O fim do jejum do Racing Club em 2001
torcedor do Racing Club de Avellaneda foi ao céu. Depois de duas batalhas
renhidas com o Celtic de Jock Stein, uma na Argentina e a outra na Escócia,
as equipes subiram ao gramado do mítico estádio Centenário, em Montevidéu.
No desempate, prevaleceram os portenhos, treinados pelo ícone Juan José
Pizzuti. Naquele ano, um jovem Reinaldo Merlo ainda sonhava com uma vida no
futebol. Tinha 17 anos e sequer era profissional do River Plate. Já o
nascimento de Diego Milito nem era projetado. Faltavam três décadas para o
encontro e o contexto não era fácil.
Pausa para o sofrimento
El Equipo de José não teve continuidade. O clube foi um dos primeiros
subjugados pelo Estudiantes, treinado por Osvaldo Zubeldía. Nas semifinais da
Copa Libertadores de 1968, o futebol de
resultados dos homens de La Plata se impôs ao jogo técnico dos representantes
de Avellaneda. Embora seguisse tendo boas campanhas, aquele Racing não voltou aos
pódios.
“Acredito que nosso time revolucionou o futebol argentino. 24 horas antes de
um jogo como visitante, não havia mais ingressos. Todo mundo queria nos
vencer. A equipe estava bem estruturada defensivamente; todos defendiam e
atacavam. Qualquer um poderia marcar um gol. Mesmo que eu não tenha marcado
nenhum, tentei garantir que os atacantes fizessem”, comentou o capitão
Oscar Martín, à
ESPN Deportes.
assumiu o comando da seleção argentina. Pouco depois, Norberto Raffo seguiu
para o Atlanta; Agustín Cejas fechou com o Santos e Roberto Perfumo com o
Cruzeiro; Alfio Basile e Nelson Chabay rumaram ao Huracán; Juan Carlos
Cárdenas ao Puebla; enquanto Martín, João Cardoso, Juan Carlos Rulli e
Humberto Maschio se aposentaram.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
estava desfeito. “Em 1964, jogamos um jogo por um ‘asado’. Alguns não gostam de falar disso, mas não minto”, confirmou Martín. A realidade de outrora não seria tão
diferente da vindoura.
acostumando com posições intermediárias na tabela de classificação. E não é
que tenha surgido uma nova equipe hegemônica. Na década, o título pulou de mão
em mão — Independiente, Boca Juniors, Rosario Central, San Lorenzo, Huracán,
Newell’s Old Boys, River Plate e Quilmes foram todos campeões.
Foi salvo por apenas um ponto, vendo o modesto San Telmo cair.
que disputou a Copa do Mundo de 1974, e de Ricky Villa, no certame seguinte,
vencido pelos Hermanos. Era, contudo, inevitável concluir que nada fora
construído sob as bases do trabalho d’El Equipo de José. O sucesso era
coisa de um passado que se tornava cada vez mais distante e sofrido,
especialmente diante do sucesso de seus grandes rivais, notadamente do mais
odiado, o Independiente.
Depois da noite escura, o breve renascimento
que tivesse voltado ao comando de Pizzuti, o Racing foi cavando sua cova aos
poucos, mas consistentemente. O rebaixamento com base no promedio, instituído
naquele ano, não deixou margem para nenhuma dúvida a esse respeito. O time não
vinha fazendo jus à própria grandeza há mais de 10 anos.
pereceu diante do Gimnasia y Esgrima e foi obrigado a continuar vivendo seu
inferno particular. A situação só começou a melhorar com o retorno de um velho conhecido. Em 85, Basile voltou como treinador.
para fora do atoleiro e respirar um pouco de ar puro. Ainda assim, foi com
mais sorte do que juízo, porque nas quartas de finais,
La Academia ficou no 4 a 4 com o Banfield, no agregado, e só prosseguiu
por deter melhor campanha na fase inicial. Depois, passou com tranquilidade
por Quilmes e Atlanta.
encarnou isso melhor do que o zagueiro Gustavo Costas, um dos nomes mais
importantes da história do clube, um protagonista de uma escrita digna de
filme.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
recebemos o prêmio por vencer o octogonal. Alguns rapazes pensaram em enviar
um telegrama, até perceberem que não adiantaria. O Racing era como uma fábrica
prestes a fechar, e era preciso dar o nosso máximo para mantê-la funcionando.
E assim, na adversidade, o grupo se formou”, contou à revista
El Gráfico, em 1987. “Fomos jogar o campeonato mendocino. Era a única maneira de
recebermos. Viajávamos todas as semanas em um ônibus que parava a cada hora
porque o motor superaquecia”.
acima de tudo, amava o Racing. Na volta à elite, o alviceleste chegou logo às
quartas de finais, e continuou reescrevendo sua história. Basile seguia na
casamata, comprometido com a ressurreição do time da sua vida. A sorte
começava a sorrir outra vez para o clube, que conseguiu contratar um craque,
Rubén Paz, que estava infeliz em outro Racing, o de Paris.
“Me receberam como se eu estivesse no clube há anos. Há um grupo
fantástico, muito humilde, e também a comissão técnica. Isso é o que mais me
impressionou até agora. E depois, tem essas coisas que só acontecem na
Argentina e no Uruguai. Você chega ao treino e o mate está pronto, começam
as brincadeiras, as piadas, você se troca com vontade, trabalha com prazer”,
relatou à
El Gráfico.
1987-88, vencido pelo Newell’s. Ainda naquele ano, o jejum de taças acabou.
