Michel Platini, o nome que resumiu a Euro 1984

O FUTEBOL FRANCÊS tem uma relação histórica com as individualidades. As primeiras referências remetem aos nomes de Raymond Kopa e Just Fontaine, enquanto as mais recentes elencam jogadores como Zinédine Zidane e Thierry Henry. Cada um desses gênios é lembrado por algum motivo, sejam os feitos ou a distinção técnica. Nesse sentido, não há como não mencionar Michel Platini. Campeão por onde passou e dotado de inata liderança, o craque conduziu uma geração especial ao primeiro título da história de seu país. Foi, como poucos na história do futebol, protagonista.

Michel Platini France 1984

Foto: Henri Szwarc/Reporters

Essa é uma história de continuidade.

Em 1982, a França havia conquistado sua segunda melhor participação em uma competição internacional. Na Copa do Mundo disputada na Espanha, o país mostrou do que era capaz: terminou a competição na quarta colocação, mas fez uma semifinal soberba. Contra a Alemanha, empatou no tempo regulamentar, 1 a 1, alcançou a virada e esteve à frente em dois momentos. Porém, o 3 a 3 e as consequentes penalidades máximas tiraram os franceses da disputa. Desde o terceiro lugar obtido na Copa do Mundo de 1958, os Bleus não mostravam tanta força.

A base de 1984 era a mesma de dois anos antes, com o mesmo craque e capitão: Platini. O camisa 10 vivia a melhor forma de sua carreira. Chegara à Euro 1984 carregando o título e a artilharia do Campeonato Italiano de 1983-84. Marcara 20 gols e viria a conquistar a Copa dos Campeões no ano seguinte. Estava próximo dos 30 anos e alcançara a maturidade enquanto atleta.

O cenário da disputa continental, a própria França, oferecia uma dualidade: por um lado, significava ter sempre superioridade nas arquibancadas e muito apoio; por outro, aumentava a pressão pela obtenção de uma glória — algo até então inalcançado.

Como anfitriã, a França não disputou as eliminatórias para o certame, chegando já para a disputa da fase de grupos. Na época, o torneio era ainda mais acirrado do que em tempos hodiernos. Isso porque eram apenas oito as equipes disputantes. Diante disso, os Bleus compartiram o Grupo 1 com três equipes fortes: Bélgica, Dinamarca e Iugoslávia.

Platini Spain France 1984

Foto: Getty Images

Apesar disso, desde o primeiro momento não teve para ninguém; inexistiu qualquer estrela capaz de ameaçar o brilho do detentor do prêmio Ballon d’Or. Platini estava quente e com ele sua seleção. Em três jogos, os donos da casa marcaram nove gols e sofreram apenas dois. Sozinho, o líder soberano da França somara sete tentos — um, o único, contra a Dinamarca e dois tripletes nos outros jogos. Os escandinavos até fizeram bonito e repetiriam o bom desempenho na Copa do Mundo de 1986, mas a Euro 84 era da França, pertencia a Platini.

Valeram gols de pé direito e esquerdo, de pênalti e de falta, com a cabeça e de peixinho. Não havia obstáculo capaz de parar o camisa 10. Até a sorte caminhava ao lado do astro.

Poucos campeonatos ou títulos podem ser tão individualizados como foi aquele torneio europeu. Nunca alguém havia marcado tantos gols em uma edição da Euro e, mesmo com o aumento no número de equipes disputantes, nenhum outro personagem voltou a fazê-lo. O que Platini alcançou teve proporções épicas. Em toda a história, apenas Cristiano Ronaldo alcançou sua marca, tendo, para tanto, que disputar quatro edições da competição, contra uma do francês.

A França avançou às semifinais com a liderança de seu grupo e melhor campanha da competição na primeira fase. Com isso, enfrentou o segundo colocado do Grupo 2, Portugal. Os Bleus esbarraram na partida iluminada de Rui Jordão, em ocasião que parecia que não teria a marca de Platini. Só parecia.

Jean-François Domergue abriu o placar para a França, ainda no primeiro tempo, mas Jordão assinou o empate lusitano. Até parecia que a partida se transformaria em um duelo particular dos protagonistas de então. Isso porque o atacante da Seleção das Quinas virou o placar, marcando seu segundo gol, já na prorrogação. Mal sabia que a missão de Domergue na partida não estava finalizada e ele equalizou novamente o placar, seis minutos antes do apito final.

Tudo levava a crer que só as penalidades máximas poderiam ser o desfecho da partida. No entanto, naquela competição não era possível limitar as expectativas ao ordinário, pois Platini superava a cada jogo as barreiras do comum.

“[A Euro 1984] foi o único torneio internacional em que eu não estava lesionado. Em 1982, eu estava lesionado, tinha um problema na virilha, e em 1986 eu estava lesionado — com um problema no nervo. Em 1984, eu não estava machucado e estava apto para jogar no meu limite”, disse Platini ao site da UEFA, em 2016.

Ele recebeu a bola de outro jogador extraordinário, Jean Tigana, e cumprimentou as redes do goleiro Manuel Bento. Faltava um minuto para o fim da partida: a França estava na final, algo que nunca conseguira.

Platini France

Foto: Reuters

Na decisão, Os Bleus tiveram pela frente a Espanha. E a sorte bateu à porta. Era decorrido o minuto 57 quando foi assinalada uma falta para a França. Platini foi para a cobrança: bateu. Quando a bola parecia em segurança, guardada nas mãos do goleiro e capitão da Roja, Luis Arconada, ela acabou por escapulir e abrir o placar da partida. Esse placar foi sustentado até os acréscimos do segundo tempo, quando o atacante Bruno Bellone confirmou o primeiro título francês, fazendo o 2 a 0.

A França que disputou a Euro 1984 poderia ser eternamente lembrada como um time de craques, o que seria justo. Um meio-campo que conta com um trio da qualidade de Luis Fernández, Alain Giresse e Tigana impunha respeito, aliás, somando-se Platini, o setor tinha até alcunha: Le Carré Magique, o quadrado mágico.

Entretanto, a estrela individual de Platini era tanta, seu desempenho tão fora da curva, que não houve forma de dissociar a glória francesa de seu nome. Coube a ele a missão de liderar a França, era o capitão; ele também era o responsável por construir o jogo de sua equipe, o 10. Não se podia supor, no entanto, que além disso ele seria um goleador tão prolífico, um recordista.

Não foi à toa que renovou o Ballon d’Or ao final de 1984 — e de novo em 1985. Platini estava imparável.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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  1. Daniel Roger disse:

    Muito bom o texto. Platini jogou muito, a melhor atuação individual de um jogador na história do torneio.

  2. Wladimir Dias disse:

    Valeu, Daniel! É bem possível mesmo. Foi gigante o desempenho do francês

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