Na Recopa 1986-87, o Lokomotive Leipzig só parou no Ajax
e Montenegro e Holanda se enfrentaram. Era a Copa do Mundo e a partida
acontecia em Leipzig, a única sede egressa da Alemanha Oriental. O momento
celebrava a tradição da cidade, que, além disso, abrigara o sorteio dos
grupos do Mundial. Nos distantes idos de 1900, a Federação Alemã de Futebol
fora fundada também em Leipzig e o primeiro campeão nacional, em 1903, viria
dali. Outro momento esportivamente determinante para a urbe saxã seria
vivido em 1986-87, protagonizado pelo Lokomotive.
O primeiro campeão alemão
fundação a partir de um clube de ginástica, mais antigo, as datas da real
origem do VfB Leipzig conflitam. Seja em 1893, ou no costumeiramente mais
aceito 1896, a equipe veria o alvorecer do século seguinte. Seria um dos 86
times que, em 28 de janeiro de 1900, filiaram-se à Federação Alemã de Futebol
(DFB).
regionais se classificavam para uma competição final, que definiria o primeiro
campeão nacional. Associações de localidades próximas da Alemanha também eram
aceitas, como a de Praga. No fim das contas, apenas seis clubes se
apresentaram para o certame original, que entregava ao campeão a emblemática
taça Viktoria.
Britannia Berlin; de Magdeburgo, o Viktoria 96; de Praga, o DFC Prag; e,
representando a porção central germânica, o VfB Leipzig. A partir de um
tradicional sistema de mata-matas, os dois últimos alcançaram a decisão,
vencida pelo quadro saxão: 7 a 2. Destaque para Heinrich Riso, que marcou três
tentos. Começava a ser forjada a tradição do futebol de Leipzig.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
entre várias mãos no período, sem qualquer dominância. Após o hiato entre 1915
e 19, em que o torneio permaneceu suspenso em decorrência da Primeira Guerra
Mundial, o VfB perdeu força. O primeiro clube a alcançá-lo em conquistas, e
ultrapassá-lo, seria o Nürnberg, já nos anos 1920. Contudo, em 1936, o Leipzig
retornaria aos grandes palcos, batendo o Schalke 04 na final da Copa da
Alemanha, num apinhado Estádio Olímpico de Berlim.
do conflito, acabaria dissolvido a partir dos caminhos desenhados pelos
Aliados, como a totalidade das agremiações locais submetidas à influência
soviética.
britânica, estadunidense, francesa e soviética, Leipzig se submeteria aos
russos; mais tarde, tornar-se-ia parte da República Democrática Alemã, com
regime “comunista e de economia planificada, dando prosseguimento à
socialização da indústria e ao confisco de terras e de propriedades privadas”,
como registra a
DW.
até, em 1965, tornar-se o Lokomotive Leipzig. Trocando em miúdos, Leipzig
integrava a Alemanha Oriental e, assim, disputava os campeonatos a leste do
território germânico.
O título da Alemanha Oriental teimava em escapar
futebol era influenciado por muitos padrinhos. Os Dínamos, de Berlim e
Dresden, maiores vencedores, tinham
ligação estreita com a polícia secreta, a Stasi, respondendo diretamente ao seu dirigente máximo, Erich Mielke.
imagem do Estado. “O sucesso no futebol destacará ainda mais claramente a
superioridade de nossa ordem socialista na área do esporte”, teria dito, como
registrou o
Guardian. De diversas formas, inclusive forçando atletas a trocar de clube, o regime
alteraria os caminhos do futebol da RDA.
Ministério da Defesa. Rumores ainda sugerem que a cidade de Karl-Marx-Stadt
(desde 1990 Chemnitz) recebia aportes estatais para manter um time forte, o
Wismut. Clubes sem conexões diretas com o poder precisavam nadar mais ainda
contra a maré: Magdeburg e FC Carl Zeiss Jena respondem pelos casos de maior
sucesso.
Oberliga foi reestruturada, a partir de 1965, a alguns clubes foi designada a
missão de formar talentos. Entre eles estava o quadro saxão. O Lokomotive
passou a receber aporte da Deutsche Reichsbahn, a estatal responsável
pelas ferrovias do país. Até ali, o clube havia conquistado apenas uma Copa, e
não demoraria a dar novas demonstrações de força.
