Não faltou talento à Itália no Mundial de 1990

O INÍCIO DOS ANOS 1990 foi marcante para o futebol italiano. Vivia-se a efervescência de bons times e o acúmulo de craques. Subitamente, até clubes tradicionais mas pouco vitoriosos, como Napoli e Sampdoria, passaram a disputar títulos. O Milan tinha um trio holandês de tirar o fôlego; a Inter apostava no futuro melhor do mundo e; a Juventus contava com um craque que ficaria eternizado por seu rabo de cavalo. Sediar a primeira Copa do Mundo da década foi um prêmio ao melhor futebol do mundo na época. A seleção também não deixava a desejar.

Italy World Cup 1990

Foto: Reprodução

Uma constelação de craques

Desde 1975 trabalhando com a seleção italiana, primeiro com a equipe sub-23, depois com o elenco sub-21 e, após o Mundial de 1986, com a esquadra principal, o treinador Azeglio Vicini tinha fartura de opções para todos os setores.

O time pôde deixar no banco de reservas um goleiro do porte de Gianluca Pagliuca, um defensor como Pietro Vierchowod, e, do meio para frente, jogadores da estirpe de Carlo Ancelotti, Nicola Berti, Roberto Mancini ou seu xará, Baggio. Isso era possível porque existiam opções de indiscutível qualidade.

Franco Baresi Italy

Foto: Getty Images

A defesa vinha toda de Milão.

Do lado Nerazzurri, o goleiro Walter Zenga e os defensores Giuseppe Bergomi e Riccardo Ferri; do Rossoneri, Franco Baresi e Paolo Maldini. A relevância dos jogadores era tanta que Bergomi, Baresi e Maldini seriam mais tarde eternizados como one-club men.

O meio desfilava a técnica de Roberto Donadoni e Giuseppe Il Principe Giannini. Já o ataque carregava a categoria de Gianluca Vialli. Era um timaço.

O reinado de um artilheiro improvável

Não é difícil compreender o porquê de um jogador italiano ter sido escolhido o melhor da Copa do Mundo. Curioso é o laureado não ter sido um exemplar de habilidade e distinção técnica, mas um atleta marcado pelo oportunismo.

Em 1988-89, o goleador Salvatore Schillaci conseguira a façanha de ser artilheiro da segunda divisão do Campeonato Italiano com a camisa do Messina. Assim, carimbou sua passagem para Turim, assinando com a Juventus. Foi aos 45 do segundo tempo que confirmou sua participação no Mundial.

Salvatore Schillaci Italy World Cup 1990

Foto: Getty Images

Ele defendera a Azzurra em somente uma ocasião, em março de 1990, e começou a competição na reserva. Mas, desde a primeira oportunidade, mostrou que estava predestinado a fazer bonito. Na estreia italiana contra a Áustria, substituiu Andrea Carnevale. Dois minutos após seu ingresso, marcou o tento singular da vitória.

O segundo jogo, contra os Estados Unidos, foi seu último como reserva e o único em que não marcou. Schillaci vitimou, na sequência, Tchecoslováquia, Uruguai, Irlanda, Argentina e Inglaterra. No último jogo, ganhou seu prêmio de consolação.

Embora a Itália já não disputasse o título e o jogo valesse apenas um terceiro lugar, o atacante estava empatado em gols com o tcheco Tomáš Skuhravý, que, eliminado, já não podia marcar. Os anfitriões tiveram um pênalti a seu favor no apagar das luzes e Baggio deu o presente de ouro ao artilheiro, cedendo a cobrança.

O jogo valia pouco para a Itália, mas podia garantir a Totò um lugar na história. A bola saiu da marca da cal para o gol. Estava garantida a artilharia da Copa do Mundo, com seis gols, e o prêmio de melhor jogador da competição.

 

Ataque econômico, mas letal; defesa intransponível

Com uma das melhores defesas da história do futebol, fazer gols na seleção italiana era uma missão inglória. Na primeira fase, Áustria, EUA e Tchecoslováquia não conseguiram. Foram todos derrotados. Contudo, a míngua de gols sofridos repercutiu nos tentos marcados. Na primeira fase, foram apenas quatro. Somente os tchecos sofreram mais de um. A Itália usou o que tinha de melhor e foi avançando.

O time uruguaio que pegou pela frente nas oitavas de final não fazia jus à história da Celeste. Ainda assim, tinha bons nomes, como o do veterano zagueiro Hugo De León e do craque Enzo Francescoli. Os comandados de Óscar Tabárez também não conseguiram vazar Zenga. Ele viu Schillaci e Aldo Serena manterem vivo o sonho italiano de repetir Uruguai, Inglaterra, Alemanha e Argentina e conquistar o Mundial em casa.

