Jack Grealish e o direito de ser quem se é

A PLURALIDADE do futebol o torna único. Altos e baixos, velozes e lentos, magros, fortes e até gordinhos encontram espaço. Não é um jogo de muitos pontos e, diferentemente do que ocorre com outros esportes coletivos, a disparidade técnica entre equipes não impede uma zebra. A alta profissionalização, no entanto, exige cada vez mais padrões, o que não é necessariamente ruim. Porém, nem todos cabem no normal, não é mesmo, Jack Grealish?

Grealish Gueye Everton

Foto: Clive Mason/Getty Images/Arte: O Futebólogo

Durante as quatro temporadas em que representou as cores do Manchester City, poucas vezes Grealish emulou sua melhor versão, aquela dos tempos de Aston Villa, seu time do coração. Ele era melhor em um time pior. Até a numeralha prova. Foram 32 gols e 32 assistências, em cinco temporadas e meia. Pelo City, 17 tentos e 23 passes — isto vivendo o que a ciência do esporte entende como anos de auge físico.

O peso dos quase 120 milhões de euros gastos em sua contratação foi alto. Por melhor que jogasse, seguia como assunto; reiteradas vezes taxado como supervalorizado. De fato, na Premier League o preço de jogadores ingleses sempre é alto: as regras exigem nacionais e, na elite da elite, não há tantos nomes. Grealish não tem culpa de ser talentoso e nem assinou o cheque da maior transferência de um inglês em todos os tempos.

O meia chegou ao Manchester City com a promessa de ser potencializado por Pep Guardiola, que não raras vezes é tido como o melhor treinador do planeta — se não é, está no páreo. No entanto, o sistema do catalão é rígido na forma de manter a bola e nos movimentos exigidos dos atletas. Eles têm funções bem estabelecidas e, a não ser no caso de gênios como Lionel Messi, precisam se adaptar.

Foi cobrado de Grealish ser alguém que nunca fora, um ponteiro bem fixo na ponta esquerda, com uma área limitada de atuação. Isto ficou evidente quando as luzes de sua melhor temporada em Manchester se apagaram. Em 2022-23, o meia conquistou o famoso treble: Premier League, FA Cup e Liga dos Campeões. Foi um ano sublime, em que registrou 16 participações em gols.

Grealish City

Foto: imago/Arte: O Futebólogo

Jack celebrou como queria, liberto. No popular, enchendo a cara. Foram dias selvagens regados a muito, muito álcool. A repercussão apenas confirmou seu caráter sui generis. “Conquistei algo que só acontece uma vez na vida […] por que não celebrar? Todos estavam comigo. Eu não estava sozinho, saindo com amigos. Estava com todo o meu time. Nos divertimos sábado, domingo e segunda-feira. Foi o melhor final de semana da minha vida”, falou.

Independentemente de quem estava presente nos festejos, Grealish foi o que mais se deixou filmar, fotografar. Sendo quem é. Como fazia dentro das quatro linhas, quando era um camisa 10 no Aston Villa, uma estrela que inspirava os companheiros e inflamava a torcida. Ele viveu grandes momentos com Guardiola, sim. Mas não foi o jogador mercurial que o torcedor esperava. No City, era mais um em uma engrenagem bem oleada.

Antes, tudo girava ao redor de Grealish; e sua contrapartida vinha na forma de jogadas plásticas, gols e assistências. Sua individualidade não se convertia em individualismo. E ele quis se testar em um nível mais alto, justo. Passou no teste, porque era bom, não por estar confortável. Diferentemente de Zlatan Ibrahimovic, que se recusou a ser o que Pep queria, Jack “obedeceu” até o limite.

Depois de chegar ao ápice, não demorou a perder espaço no City. Foram dois anos atípicos. No verão europeu de 2025-26, acabou emprestado ao Everton. Sem as lentes de um microscópio, parecia um retrocesso, mas os Toffees, com estádio novo, uma torcida carente de bons resultados, um elenco menos privilegiado tecnicamente, unem características do Aston Villa de Grealish, que não era time de Liga dos Campeões, pelo contrário: vinha voltando da segunda divisão.

Grealish Aston Villa

Foto: Marc Atkins/Getty Images/Arte: O Futebólogo

Mesmo jogando em uma equipe mais pragmática, que reage mais do que age, Grealish volta a ter campo para correr. Novamente, pode colocar seus instintos à prova, aqueles mesmos que projetaram seu sucesso, mas polidos após anos sob a batuta de Guardiola.

“Sabe de uma coisa? Desde minha primeira conversa com o treinador [David Moyes], sabia que queria vir para cá. Ele foi um dos motivos, provavelmente o principal. Ele quer que eu atue no terço final, sendo criativo e destemido, como já fui antes. Sabe, às vezes você perde a bola e desperdiça chances, mas é preciso ter esse lado, em que você pode se arriscar, dar aquele passe matador”.

Os primeiros movimentos vestindo a mais famosa camisa azul de Liverpool mostram: o futebol, ele não perdeu. Depois de uma temporada fraca, com três gols e cinco assistências pelo City, ele já anota quatro passes para gols nos primeiros três jogos da Premier League 2025-26 — em um time com menos de 45% de posse de bola média. Grealish não tem mais que ficar encostado na linha lateral, com todo o jogo acontecendo em 45, 50 metros.

Há quem diga que o futebol, na elite, não abriga mais um jogador como ele; um tipo anárquico, falível, que não tem vergonha de consumir álcool e não se propõe a ser espelho para ninguém. Porém, enquanto o jogo se torna cada vez mais ciência, o inglês lembra que, dentro dos limites de um campo de futebol, há mais coisas do que sonha a nossa vã filosofia.

Sorria, Grealish. Faça sorrir.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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