Foto: Reprodução Lokomotive Leipzig/Arte: O Futebólogo |
Venceu os suecos do Norrköping, na decisão. No ano seguinte, ficaria com o
vice-campeonato nacional. O que se repetiria em 1985-86 e 1987-88.
Definitivamente, a Oberliga representava um desafio de outro nível, pelas
dificuldades impostas pelo campo e pela política: após a renovação, 17 das 26
conquistas acabariam nas mãos dos Dínamos.
falar mais sobre o que passou […] O BFC era um time de classe. Mas nesses
dez anos [a década de 1980] houve duas equipes que deveriam ter conquistado o
título”, diria o goleiro René Müller, à revista
11Freunde. As copas eram ligeiramente mais democráticas e nelas o Lok se afirmaria.
Um time copeiro
Alemanha Oriental e a classificação para a Recopa Europeia. No ano seguinte,
fracassou na competição continental, caindo na primeira fase diante dos
escoceses do Hearts. Em 1980-81, a história se repetiu com novo triunfo ante o
Vorwärts. Na Recopa subsequente, o time faria uma campanha melhor, batendo os
romenos do Politehnica Timișoara, na fase preliminar, os galeses do Swansea na
primeira, e os iugoslavos do Velez Mostar, adiante. Tudo isso para perder para
o Barcelona, do craque Allan Simonsen, nas quartas de finais.
massacrado: 5 a 1. Ainda não se sabia, mas, depois de duas aparições de
aquecimento, o time de Leipzig estava pronto para viver emoções mais intensas
sob os olhares da Europa.
havia o lateral Heiko Scholz e o zagueiro Matthias Lindner. Eles se uniam a
uma série de jogadores mais experientes, com rodagem na seleção nacional,
casos do meia Matthias Liebers e do zagueiro Frank Baum, medalhistas de prata
nos Jogos Olímpicos de Moscou, de Uwe Zötzsche, Ronald Kreer, e do goleiro
René Müller, todos com mais de 35 internacionalizações.
“Não éramos um super time, mas um grupo muito coeso. Faltava o ápice
com o campeonato, mas havia outros motivos para isso […] Nossa força
era nosso caráter, nossa unidade, e é por isso que jogamos com tanto
sucesso ao longo dos anos. A equipe não foi formada por estrelas, mas
por bons indivíduos que trabalharam muito bem em equipe”, prosseguiria Müller.
Thomale, de apenas 42 anos, era recente, iniciado em 1985. Não tinha muito
lastro, sem conquistas profissionais e com somente um trabalho no currículo,
liderando o Wismut. Apesar disso, comandara por quase 10 anos as categorias de
base do Carl Zeiss Jena, o que não era pouco e se sugeria fundamental para um
clube como o Lokomotive, com vários jovens para lapidar.
A chance continental
desconsiderado. Em 1973-74, depois de superar NAC Breda, Baník Ostrava, Beroe
Stara Zagora e os portugueses do Sporting,
o Magdeburg venceu o Milan na decisão. Em Roterdã, o time de Gianni Rivera e Karl-Heinz Schnellinger, treinado por
Giovanni Trapattoni, sucumbiu: 2 a 0.
mais impressionante, tombando Roma, Valencia,
o surpreendente Newport County
e o tradicional Benfica. Porém, na decisão, seria
superado pelos soviéticos do Dínamo Tbilisi, em Dusseldorf. Em comum, as decisões históricas tinham o fato nada prestigioso de terem
sido acompanhados por pouquíssimos espectadores.
eram tão poucas.
estádio The Oval às moscas, o Glentoran forçou a mão dos alemães, garantindo
um empate por 1 a 1. Mesmo a volta não seria fácil, com um triunfo por 2 a 0
sendo consumado no final da partida. A história seria similar na rodada
seguinte. Foi em Viena que começou a batalha ante o Rapid. Na ida, 1 a 1. A
volta também seria decidida nos finalmentes, mas da prorrogação: 2 a 1.
