O dilema de Claudio Ranieri no Leicester City

Na temporada 2015-16, uma grande surpresa
emocionou no futebol inglês. Após 132 anos de vida, com muita humildade e
entrega, o Leicester City superou rivais que possuíam orçamentos muito mais
generosos que o seu e, com uma proposta muito bem definida, venceu a Premier
League. Embora seja evidente que a realização do sonho só foi possível com a
aplicação de todos os jogadores do elenco, enquanto coletivo, três peças se
destacaram sobremaneira: o onipresente N’Golo Kanté, o talentoso Riyad Mahrez e
o matador Jamie Vardy. Destes, só o primeiro saiu, mas sua ausência vem sendo
muito sentida e inspira atenção.

Claudio Ranieri Leicester City

O time que o treinador italiano
Claudio Ranieri projetou na campanha vitoriosa possuía identidade, um selo, uma
marca. Com muita aplicação tática, o tradicional 4-4-2, com dois volantes, dois meias abertos pelos flancos e dois atacantes se
mostrou inapelável, sabendo sofrer e impor sofrimento. Quando atacado, apostava
suas fichas na recuperação da bola, ou forçando seu adversário ao erro ou
confiando na especial capacidade de Kanté para retomá-la.

N'Golo Kanté Leicester City 2016

A seguir, do volante francês ou
de seu companheiro de setor, o inglês Danny Drinkwater, era feita rápida
transição, buscando a velocidade de Mahrez ou Marc Albrighton pelos flancos,
com o objetivo final de encontrar a constante e intensa movimentação e rapidez
de Vardy e do nipônico Shinji Okazaki. Esse estilo ficou facilmente definido
com uma palavra: verticalidade.
Pois bem, aquela que talvez tenha
sido a principal engrenagem do time (Kanté) partiu. Hoje o Leicester tenta
repetir a fórmula de seu sucesso, mas tem encontrado dificuldades. Nos
primeiros quatro jogos que disputou, perdeu para o recém-promovido Hull City,
empatou com o Arsenal, venceu o Swansea City e foi massacrado pelo Liverpool,
4×1.
Em todos os jogos, o time visto
em campo foi basicamente igual ao de 2015-16, mas um fato não passou sem
notícia: no primeiro jogo, Ranieri apostou em Andy King no lugar deixado vago
por Kanté; no segundo em Nampalys Mendy – contratado para repor a saída do volante
francês –; e nos últimos dois em Daniel Amartey. Por mais que não tenham atuado
mal, nenhum deles alcançou desempenho parecido com o de N’Golo. O resultado? Os
Foxes ficaram muito expostos. Em
quatro jogos, sofreram sete gols, média de 2,3 por jogo, a qual contrasta
brutalmente com a de 0,94 da temporada passada.

“Eu não quero falar sobre Kanté.
Só há um – não há outro no mundo. Ele se foi e agora temos que seguir em frente”
,
lamentou Ranieri após a vitória do Leicester contra o Swansea.

É claro, tudo não passa de um
começo e era esperado que o time precisasse de tempo para se readaptar. Não
obstante, em uma liga tão competitiva como é a Premier League, esse prazo é
curto. Tem se mostrado necessário um maior preenchimento do setor de
meio-campo, o qual tem sido dominado pelo dos adversários.

Além disso, em outra análise, na
partida contra o Hull City, claramente um clube menos qualificado, o Leicester
teve mais posse de bola durante o jogo e não soube o que fazer com ela, uma vez
que não é essa sua característica. Esse expediente deverá ser utilizado por
outras equipes durante a competição e o time precisa saber lidar com ele.

Daniel Amartey Leicester City 2016-17Não há tempo para lamentar a
saída de Kanté. É preciso, contudo, perceber o quão importante o francês era.
Em mais de uma ocasião, no último ano, o Leicester aparentou jogar com 12
jogadores, tamanha era a capacidade de seu volante para ocupar espaços,
apresentar-se para o jogo e desarmar. Não é absurdo dizer que o atleta fazia o
trabalho de mais de um jogador e é por isso que o time enfrenta dificuldades
atualmente. Também é essa a razão, que tem levado muitos a apontarem a
necessidade de fortalecimento do meio-campo, possivelmente com o sacrifício de
Okazaki.
Hoje, é muito difícil enxergar o
Leicester brigando pelo título e muitos são os fatores. Além da própria
dificuldade para se reencontrar, os Foxes
viram alguns de seus adversários (sobretudo os rivais de Manchester) se reforçarem
muito, gastando milhões. Ranieri tem o seu grupo nas mãos e deverá conseguir
recolocá-lo nos trilhos. Entretanto, para isso precisa superar o
dilema que vive: preservar a identidade vencedora do time e esperar que o mesmo se acerte ou buscar reequilibrá-lo de outra forma? A pergunta parece
simples. Contudo, respondê-la vem se mostrando tarefa árdua.

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