A seguir veio a Irlanda, que superara polêmicas e surpreendia. Desde 1985, a equipe era treinada por um estrangeiro, fato até então inédito. Se isso já não fosse suficientemente insólito, tratava-se de um inglês: ninguém menos do que o campeão do mundo, Jack Charlton (o irmão de Bobby).

Baggio Italy 1990 Ireland

Foto: Getty Images

Ao modo inglês, com um esquema tático 4-4-2 típico, o esquadrão verde ofereceu resistência, mas também sucumbiu — um a zero. Gol de Schillaci. Sem alarde, a Azzurra chegou às semifinais. Na Bota, a confiança só aumentava.

A Itália só jogara na capital, Roma, e os donos da casa moviam multidões, sempre carregando mais de 70 mil espectadores. Mas o grande desafio estava adiante.

Maradona, Basualdo, Caniggia… e pênaltis

O mundo estava cansado de saber quem era Diego Maradona quando a decisão se aproximou. Mas a Itália o conhecia ainda melhor; o via semana após semana desfilando seu imensurável talento pelo Napoli. Por si só, esse já seria motivo suficiente para preocupações. Tudo caminhava favoravelmente, entretanto.

Logo aos 17 minutos, Schillaci colocou os italianos em vantagem, após uma jogada confusa que começou com chapéu de Giannini e terminou em lance de oportunismo do artilheiro italiano. A vantagem durou 50 minutos.

Foi então que Maradona e José Basualdo arquitetaram a trama fatal. Após trocarem passes, a bola foi servida na área italiana. Zenga decidiu mal, disputou a bola pelo ar e perdeu. Claudio Caniggia cumprimentou as redes da anfitriã, pela primeira vez na competição. Vieram os pênaltis.

Bergomi Maradona Italy Argentina World Cup 1990

Foto: Bob Thomas/Getty Images

Os erros de Donadoni e Serena condicionaram a queda italiana. Os argentinos acertaram todos os penais. Nápoles, palco do jogo, podia até ficar na Itália, mas, mais uma vez, rendia-se aos pés de Maradona.

“Foi muito difícil de aceitar [a derrota]. Foi como se um edifício tivesse caído em cima de mim. Passei mais de duas horas no vestiário fumando e chorando, também. Pareceu algo que escorreu pelos nossos dedos. O desapontamento e a tristeza foram grandes”, relatou Schillaci em entrevista concedida à FourFourTwo.

Terceiro lugar e adiamento do sonho

Havia ainda um lugar no pódio para a Itália, que bateu a Inglaterra de Bobby Robson na disputa pelo terceiro lugar: 2 a 1.

Muitos se lembram da equipe de 1994 como a que perdeu a grande chance de vencer uma Copa do Mundo na década. De fato, o escrete que viajou aos Estados Unidos chegou mais longe e isso é incontestável. Mas, ele representava uma continuidade.

O time de quatro anos antes tinha tudo: uma defesa poderosíssima, um meio-campo talentoso, um banco recheado de possibilidades e um artilheiro, improvável e letal, na melhor fase da carreira. Não foi suficiente. Como aconteceria mais tarde na América do Norte, o sonho do tetracampeonato parou na marca da cal.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

Sem Resultados

  1. Unknown disse:

    De fato foi uma derrota terrível, seleção chegar até a semifinal sem levar gol, isso que me atrai nesse time da Itália, a seleção do artilheiro improvável surge no torneio e leva o time, se tornando um herói nacional, e a tristeza que gera dele não ter sido coroado com o título.

  2. Anônimo disse:

    O jogador argentino que recebeu a bola para fazer o cruzamento que resultou no gol do Caniggia estava impedido.

  3. Marcos Paulo disse:

    Sendo campeã, a Itália seria a 1ª tetra campeã mundial e por isso, torci contra. Meu arrependimento é eterno. Gostaria muito de voltar no tempo e reparar esse devaneio. Foi um dos melhores elencos da Azzurra em todos os tempos.

  4. Alvaro Az disse:

    Tenho um time de futebol de mesa dedicado a esta fabulosa Italia de 90! AUguri Azzurri!

  5. Anônimo disse:

    De fato, a esta seleção italiana era muito boa. Também torci por ela. Claro que estava definido que a semifinal seria em Napoes, mas foi uma triste coincidência enfrentar a Argentina lá. Parece que algo estranho iria acontecer e a sensação que se tem é que a Itália já entrou em campo derrotada. Em qualquer outro estádio, a azzurra passaria por esta semifinal. Uma pena pra este herói improvável e grande homem.

  6. Anônimo disse:

    Se não tiver um rolo não é Argentina

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