No que foi a primeira disputa da Supercopa Sul-Americana, um torneio que
colocou em choque todos os campeões da Libertadores,
La Academia superou Santos e River Plate, antes de encontrar o Cruzeiro
na decisão.
Colombatti no meio-campo e Paz com liberdade criativa, venceu na ida, 2 a 1.
No Mineirão, o empate por 1 a 1 foi suficiente. Rubén Paz foi eleito
Rey de América no ano. Faltava voltar a vencer dentro de casa.
A torcida e a base impulsionam o Racing
início dos anos 1970 pareceu se repetir. Paz saiu brevemente para o Genoa, mas
voltou e ficou até 1993. Costas imigrou à Suíça, para representar o Locarno,
voltando em 1992 e permanecendo até 96. Fabbri seguiu para o América de Cali.
Fillol terminou a carreira no Vélez Sarsfield. O time foi se perdendo.
Naturalmente, os resultados foram decaindo e o promedio também.
foi vice-campeão. Foram exceção, porém. Em 1998, o Racing estava à beira da falência.
pleiteou a recuperação judicial, ficou sob administração e só conseguiu quitar os débitos a partir de vendas que não foram bem vistas pelo torcedor, como as
de Marcelo Delgado, para o Boca Juniors, e de Albano Bizzarri ao Real Madrid.
ficou eternizado como um dos mais detestados pela torcida. Seja como for, o
Racing sobreviveu ao período de administração e recomeçou com a ajuda de seus
torcedores. Em 1999, um grupo de hinchas promoveu reformas em um
terreno cedido pelo governo ao clube, o qual passou a ser utilizado como
centro de treinamento para as categorias de base. O local foi inaugurado em 9
de julho de 2000. Surgia o Predio Tita Mattiussi.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
Gabriel Mercado, Maxi Moralez, Mariano González, Lisandro López, Sergio
Romero, Rodrigo De Paul e, mais recentemente, Lautaro Martínez e Matías
Zaracho.
“Se não fosse por aqueles dez loucos visionários, hoje não teríamos o
patrimônio mais importante com o qual o clube conta”, falou Diego Milito, à
ESPN Deportes.
de perto. Não só ele, mas também os meio-campistas Adrián Bastía, Javier Lux,
Gustavo Arce, além do atacante Maxi Estévez. Todos revelados no clube. Eles se
juntaram a referências veteranas como a do lateral e capitão Claudio Úbeda e
do zagueiro Sergio Zanetti, irmão de Javier, que viveram todo aquele processo.
Formaram um time que tinha ganas de vencer.
Chega de sofrer
Maschio. Outro ídolo, Alberto Jorge, também tentou sua sorte. O clube foi o
último colocado no Apertura de 2000, mas conseguiu o quinto lugar do Clausura
2001 e se salvou por pouco do descenso, já com Oscar López na casamata.
exorcizar os maus espíritos que pairavam pelo Racing, foi preciso ir mais uma
vez atrás de Basile — não exatamente.
Reinaldo Merlo é figura associada ao River Plate, mas foi um dos auxiliares de
Alfio Basile, quando este comandou a seleção argentina, no início dos anos
1990. Bebera da fonte que rendera as últimas conquistas de
La Academia e foi o escolhido para treinar o time no Apertura 2001.
Naquele ano, o jejum de títulos nacionais completava 35 anos — um completo
absurdo, para quem foi o maior vencedor do país até 1964 e, entre argentinos, o primeiro campeão
Mundial.
clube, só Milito alcançaria o ápice. Quanto aos contratados, os mais
relevantes foram o goleiro Gustavo Campagnuolo, o lateral colombiano Gerardo
Bedoya, o zagueiro Gabriel Loeschbor e Gustavo Barros Schelotto, mais lembrado
como o irmão de Guillermo, notoriamente superior tecnicamente. Seja como for,
Merlo determinou que o time deveria ir Paso a Paso.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
“Eu estava no Villarreal da Espanha, sem muita continuidade. Mostaza Merlo
me ligou e me disse diretamente: ‘Quer vir e ser campeão com o Racing?’”,
contou Schelotto ao
Olé.
engrenagens e o time funcionou. Eram 19 jogos, um contra cada adversário.
foi perder na longínqua 15ª rodada e o 3 a 1 favorável ao Boca Juniors foi a
única derrota da equipe. Econômica, teve nos 4 a 1 diante de San Lorenzo e
Gimnasia seus resultados mais expressivos. Corajosa, mostrou o poder de seu
espírito no movimentado empate com o Nueva Chicago, 4 a 4. Caseira, só deixou
a vitória escapar no Cilindro em dois empates, diante de Belgrano e River
Plate.
“Não havia uma figura dominante; todos trabalhávamos lado a lado e nos
impulsionávamos uns aos outros. Não fomos brilhantes em termos de exibições, mas
fizemos grandes jogos”, acrescentou Gustavo.
campeonato, sofrendo somente 17 gols. Comandado pela técnica de Esteban
Cambiasso, Andrés D’Alessandro e Ariel Ortega, sob a direção de Ramón Díaz, o
River se colocou em condição de favoritismo, mas não foi páreo.
Vélez Sarsfield no José Amalfitani lotado (a exemplo do Cilindro). Foi o que aconteceu: 1 a 1. Loeschbor foi o nome do gol de La Academia. Não era o melhor dos
momentos para celebrar, considerando a enorme crise político-econômica vivida por um
país em recessão, mas quem havia de frear os ânimos daqueles que aguardaram 35
anos para gritar “é campeão!”, bem no centro de Buenos Aires?