Gent: Uma surpresa e um exemplo

Usualmente, o título do
Campeonato Belga dificilmente deixa as mãos de Anderlecht, Club Brugge ou
Standard Liège. Na temporada passada, no entanto, o troféu de campeão foi
erguido por mãos que nunca o haviam segurado e, não bastasse o sucesso
doméstico, o dono destas mãos também aprontou na atual Fase de Grupos da UEFA
Champions League, logo em sua temporada de estreia. Falo do Gent, que com muita
categoria avançou de fase na competição continental, deixando Valencia e Lyon
para trás.


 Um pouco de história
Clube centenário da cidade de igual
nome, o Gent foi sempre uma equipe que oscilou com o passar dos anos. Embora
tenha conseguido boas campanhas durante sua trajetória, como a que garantiu o
vice-campeonato nacional em 1954-1955 e as que garantiram títulos de Copa da
Bélgica em 1963-1964 e 1983-1984, os Buffalos
jamais haviam conseguido subir ao mais importante pódio do futebol belga e,
muito menos, disputar a maior competição de clubes do planeta.
Antiquíssimo, o Gent é um clube
cuja fundação data de 1864, não obstante a criação da divisão de futebol tenha
se dado em 1900. Apesar disso, sua trajetória ficou marcada por períodos de
estabilidade na primeira divisão do país, tendo o maior deles durado entre as
temporadas 1936-1937 e 1966-1967, e por outros de intenso “vai e vem”, com
acessos e descensos constantes – tendo chegado até mesmo à terceira divisão em
meados da década de 70.
Entre altos e baixos, o clube
também viveu dias memoráveis, como na Copa da UEFA da temporada 1991-1992. Na
ocasião, após terminar a temporada belga em terceiro lugar em 1990-1991, o Gent
foi à competição europeia e deixou para trás os suíços do Lausanne Sports, os
alemães do Eintracht Frankfurt e os russos do Dynamo de Moscou, tendo sido
parado apenas por aquele que viria a ser o campeão: o poderoso Ajax, de Dennis
Bergkamp, Frank De Boer e Danny Blind.
Nas últimas dez temporadas, o
clube vem se firmando como uma importante força do futebol belga, tendo tido
como pior colocação no campeonato um inesperado 12º lugar em 2012-2013, que
fugiu completamente a sua regra recente, a qual teve no sétimo lugar da
temporada 2013-2014 seu pior momento. Assim, chegou ao título da temporada
2014-2015, superiorizando-se aos favoritos Club Brugge, que foi quem mostrou o
futebol mais eficiente da temporada, e Anderlecht, que com garotos de muito
talento oportunizou momentos de verdadeira magia no último ano.
Vale salientar, por último, que o
clube também ganhou casa nova antes do início da temporada 2013-2014. Estádio
do Gent desde 1920, o histórico Jules Ottenstation, que chegou a ser palco das
Olimpíadas de 1920, na Antuérpia, foi substituído pela Ghelamco Arena, que
garantiu aproximadamente 7.000 lugares a mais aos torcedores dos Buffalos.

Uma temporada memorável na Bélgica
A campanha feita pelo Gent em
2014-2015 jamais sairá da memória de seu torcedor, afinal, o time conquistou o seu primeiro título belga. Lutando
contra as maiores forças histórias do país, o clube terminou a primeira fase na
segunda posição, atrás do Club Brugge e à frente do Anderlecht e assim foi para
o play-off decisivo bem cotado e
brilhou.
Não dando chance ao modesto KV
Kortrijk e nem ao Standard Liège, vencendo-os nas duas partidas, o clube se
impôs e curiosamente só não foi superior ao Charleroi, que venceu-o em uma das
partidas e empatou na outra. Contra o Club Brugge uma vitória e um empate o
deixaram em boa condição e nem a derrota para o Anderlecht na última rodada (anteriormente
o Gent havia vencido os Mauves et Blancs)
foi capaz de tirar o novo rei de seu trono.
O sucesso coletivo da equipe
também trouxe reflexos individuais na carreira de alguns de seus atletas.
Maiores destaques do time, o goleiro Matz Sels, o goleador Laurent Depoitre e o
meio-campista e capitão Sven Kums, todos belgas, ganharam chamados de Marc Wilmots e, enquanto
Sels e Kums ainda aguardam suas estreias, Depoitre já atuou e inclusive marcou
um dos tentos da vitória dos Roten Teufel
contra a Seleção de Andorra.

Um grande exemplo de organização na Europa
Com um orçamento exíguo que
permitiu um gasto de pouco mais de £1 milhão para reforçar o time para a
temporada 2015-2016, o Gent apostou na manutenção da base campeã para disputar
novamente o título belga e mostrar-se para o mundo na UEFA Champions League;
receita que vem tendo muito sucesso.
Vice-líder do Campeonato Belga,
com os mesmos 37 pontos do primeiro colocado Club Brugge, o Gent tem o segundo melhor ataque (com
35 gols), a segunda melhor defesa (com 17 sofridos), o vice-artilheiro e o
segundo maior assistente da competição – o capitão Kums, com nove gols e seis assistências. Além
disso, é disparado o time que menos perdeu, com apenas uma derrota em 18
partidas. Em seu desfavor pesam os muitos empates: sete no total.
A despeito desse belo recorde em
solo nacional, o sucesso dos Buffalos
não para por aí e rompe as fronteiras da Bélgica. Classificado para a disputa
de sua primeira UEFA Champions League, o clube deu sorte ao encarar um
generoso sorteio, que o colocou junto a Zenit, Valencia e Lyon – nenhuma grande
força continental. No entanto, ainda assim o clube ingressou na competição como
azarão, lutando contra a falta de tradição de seu país na competição desde sua
remodelação (nenhum time belga havia chegado à fase de mata-mata desde a
transição da Copa dos Campeões para a Liga dos Campeões).
Além disso, o Gent entrou em
campo contra equipes com orçamentos muito mais elevados que o seu. Ainda que
não tenha gastado na janela de transferências, o Zenit contratou jogadores caros
e arca com vultuosos salários, como o de Hulk; o Valencia despendeu quase £100
milhões; e o Lyon £25 milhões. Quem em sã consciência apostaria no avanço do estreante
que só conquistou o campeonato de seu país uma vez?
Assim, sob desconfiança, o Gent
fez o seu dever de casa. Ganhou quando precisava e perdeu quando podia. Em seu
território fez o dever de casa, com vitórias contra Zenit e Valencia e um
empate contra o Lyon; fora dele perdeu jogos difíceis e esperados contra
Valencia e Zenit, mas saiu vencedor contra os franceses. 10 pontos em um grupo
tão equilibrado foram suficientes para que o clube belga fizesse história.
Bem estruturada com variações
táticas, sem estrelas, mas com jogadores dedicados e uma espinha dorsal
consistente – formada pelos citados Sels, Kums (foto) e Depoitre – a equipe da cidade
de Gent clama um sucesso que demorou 115 anos para acontecer mas que vai
valendo por cada um dos anos difíceis de sua história. Confiante após o sucesso
da temporada passada, é um dos favoritos à manutenção do título nacional e, sem pressão
e dependendo do próximo sorteio, pode seguir surpreendendo na Champions.

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