Myles Lewis-Skelly em: a ocasião faz o ladrão
É QUANDO AS FLORES VOLTAM A APARECER Inglaterra afora que se sabe: a Premier League está chegando ao fim. A primavera sinaliza um tempo de renovação, de nascimento. Para o Arsenal, que dificilmente quebrará uma espera de 20 anos sem títulos, a sensação poderia ser outra. Afinal, chegar perto e perder tem sido a rotina, não a novidade. Porém, os movimentos de sua lateral esquerda contam outra história. O protagonista se chama Myles Lewis-Skelly.

Foto: Goal.com/Arte: O Futebólogo
Sempre chama a atenção ver gente jovem demais no futebol de alto nível. Os 18 anos não representam idade de sucesso para a suprema maioria das pessoas, mas o esporte tem dessas coisas. Depois de anos de labuta nas categorias de base, com o constante vai e vem de jovens sonhadores, o momento de ser incorporado aos profissionais é encarado com delicadeza. Um movimento mal calculado pode pôr tudo a perder, mas uma oportunidade aproveitada torna ruas estreitas autopistas.
O elenco comandado por Mikel Arteta é curto e não há como dizer algo diferente. São apenas 24 jogadores, pouco mais de dois times completos. Considerando lesões constantes e suspensões eventuais, as opções ficam ainda mais ínfimas. Assim, o basco tem optado por contratar jogadores versáteis, que possam tapar buracos em eventualidades. Mesmo assim, no meio da temporada, Arteta precisou apostar em um garoto.
Era 22 de setembro quando Lewis-Skelly foi chamado a fazer sua estreia. Quatro dias depois, faria 18 anos. Em tarde marcada por lesão de Riccardo Calafiori e Jurrien Timber, que já eram opções escassas diante do afastamento de Oleksandr Zinchenko, Kieran Tierney e Takehiro Tomiyasu, também fora de combate, Myles substituiu Timber e jogou seu primeiro minuto. O jogo foi um embate simples: o adversário era apenas o Manchester City e era preciso segurar um empate por 2 a 2.

Foto: David Price/Getty Images/ Arte: O Futebólogo
A ansiedade já estava estampada no rosto do garoto que entrou em campo amarelado. Do banco, acabou punido pelo árbitro Michael Oliver, por conduta antidesportiva. Digamos que… ele falou demais. Segundo Gary Neville, que comentou o jogo e estava perto do lance, o garoto sugeriu ao goleiro David Raya fingir uma lesão para gastar tempo.
Três dias depois, foi titular pela primeira vez. O Arsenal recebeu o Bolton, pela Copa da Liga Inglesa, e goleou: 5 a 1. Ainda não tinha completado uma semana quando, no dia 1º de outubro, voltou a disputar outro minutinho, agora pela Liga dos Campeões, contra o Paris Saint-Germain. Quando as oportunidades apareceram, ele esteve lá. Para jogar 60 segundos ou 90 minutos.
“Ele é um competidor. Você olha para ele, a cada duelo que ele vai, a maneira como reage com seus companheiros. Quando você fala com ele, o contato visual é constante. Ele está sempre cutucando, fazendo perguntas, é um personagem especial. Ele pode jogar em três posições basicamente, como lateral esquerdo, como volante e como meio-campista”, falou Arteta após a estreia do menino.
Como dizem, a ocasião faz o ladrão. Quando os laterais principais do time faltaram, Lewis-Skelly estava preparado para assumir a posição e crescer meteoricamente; ir de um desconhecido do grande público a um jovem de talento reverenciado.

Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo
Foi a partir de meados de dezembro que ele ganhou de vez a confiança de Arteta e passou a jogar muitas partidas como titular. Dois meses depois, confirmando que jogos contra o Manchester City são mesmo especiais, marcou seu primeiro gol no time adulto dos Gunners. Aliás, provando que personalidade não lhe falta, comemorou fazendo chacota com o matador rival, Erling Haaland. Lewis-Skelly se sentou no chão, como se meditasse — replicando a marca registrada do norueguês.
Em seu primeiro ano estabelecido no time de cima, acumula mais de 25 aparições.
“Sinto como se estivesse em uma espécie de sonho nas últimas semanas. Fui abençoado por ter tido a oportunidade. Para que isso acontecesse do jeito que aconteceu, foi uma loucura. Daí minha reação quando marquei. Eu não conseguia acreditar. Fiquei olhando para o auxiliar para ver se ele levantaria a bandeira!”, comentou ao Sky Sports.
Não, Lewis-Skelly não se referiu ao tento anotado contra os Citizens, mas à bola que colocou no fundo das redes da Albânia. Sub-19 ou sub-21? Nenhum dos dois, do time principal, que é treinado por Sylvinho. O correto é aproveitar as chances quando aparecem, certo? Na primeira Data Fifa sob a liderança do alemão Thomas Tuchel, a Inglaterra deu oportunidade para alguns jovens, entre eles o garoto do Arsenal.
Faz tempo que os Three Lions vivem da expectativa de que um dia Luke Shaw, do Manchester United, apresente boas condições físicas e assuma de vez a lateral esquerda da seleção. Não aconteceu e, passado tanto tempo, já não se espera que aconteça. Na falta de outras opções confiáveis, o treinador anterior, Gareth Southgate, apostou até em improvisos como o do lateral direito Kieran Trippier.

Foto: Mike Hewitt/Getty Images/Arte: O Futebólogo
A disputa atual promete ser boa com Lewis Hall, do Newcastle. Porém, no que diz respeito a preparo, Lewis-Skelly não tem deixado dúvidas: está pronto.
“Ele foi incrível nos treinamentos. Ele é cheio de confiança e de senso de humor. Tem uma personalidade aberta e madura. Tudo o que você vê no campo, você vê fora do campo. Ele se tornou imediatamente parte do grupo, é muito impressionante. Ele faz isso com uma confiança natural e é assim que ele joga futebol”, comentou Tuchel.
Zinchenko já voltou de lesão. Tierney também. Ambos têm figurado no banco de reservas. Na fila do Arsenal, não há furos; o ladrão não tenta tomar a vaga na marra, aguarda sua ocasião. Arteta garante que assim seja e até um menino de 18 anos sabe disso. Não vai ser fácil tomar a posição daquele que dominou o setor como se fosse seu há anos.
Na primavera do Arsenal, apesar de a renovação não ter acontecido de modo geral, houve florescimentos. Alguém vai parar Lewis-Skelly?