Guus Hiddink e a melhor Austrália de sempre
A ESTREIA da Austrália em Copas do Mundo se deu em 1974. Como esperado, foi esportivamente ruim: um empate e duas derrotas. Demorariam 32 anos até os Socceroos voltarem ao maior palco do futebol mundial. A despeito de se tratar da melhor equipe da Oceania, a inexistência de vaga direta para os países do continente, sempre batalhando por um lugar na repescagem, tornou a tarefa inglória. Em 2006, sob o comando de Guus Hiddink, a realidade mudou.

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O treinador holandês vinha de um período de êxito; liderara a Coreia do Sul (não sem controvérsia) à quarta colocação no Mundial que, junto ao Japão, sediara. Ele chegou à Austrália com boas credenciais, embora dividindo as atenções da seleção com o comando do PSV Eindhoven. Além de seus sucessos sob a direção de clubes, já se provara treinando um selecionado que estava longe de ser dos mais fortes ou tradicionais.
Uma geração de ouro
Hiddink levou como auxiliares o craque Johan Neeskens e Graham Arnold, ex-jogador da própria seleção australiana, e tinha nas mãos o melhor material humano já produzido em solo australiano. A maior parte dos atletas atuava na Europa e alguns, como o goleiro Mark Schwarzer, os meias Harry Kewell e Tim Cahill ou o centroavante Mark Viduka, tinham destaque em seus times. Havia talento, mas também trabalho duro, evidenciado pelas figuras de Vincenzo Grella, Mark Bresciano ou Brett Emerton.
Aquela Austrália estava pronta para se exibir na maior vitrine do futebol mundial. Tinha um elenco experimentado — 21 dos 23 jogadores haviam transposto a barreira dos 25 anos; 10 deles, a dos 30. Aquela era sua hora. Depois de reinar, soberana, nas eliminatórias, que culminaram com um placar agregado de 9 a 1 contra as Ilhas Salomão, a nação teria, enfim, sua prova de fogo. Na repescagem, enfrentaria o Uruguai.

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É bem verdade que aquele time uruguaio em entressafra não era assim tão poderoso. Não fazia jus a história charrua. Ainda assim, representava uma camisa bicampeã mundial, a Celeste Olímpica.
O próprio fantasma das mais de três décadas sem se classificar para um Mundial não trazia otimismo — os Socceroos haviam perdido para a Escócia (1986), Argentina (1994), Irã (1998) e para o próprio Uruguai (em 2002). Entretanto, nem toda a técnica do craque Álvaro Recoba bastou para levar os sul-americanos à frente.
Cada país venceu o jogo disputado em seu território por 1 a 0. Coube, então, às penalidades máximas a definição dos rumos do encontro. Darío Rodríguez e Marcelo Zalayeta desperdiçaram suas cobranças: a Austrália carimbou seu passaporte para a Alemanha.
Porém, o sorteio dos grupos da Copa do Mundo se revelou cruel com os australianos. Logo, teriam que enfrentar o outrora favorito Brasil, além da Croácia e do Japão.
Um Mundial muito difícil
Desde o início, o time mostrou que não chegara tão longe para brincar. Na estreia, contra os nipônicos, mostrando seu forte 3-5-2, obteve sua primeira vitória na história da competição: 3 a 1 — de virada e com emoção: os três tentos da Austrália saíram após o minuto 80. Depois disso, deu a lógica. A equipe perdeu para o Brasil, vendendo caro o resultado: 2 a 0, que só se consolidou no fim do jogo, com gol de Fred. Contra a Croácia, bastou um empate.
Os Socceroos somaram quatro pontos e fizeram muito mais do que o esperado, avançaram às oitavas de finais. Naquela altura, parecia evidente que haviam ido longe demais e que sua queda estava próxima. Pela frente viria a Itália.
Contra a Azzura, do treinador Marcelo Lippi e de craques como Gianluigi Buffon, Fabio Cannavaro, Andrea Pirlo ou Alessandro Del Piero, Hiddink preparou um time consistente e compacto, mas com espaço para o talento. E a missão de neutralizar os italianos foi excepcionalmente bem executada.
Todavia, aquela era a Copa do Mundo dos italianos, que se consagrariam campeões. Uma penalidade máxima discutível nos acréscimos do segundo tempo acabou com a agonia na Velha Bota: Francesco Totti converteu o lance e pôs fim ao sonho australiano. Hiddink deixou a seleção australiana na sequência.
32 anos após sua estreia, a Austrália superou as expectativas. Foi organizada e valente; obteve resultados.
Aquela se confirmou a melhor geração dos Socceroos em todos os tempos, mas já não era a mesma quando se apresentou a Copa do Mundo de 2010. Não tinha alguns jogadores, nem Guus Hiddink; algumas peças haviam ultrapassado o pico técnico de suas carreiras e começavam a perder competitividade.
“Hiddink maximizou nosso potencial […] Ele nos preparou cientifica, tática, estratégica e mentalmente […] Nossa atitude ainda era otimista. Não perderíamos sem luta. Para mim, estar na Copa do Mundo não era apenas a realização do sonho da minha vida. Era realmente um teste de caráter […] ‘nesse time’, o Hiddink nos disse, ‘não há egos. Se eu perceber egos, me livrarei deles'”, disse Tim Cahill, em 2015, ao The Advertiser.

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Mais tarde, a Austrália passou a disputar as eliminatórias asiáticas, que ofertam vagas diretas na Copa do Mundo. Embora não tenha voltado a brilhar, o país se consolidou. Muito disso se deve à figura de Guus e ao refino de alguns de seus inesquecíveis atletas.