finais. Dessa vez, a disputa começou em Leipzig. A tranquilidade, a bem da
verdade, só se viu no placar, já que no campo a única coisa que se enxergava
nitidamente era o branco da neve de um dos invernos mais rigorosos da Alemanha
Oriental. Contando com um desvio que encobriu o arqueiro do quadro suíço,
Marschall abriu o placar. Três minutos depois, Hans Richter anotaria de
cabeça. Isso tudo nos cinco minutos finais. Na volta, o zero não saiu do
marcador.
caminho Benfica e Torpedo Moscou, alinhava jogadores como René Girard, Jean
Tigana e José Touré, era treinado por Aimé Jacquet, e
já vencera duas vezes a Ligue 1, naquela década. Seria uma eliminatória arrepiante. Na Nova-Aquitânia, um
gol de Uwe Bredow foi o que separou as equipes. O Lok vencia, pela primeira
vez, fora de casa. Era um momento duro na temporada, com o encontro
antecipando confrontos contra os Dínamos de Berlim e Dresden.
desvanecer em apenas três minutos. Zlatko Vujović marcou logo. “É claro que
você sofre o baque por um momento, mas imediatamente reage. O jogo estava
aberto, ia e voltava”, pontuou Muller. O encontro foi e voltou, mas as redes
não voltariam a balançar no tempo normal. Nem na prorrogação. O Lokomotive
treinara pênaltis antes da partida e estava preparado.
Philippe Vercruysse, do lado gaulês. As cobranças alternadas seriam
convocadas. Depois de Tigana e Wolfgang Altmann converterem, Muller parou
Vujović. E quem foi para a cobrança na sequência? Ele mesmo, o goleiro. Bola
na rede e fim de papo. O Lokomotive se tornava o terceiro clube da Alemanha
Oriental a alcançar a final da Recopa Europeia.
No meio do caminho tinha um gigante
Lokomotiv Leipzig. O Estádio Olímpico de Atenas sediaria a decisão, mas com
cerca de 35 mil presentes, de um total possível de 80 mil. Havia confiança na
vitória, mas era preciso reconhecer que o adversário tinha muito mais
tradição, para além de alguns jogadores jovens muito especiais e um treinador
que prometia se tornar referência.
Winter no meio, Marco van Basten no ataque e Dennis Bergkamp no banco, trazia
de volta a expectativa das glórias que notabilizaram os ajacied, na
década anterior. Fazia quase 15 anos desde
o último título europeu dos amsterdameses, que não facilitariam a vida do Lok. Aliás, facilidades eram tudo o que o
clube não teria.
“O Ajax era uma equipe jovem e promissora, mas podíamos ganhar. No
entanto, já estávamos um pouco além do ápice. Tínhamos muitos
lesionados, como Hans Richter, Dieter Kühn e Hans-Jörg Leitzke, e não
conseguimos deixar os jogadores realmente em forma. Por isso tivemos que
improvisar na final”, recordaria Muller.
Foto: Reprodução Lokomotive Leipzig/Arte: O Futebólogo |
O sonho durou 20 minutos. Rijkaard já tinha chutado perigosamente de
média distância, embora o goleiro Stanley Menzo também tivesse sido exigido
pelos alemães. Então, Sonny Silooy foi à linha de fundo e deixou Van Basten
completamente à vontade. De cabeça, o goleador marcou o gol da final. Os
holandeses seguiriam tendo mais iniciativa e oportunidades de gol, mas o
marcador não voltaria a ser modificado. Como o Carl Zeiss Jena, o Lokomotive
Leipzig era vice-campeão continental.
Copa nacional. Contudo, na volta à Recopa, o clube teria um adversário muito
forte já no início. Com um placar agregado mínimo, 1 a 0, o Marseille
avançaria, com gol de um alemão ocidental, Klaus Allofs.
times do leste seriam incorporados ao sistema da Bundesliga. O Lok teria de se
acostumar a uma nova realidade, começando na segunda divisão, contra
adversários muito mais ricos. A única aparição na elite aconteceria em
1993-94, outra vez sob o nome VfB Leipzig. 10 anos depois, faliria e
recomeçaria, muito distante dos resultados do início da sua história e do
período em que fez parte da Alemanha Oriental, mas outra vez como Lokomotive.