o Alavés não se apequenou, pelo contrário. Com parceiros melhores, o atacante Javi Moreno, contratado em 1998 e que chegaria à seleção espanhola, desandou a marcar gols — foi o terceiro melhor marcador de La Liga. O goleador refletiu o Alavés. No Campeonato Espanhol, a defesa se abriu mais, mas o ataque foi feroz. O 10º lugar não foi tão bom quando o sexto do ano anterior, mas os gols apareceram, foram 58.

A verdade, porém, é que nada disso foi importante. Como é? A disputa doméstica ficou em segundo plano. Eram as noites europeias o grande interesse do Alavés.

Alavés Uefa Cup

Foto: Diario AS

A epopeia basca revelou um time que contrariou seu passado recente. Meio kamicaze, sofreu três gols dos turcos do Gaziantepspor, mas marcou quatro, eliminando-os. Contra o Lillestrøm norueguês, o placar agregado registrou vitória por 5 a 3, favorável aos espanhóis. A seguir, a vítima foi outro escandinavo, o Rosenborg: 4 a 2. Foi então que chegou a quarta fase da disputa e os vitorianos precisariam finalmente mostrar o que valiam.

Pela frente, tinham a Internazionale.

É bem verdade que os Nerazzurri estavam combalidos. Não tinham Ronaldo, que vivia o inferno astral com seus joelhos e, na linha de frente, apostas como Robbie Keane ou Hakan Şükür não davam conta do recado. Ivan Zamorano partira para o América do México e apenas Christian Vieri vivia bom momento. Ainda assim, tratava-se da poderosa Inter contra o pequenino Alavés. E os bascos não tiveram modéstia alguma.

Em casa, os Babazorros saíram na frente em cabeçada de Moreno. Porém, Álvaro Recoba empatou em contragolpe mortal e virou com chute de fora da área para os italianos. Tudo parecia ir por água abaixo em novo contra-ataque, em que Vieri fez o 3 a 1. Mas o Alavés fez valer a fama do País Basco e foi valente. Em cobrança de falta ensaiada, o defensor Óscar Téllez diminuiu e, pouco depois, um peixinho perfeito de Ivan Alonso relançou o time na disputa: 3 a 3.

 

Na Itália, Cruyff e Tomic sentenciaram a Inter e, com um triunfo por 2 a 0, o Alavés avançou às quartas de finais — enfrentou uma surpresa conhecida, o Rayo Vallecano, do goleiro Julen Lopetegui. A vitória em casa na partida de ida condicionou o sucesso do clube. Em Mendizorrotza, o 3 a 0 foi inapelável e permitiu um escorregão na partida de volta, derrota por 2 a 1.

Entrando para a história

A certeza de que o Alavés passaria aos livros de história veio somente nas semifinais. O adversário era um respeitável time do Kaiserslautern. Os alemães tinham jogadores importantes, como Youri Djorkaeff, Mario Basler e Miroslav Klose. Porém, os azuis e brancos — que acabaram jogando boa parte do torneio com uma icônica camisa cor de rosa — estavam destinados à grandeza; passaram por cima. Em casa, dois pênaltis convertidos pelo romeno Cosmin Contra foram o prenúncio do que viria a ser um massacre.

Cruyff, Alonso — também da marca da cal— e o brasileiro Magno fizeram, o terceiro, o quarto e o quinto gols hispânicos. Outra penalidade conferiu o gol de honra aos germânicos, convertida por Harry Koch.

Na volta, a história poderia ter sido diferente se do gol de Djorkaeff, aos sete minutos da etapa inicial, tivesse se seguido uma recuperação alemã. Não ocorreu. O clube foi novamente pisoteado. Alonso, Vučko (duas vezes) e Gañan Bermúdez puseram os bascos na final. O 9 a 2 elevou o clube a um posto alto demais e ele contrariou o ditado que diz que, quanto mais alto se sobe, maior é a queda. O Alavés caiu, mas leve como uma pluma.

O Liverpool, que eliminara o Barcelona, de Rivaldo e Patrick Kluivert, foi o adversário no Westfalenstadion, em Dortmund. Buscava reafirmar seu poder perante o continente, após uma trajetória de glórias e a mancha da Tragédia de Heysel. Contava com a juventude de Steven Gerrard, Michael Owen e Emile Heskey, além das referências de Jaime Carragher, Sami Hyypiä, Markus Babbel e Robbie Fowler. Era um time forte. Assim como o Alavés.

Da final ao final

Aos três minutos, de cabeça, Babbel lançou os Reds em vantagem. Aos 16, Owen passou a bola a Gerrard no meio da defesa espanhola e, logo no início, o Liverpool vencia por 2 a 0. Parecia o fim do sonho basco. Não tão rápido. Após cruzamento de Contra, Alonso diminuiu. Contudo, pouco antes do final da primeira etapa, o goleiro Herrera derrubou Owen na área: pênalti convertido por Gary McAllister.

Algo aconteceu no intervalo.

Aos 47, Moreno fez mais um para o Alavés, também em cabeceio após cruzamento de Contra. E, dois minutos depois, empatou o encontro, em cobrança de falta rasteira. Mais vivo do que nunca, o quadro espanhol resistiu até o minuto 72, quando Fowler recolocou os ingleses em vantagem. Entretanto, havia um sobrenome em campo conhecido por fazer história: Cruyff. Aos 88, quem diria, de cabeça, Jordi empatou novamente a partida, que foi para a prorrogação.

O brasileiro Magno foi expulso e, da forma mais irônica possível, acabou a trajetória fantástica do Alavés. De cabeça. Um autogol de Delfí Geli. Antonio Karmona ainda seria expulso antes de o árbitro soprar, finalmente, o apito final. Épico, o 5 a 4 foi gravado na eternidade, assim como o nome do Alavés, após tantos anos relegado ao esquecimento.

 

Em 2001-02, o time voltou a fazer boa campanha no Campeonato Espanhol, ficando com o sétimo lugar e retornando à Copa da UEFA. Tudo sobre o comando de Mané Esnal. Nada impediu que o final do casamento entre treinador e clube fosse duro.

No ano seguinte, o time não repetiu o bom desempenho na competição continental. Foi eliminado na segunda fase, perante o Besiktas. Ao final da temporada, o Alavés retornou à segunda divisão. Enfim, Mané e Alavés decidiram caminhar por estradas diferentes. A saída foi tranquila: “Foi um acordo amigável entre as partes, depois de estarmos juntos seis anos, não podia haver uma demissão, uma vez que Mané fez história nesse clube”, revelou o então presidente do clube, Gonzalo Antón San Juan.

Se o treinador tinha um método próprio, não se sabe. A única certeza que se tem é a de que os dias dedicados ao Glorioso são eternos.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

Sem Resultados

  1. Anônimo disse:

    Excelente texto, muito legal a trajetória do Alavés até a final da copa uefa e foi demais aquela final com o Liverpool.

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