Ferencváros vs. Újpest: o grande clássico da Hungria
APESAR DOS MAIS DE 100 ANOS, Ferencváros e Újpest não nasceram se odiando. O desenvolvimento da maior rivalidade da Hungria levou tempo. Como entender uma rivalidade de cerca de 70 anos, levando em consideração os mais de 120 anos de vida dos envolvidos?

Foto: Csudai Sándor
Os Fradi (alcunha do Ferencváros) surgiram no horizonte futebolístico em 1899, ano de sua fundação no 9º distrito de Budapeste. Por outro lado, os Lilák (referência ao Újpest) despontaram ainda antes, em 1885, na aldeia homônima de Újpest, que se tornaria cidade entre 1907 e 50, até ser anexada à Grande Budapeste.
Nos primórdios, o início da era moderna do futebol húngaro (a partir de 1901), a cena era dominada por Ferencváros e MTK Budapest. Eram, sem margem para questionamentos, as melhores equipes magiares. A disputa pela hegemonia foi parelha durante muitos anos, até o octacampeonato do MTK, entre as temporadas 1916-17 e 1924-25. Ali, a rivalidade entre a dupla se acirrou.
Foi nesta altura que, contrariando o que seria esperado, o Ferencváros angariou a maioria dos torcedores das classes mais baixas do país. Para além dos motivos esportivos, havia uma questão subjacente e muito mais importante: o clube ascendeu em uma região marginal e flagrantemente patriótica. Do outro lado, o MTK se consolidou como um time da burguesia, financeiramente melhor estabelecida e que residia no centro da cidade.
Não é preciso dedicar muitas linhas a atalhar que a Europa vivia em convulsão, após a Primeira Grande Guerra, cuja mola propulsora foi o assassinato do arqueduque do Império Austro-Húngaro, herdeiro do trono local, Francisco Ferdinando. O continente mudava seu mapa e muito sangue era derramado.
Outro ponto digno de rápida nota é o fato de que, apesar das questões geopolíticas, o futebol da região vivia o progresso, com o Futebol dos Cafés e o desenvolvimento da Escola Danubiana, a partir da vinda do britânico Jimmy Hogan. Seu principal herdeiro, Hugo Meisl liderou o MTK por muitos anos, impondo o estilo de passes e movimentação, famoso no Rangers.
Longe das conquistas e subjugado pelo protagonismo de Ferencváros e MTK, o Újpest só venceu seu primeiro campeonato na temporada 1929-30.

Foto: Reprodução
Veio então a Segunda Guerra Mundial. Um pouco por falta de interesse e de engajamento político, tanto Ferencváros quanto Újpest aceitaram a influência da extrema direita, que suportou os fascismos europeus, inclusive apoiando a invasão nazista na Hungria, em 1944. A rivalidade entre Ferencváros e MTK começou a ruir.
Considerado indesejável por sua origem burguesa, progressista, da gente budapestina ligada ao antigo regime e, mais importante, com muita afiliação aos judeus da cidade, o MTK foi dissolvido pelo governo. Só retomou suas atividades em 1949, ressuscitado pela polícia secreta, ÁVH (Autoridade de Proteção do Estado), com a instauração do regime comunista. Ela era um apêndice da famigerada KGB. O time ainda viveria bons anos, com jogadores icônicos como Nándor Hidegkuti, mas a cena nacional já era mais pulverizada.
Ainda não foi nesse momento que de fato se fortaleceu a rivalidade entre Ferencváros e Újpest. Entre o final da década de 1940 e o começo da seguinte, como se sabe, surgiu o maior esquadrão húngaro de todos os tempos.
O Budapest Hónved, comandado por Ferenc Puskas, Sandor Kocsis e Zoltan Czibor, ascendeu dominante e conquistou logo cinco títulos nacionais. Ele serviu de base para a seleção vice-campeã da Copa do Mundo de 1954 e que se tornou uma derrotada alvo de culto, como a Holanda de 1974 e o Brasil de 1982. Só que o apogeu da equipe durou pouco.
Em 1956, quando disputava as oitavas de finais da Copa dos Campeões da Europa, decorreu a Revolução Húngara e a subsequente e brutal invasão na União Soviética. Boa parte dos melhores jogadores do clube decidiram não retornar ao país, desertaram. A partida decisiva, contra o Athletic Bilbao, foi disputada na Bélgica e os craques húngaros marcharam para outros destinos.

Foto: Csudai Sándor
Enfim, emergiu com mais força a rivalidade entre o Ferencváros e o Újpest, já incorporado à cidade de Budapeste.
Durante o regime comunista, o Újpest passou a ser conduzido pelo Ministério do Interior. Recebeu investimento massivo e, na década de 1960, firmou-se a segunda força do futebol húngaro. Com o aumento dos patrimônio lilás, as massas que formavam oprimida oposição ao regime se associaram ainda mais ao Ferencváros, que passou a ser, mais do que nunca, o clube de preferência nacional.
Enquanto o Újpest vivia seus anos dourados, com 10 títulos nacionais entre 1959 e 79, o Ferencváros passou por anos de vagas magras, com apenas cinco taças nacionais. Da década de 1980 adiante, o equilíbrio se fez notar, inclusive com algum sucesso para o Hónved e o crescimento do Debrecen.
A efetiva dominância dos Fradi, maiores vencedores da história do país, com muita vantagem para o segundo colocado MTK, só seria retomada no final dos anos 2010, momento em que os Lilák já haviam perdido força. A rivalidade, não.
Em notas curiosas, valem algumas menções: o Ferencváros tem uma relação tão estreita com sua torcida que lhe reservou a camisa 12 da equipe, que não é usada. Outro número aposentado é o 2, utilizado por Tibor Simon durante 14 anos, até seu assassinato, em 2002 — aos 36 anos. Pelo lado do Újpest, o folclore ganhou espaço também em 2002, quando o time contou com Túlio Maravilha em seus quadros.

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Ao longo de mais de 70 anos, Ferencváros e Újpest construíram não apenas a maior rivalidade da Hungria, mas também um dos maiores capítulos do futebol do Leste Europeu. De um lado, o clube das massas e da resistência; do outro, a equipe que encarnou os anos dourados do regime comunista. Vivem separados pelas cores e unidos pela certeza de que nenhum outro jogo, em solo magiar, carrega tanto peso e significado.
* Texto editado e atualizado em 02 de junho de 2025


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