O azul claro antes do escuro: Drogba em Marselha

BASTOU UMA TEMPORADA para se saber: Didier Drogba estava destinado à elite. Enquanto o Chelsea, com os cofres cheios após a chegada de Roman Abramovich, formava um elenco forte, mas ainda sem estrelas de renome, o marfinense confirmava as sensações que suas passagens por Le Mans e Guingamp deixaram. Foi em Marselha que o atacante espantou as dúvidas e justificou o interesse dos Blues.

Drogba Marseille

Foto: Patrick Valasseries/AFP/ Arte: O Futebólogo

Chegando à Elite

No dia 30 de julho de 2003, o Olympique de Marseille fez um movimento ousado: contratou o grande artilheiro de um time modesto. Com 25 anos e apenas 42 jogos na elite francesa, Drogba surgia como aposta, após ter sido o terceiro artilheiro da Ligue 1 de 2002-03. Seus 17 gols só foram superados pelos 26 de Shabani Nonda e os 23 de Pauleta; seu Guingamp conseguiu uma inesperada sétima colocação.

No entanto, a história está cheia de casos de goleadores de clubes menores que, ao dar o salto para equipes mais fortes e com maior pressão, sucumbiram. O Marseille estava classificado para as qualificatórias da Liga dos Campeões, após terminar o Campeonato Francês em terceiro lugar — apenas três pontos atrás do campeão, Lyon. Era um bom momento, mas também um com expectativas.

Drogba Guingamp

Foto: Archive Ouest-France/Arte: O Futebólogo

A vida dura do garoto pobre que emigrara à França na infância, retornara à Costa do Marfim com saudades de casa, e voltara à Europa adolescente, parecia próxima do fim do que vinha sendo um ciclo de provações. Desta vez, preparando o terreno para o maior momento de sua trajetória. Contudo, tudo no seu tempo.

“Eu senti tanta pressão no início no Vélodrome. Não estava jogando bem, me sentia um espectador. Fiquei deslumbrado e surpreso com o que vi dos torcedores, com a presença de tantas pessoas em um estádio com tanta história e que parecia vivo. Então, em todas as partidas, por volta dos 60 minutos, eu ficava sem fôlego e pedia para sair, porque não conseguia. Eu me perdia por falta de concentração. Mas depois conseguimos corrigir isso”, relatou ao site oficial da Ligue 1.

Engrenando rapidamente

A estreia oficial aconteceu justamente diante do Guingamp, na primeira rodada do Campeonato Francês. Não houve Lei do Ex. O Marseille venceu por 1 a 0 e Drogba passou os 90 minutos em campo, sem marcar. O cenário foi similar ao da segunda partida, contra o Auxerre, mas desta vez ele acabou rendido por Fernandão, a 10 minutos do fim da partida — já tendo criado a assistência do gol do egípcio Mido.

O marfinense começou a marcar contra o Lens, no dia 17 de agosto. Foi de cabeça, após cobrança de escanteio. Não parou mais. Na oitava rodada, por exemplo, conseguiu um doblete diante do Nice, no que foi seu quinto gol pelo clube.

Fernandão Drogba

Foto: Reprodução/Arte: O Futebólogo

Na altura, o time já havia eliminado o Austria Vienna, treinado por Joachim Löw, e se classificado para a fase de grupos da Liga dos Campeões, contra Real Madrid, Partizan e Porto. A terceira posição acabaria acontecendo, com o time caindo para a Copa da Uefa. Entretanto, há males que vêm para bem, proclama a sabedoria popular.

A primeira experiência continental valeu para Drogba, que marcou cinco gols, incluindo um hat-trick diante dos sérvios (com direito a gol de calcanhar) e tentos tanto contra espanhóis quanto frente aos portugueses, futuros campeões. Seria, todavia, no segundo escalão continental que ele se consagraria.

Queda para a Copa da Uefa foi benção

“É preciso compreender que eu nunca havia enfrentado equipes do calibre de Liverpool e Inter de Milão. Apenas um ano e meio antes, eu ainda disputava a segunda divisão. De repente, estava jogando contra jogadores que só via pela TV: Steven Gerrard, Emile Heskey, Alan Shearer, Laurent Robert. Pude mostrar do que era capaz”.

E como mostrou. Os gols iam se acumulando de todas as formas: de cabeça, com ambos os pés, em arrancadas ou com apenas um toque. Com luta e com classe.

A primeira eliminatória foi contra o Dnipro e o avanço foi pelo placar mínimo de 1 a 0, no agregado. O gol francês foi de Drogba, que conseguiu se manter de pé após escorregar em cobrança de pênalti.

