Landon Donovan cruza a linha de chegada
PELÉ ESTÁ PARA O BRASIL como Diego Maradona está para a Argentina; Franz Beckenbauer está para a Alemanha como Johan Cruyff está para a Holanda; Bobby Charlton está para a Inglaterra como Ferenc Puskas está para a Hungria; e Landon Donovan, que se aposentou no último domingo – com o título da MLS Cup –, está para os EUA na mesma proporção que os gênios supracitados estão para suas respectivas nações.
Apesar de nunca ter chegado nem perto do patamar e da classe dos grandes nomes das nações futebolisticamente tradicionais, Donovan é um ícone na terra do Soccer. Ao pensar na Seleção Norte-Americana não há como não voltarmos nossa atenção para o futebol do recém-aposentado jogador. Seja como peça-chave da Seleção Ianque, melhor jogador do país ou até mesmo como entusiasta do futebol local, onde desfilou seu futebol na maior parte de sua carreira, é o grande ícone do futebol estadunidense e necessariamente será lembrado como o jogador central de uma época de vital expansão do futebol nas fronteiras da América do Norte.
Mundial Sub-17 e o início fulminante
Se o seu final de carreira foi da melhor forma possível – com um título – o início não foi menos animador. Ainda garoto, pelo selecionado estadunidense sub-17, conquistou a quarta colocação do Mundial da categoria e, de quebra, levou para casa o prêmio de melhor jogador do torneio. Registravam-se ali as primeiras pinceladas do quadro de sua carreira. Curiosamente, na referida competição, os EUA só foram eliminados nas disputas penais e Donovan marcou três gols.
Integrante do programa olímpico de desenvolvimento de jogadores de futebol dos EUA e então membro da IMG Academy, instituição privada de desenvolvimento de atletas, o jovem valorizou-se e partiu para sua primeira parada no Velho Continente. O destino? Leverkusen!
No início de sua passagem pelo futebol germânico, Donovan representou o Bayer Leverkusen II. Em sua temporada de estreia (1999-2000), disputou 20 jogos e marcou seis gols. Contudo, inadaptado, em 2001 foi emprestado ao San José Earthquakes e de cara encarou o sucesso. Por lá, permaneceu quatro temporadas emprestado, disputando 109 jogos, balançando as redes 43 vezes, e conquistando, por duas vezes a MLS Cup (em 2001 e 2003).
Nesse tempo, o garoto também vivenciou o sucesso com sua Seleção. Tendo avançado até as quartas de finais na Copa do Mundo de 2002, deixando pelo caminho Portugal, Polônia e México, os norte-americanos só caíram contra a vice-campeã Alemanha, e, mesmo assim, pelo marginal placar de 1×0. Ao final, Donovan, que marcara contra os mexicanos, conquistou o prêmio de Melhor Jogador Jovem da Copa.
Passagens pouco relevantes pelo Futebol Europeu
Absoluto sucesso na MLS, retornou ao Bayer Leverkusen em 2005, mas, atuando apenas sete vezes, definiu que precisava retornar em definitivo para o futebol de seu país. Nesta ocasião, seu destino foi outro: o Los Angeles Galaxy.
Apesar de ter sempre demonstrado sua intenção de permanecer disputando a MLS, Donovan chegou a retornar ao futebol europeu em três ocasiões. Como a Liga Norte-Americana fica parada durante alguns meses todos os anos, o craque aproveitou-se destes intervalos ao final das temporadas 2008, 2009 e 2011 e atuou curtos períodos na Europa.
Na primeira ocasião, envergou a pesada camisa do Bayern de Munique, mas sua passagem, com apenas sete jogos oficiais e nenhum gol, quase não é lembrada. Nos períodos seguintes, esteve brevemente na cidade de Liverpool, onde defendeu as cores do Everton. Na passagem inicial, disputou 13 jogos e marcou dois gols; na outra atuou nove vezes, sem marcar. Todavia, sua passagem foi boa o suficiente para ser lembrado nos Toffees, onde ganhou os prêmios de melhor jogador do clube em um mês por duas vezes, em janeiro de 2010 e de 2012.
Sucesso na MLS
Há jogadores em quem reconhecemos uma identificação enorme com alguns clubes, onde apresentam desempenho acima de seus próprios padrões. Com Donovan, esta lógica pode ser transferida para uma liga: a MLS.
Tanto no San José Earthquakes quanto no Los Angeles Galaxy, o craque foi fantástico. Além do já falado desempenho nos Quakes, esteve sempre em forma excepcional no Galaxy. Mais maduro e vivido, Donovan mostrou alta classe e performances de encher os olhos em Los Angeles, onde permaneceu vinculado até o final de sua carreira. Entre 2005 e 2014, jogou 293 partidas e anotou 132 tentos, média de 13,2 gols por temporada.
Troféus também foram muitos. Quatro MLS Cup (2005, 2011, 2012 e 2014) e uma U.S. Open Cup. Além disso, o jogador acumulou prêmios individuais, que vão desde o prêmio de jogador norte-americano do ano (vencido quatro vezes, nos anos 2003, 2004, 2009, 2010) até um lugar no “melhor time de todos os tempos da MLS”. Em suma, Donovan, maior artilheiro da história da MLS, é o jogador de maior sucesso da breve história do campeonato.
Idolatria na Seleção Norte-Americana e no país
Ídolo de San José Earthquakes e LA Galaxy, Donovan é também referência nacional. Segundo jogador que mais vezes vestiu o uniforme estadunidense, com 157 aparições, e maior artilheiro da história, com 57 tentos, é o maior jogador da história do país.
O público Ianque nunca havia visto um jogador nacional com tanta destreza, habilidade, e velocidade, antes de Landon. Hoje, o futebol praticado nos EUA já é completamente distinto do desempenhado há 10, 15 anos. Muito disso deve-se a Donovan. Ver o grande craque da Seleção jogar nos campos nacionais, certamente influenciou a geração de torcedores que hoje enche os estádios norte-americanos – estes, ávidos pelo esporte bretão, mostraram, neste ano, o quanto prezavam o jogador, com as inúmeras manifestações de insatisfação com sua não convocação para a Copa do Mundo de 2014.
Ao invés de partir para uma trajetória em clubes de grande porte, preferiu ajudar na evolução do futebol local, tendo visto seu desenvolvimento gradual. Se um jogador do nível de Donovan não atuasse no futebol local, talvez grandes estrelas, da importância de David Beckham ou Thierry Henry, não se dispusessem a migrar para a MLS. Além disso, com o suporte da geração do craque, a Seleção começou a se firmar no panorama internacional, formando, continuamente, um número razoável de jogadores de boa qualidade.
Além disso, a existência de um jogador norte-americano com a qualidade dele, certamente, influenciou a visão do mundo em relação ao jogador estadunidense. Se não houvesse Donovan, talvez o Fulham não tivesse descoberto e apostado em Clint Dempsey ou Michael Bradley talvez nunca tivesse chegado à Roma.
Para nós, brasileiros, Donovan pode ser só mais um jogador bom que aparece no mundo do futebol, mas, para os EUA, ele é uma lenda. Entretanto, se a disseminação do futebol na América do Norte aumentou em grande medida nos últimos anos, e o craque tem grande parcela de responsabilidade nisso, não se deve apenas considerá-lo um ícone nacional. Donovan é uma lenda do futebol mundial. Talvez não pela sua boa técnica, velocidade ou por seus gols, mas por seu importante papel no desfalecimento de mais uma fronteira do futebol, ou melhor, do Soccer.