Drogba Marseille

Foto: Reprodução/Arte: O Futebólogo

Na Ligue 1, ele já tinha 15 tentos. Enquanto isso, na Copa da Uefa, as coisas iam melhor do que a encomenda, o foco era lutar pelo título e nada mais importava.

Nas oitavas de finais, o Marseille encarou o Liverpool. Drogba marcou nas duas mãos. Em Anfield Road, assistido por Camel Meriem, fuzilou o goleiro Chris Kirkland e garantiu o empate por 1 a 1. No Vélodrome, os Reds trocaram de goleiro, acionando Jerzy Dudek. Não adiantou, porque o polonês nada pôde contra uma cobrança de pênalti perfeita de Drogba. De virada, os Phocéens avançaram às quartas.

Depois de vencer ídolos, o céu era o limite

O Marseille já se sabia fora da disputa pela conquista da Ligue 1, quando recebeu a Inter. Ficou evidente que não só Didier era assunto sério, como ele também tinha a sorte dos maiores. Ao receber um lançamento longo, tentou finalizar de primeira, com a perna direita, e se enrolou com a bola. Conseguiu manter o equilíbrio e, com a esquerda, estufou as redes de Alberto Fontana. Foi o suficiente para o Marseille vencer: 1 a 0.

Na volta, Drogba ficou fora, mas deu tudo certo, com nova vitória marginal dos marselheses. Virando à esquina, nas semifinais, estava o Newcastle. Treinado por Sir Bobby Robson e capitaneado por Alan Shearer, terminaria a Premier League em quinto lugar, após um terceiro na temporada anterior. Era um desafiante poderoso. No Norte da Inglaterra, o zero não deixou o placar. No Sul da França…

 

… Drogba deu um drible desconcertante em Aaron Hughes, partindo da direita para o centro de letra, livrou-se de um carrinho e finalizou cruzado de canhota, para superar o arqueiro Shay Given. Era o primeiro tempo. No segundo, só completou uma cobrança de falta rasteira, ensaiada, e deu números finais à contenda. O Marseille estava na final, assim como o Valencia — de Pablo Aimar, Vicente Rodríguez, Miguel Angulo e Francisco Rufete.

Tristeza sem melancolia

As sensações devem ter sido positivas, quando se viu que Aimar começaria a decisão no banco. Ele não tinha as melhores condições físicas e o treinador Rafa Benítez possuía um plano. Precisava de um time mais forte, de início. Depois de momentos de trocação franca, a pressão valenciana resultou em pênalti de Fabien Barthez no atacante Mista. O arqueiro foi expulso e Vicente converteu.

Com um a menos, ficou tudo mais difícil. O próprio Mista, agora recebendo assistência de Vicente, deu números finais à decisão. Em Gotemburgo, os espanhóis mostraram as qualidades que também os levaram ao título de LaLiga naquele ano. Pode, também, ter pesado o fato de que o Marseille acumulou duas derrotas e um empate, entre a vitória contra o Newcastle e a decisão.

 

Seja como for, com 6 gols, Drogba foi um dos artilheiros do certame, ao lado de Sonny Anderson (Villarreal), Shearer e Mateja Kežman (PSV) — que curiosamente entraria no caminho do marfinense, dali a pouco tempo.

O atacante ainda fez mais um jogo pelo Marseille. Mas, outra vez contra o Guingamp, na rodada derradeira da Ligue 1, não marcou. Apenas Djibril Cissé, com 26, e Alexander Frei, com 20, superaram seus 19 tentos na competição.

“Tivemos uma ótima fase, vencemos times como o Liverpool, que tinha um Bola de Ouro no elenco. Fizemos algo realmente excepcional. Mas terminou contra o Valencia, e essa é uma partida que eu gostaria de jogar novamente. Minha pior lembrança não foi exatamente a final. Foi quando saí do clube, mesmo que a derrota na final tenha me causado algum impacto”.

Sua passagem pelo OM foi imortalizada. Foram 32 gols em 55 jogos. Ele havia passado no teste, apesar de não ter confirmado o título europeu. No horizonte, surgia um novo desafio.

Um novo azul

Drogba Chelsea

Foto: Reprodução/Arte: O Futebólogo

O Chelsea estava espreitando tudo o que acontecia ao redor da Europa e, como tal, não deixou passar despercebidas as dezenas de gols marcadas por Drogba. Não demoraria para perceber que as 24 milhões de libras gastas em sua contratação foram poucas. Ele estava pronto, já passara por um clube de massa e encarara algumas das melhores equipes do planeta.

Vestindo o azul escuro do Chelsea, Drogba dançaria suas danças mais perfeitas. Mas, foi com o azul claro do Marseille que ele mostrou que, quanto maior fosse o desafio, melhor responderia.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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