Fenerbahçe vs. Galatasaray : o dérbi intercontinental

A FUNDAÇÃO DE ISTAMBUL não tem data precisa, mas se sabe que a cidade existe desde, aproximadamente, o ano 660 antes de Cristo. Na altura, chamava-se Bizâncio e já era fundamental para a região. A história começa como parte da Grécia Antiga, passa pela incorporação pelo Império Romano e a expansão do dito império. Istambul se torna capital do Império Bizantino, o Império Romano do Oriente; entre outras coisas, a parcela que ainda utilizava o idioma grego. É um salto de quase 900 anos, por volta de 330 d.C., momento em que a cidade já era conhecida como Constantinopla.

Galatasaray Fenerbahçe 2013

Foto: AA

A urbe ainda seria dominada pelos povos turcos em 1453, do que se originou o Império Otomano. A prosperidade atingiria o local em cheio, ainda que os tempos não fossem os mais brilhantes. Durante a Idade Média, a cidade chegou a ser o maior e mais rico centro da Eurasia. Muitos anos transcorreram e foi só com o advento da modernidade que as coisas voltaram a mudar. Em 1922, portanto após a Primeira Guerra Mundial, o Império acabou. Em 1930, a cidade passou a, efetivamente, chamar-se Istambul, afirmando-se como a Cidade Intercontinental.

Diante deste breve recorrido histórico, vê-se o quão remotas são as origens istambulitas, contexto que produziu, já no século XX, um dos maiores clássicos do futebol mundial. Vieram daí dois dos clubes mais amados e odiados do planeta: Fenerbahçe e Galatasaray.

Separados pelo Estreito de Bósforo, canal que liga o Mar de Mármara ao Mar Negro, separando Europa e Ásia, os clubes têm suas sedes fixadas em diferentes continentes.

Estreito de Bósforo

Foto: Reprodução

O lado asiático da capital é representado pelo Fenerbahçe, a agremiação que, desde sempre, ficou conhecida por ser o clube da plebe, do povo. Os Canários Amarelos surgiram em 1907, após o retorno de seu fundador, Nurizade Ziya Songülen, da Inglaterra. O turco estudou em solo britânico e descobriu a existência do esporte. Na volta, angariou amigos e colegas da escola em que se graduara, no distrito de Kadiköy, e montou o primeiro time do Fener. Em um primeiro momento, o jogo foi desenvolvido por baixo dos panos, já que o regime não se mostrava particularmente interessado em novidades vindas do ocidente.

Na parte europeia, o Galatasaray já existia desde 1905, formado por um grupo de estudantes da prestigiosa Galatasaray High School, a segunda instituição de ensino mais antiga do país. A exemplo daquele que viria a ser seu grande rival, só pode ser oficialmente registrado mais tarde, em 1912. Com essa origem, o Galata se firmou como o clube da elite, também conhecido como os Leões.

O início da história dos confrontos entre esses clubes, muitas das vezes um tanto sangrentos, data de 17 de janeiro de 1909, ainda no amadorismo. Deu Galatasaray: 2 a 0. A rivalidade ainda não era acentuada, tanto que poucos anos depois os clubes chegaram a conversar sobre uma união, no entanto a conversa foi adiada pelas Guerras dos Bálcãs e, mais tarde se tornou impossível. Em 23 de fevereiro de 1934, um amistoso marcado por jogadas ríspidas e muita vontade de vencer terminou em pancadaria e aquele foi um ponto de não retorno.

Ingresso Fenerbahçe Galatasaray

Foto: Reprodução

Na história centenária dos jogos, até a data de revisão deste texto, foram 404 dérbis, entre partidas oficiais e amistosas — não que se possa chamá-las assim. A vantagem é do Fenerbahçe, que venceu 148 jogos contra 128 do Galatasaray. Aconteceram, ainda, 128 empates. O maior placar do confronto aconteceu em 1911, quando o Galatasaray impôs 7 a 0 no Fenerbahçe. Este, por sua vez, tem num sonoro 6 a 0, jogado em 2002, seu dia mais feliz.

Quanto aos títulos, a vantagem do Galatasaray é marcante. São 25 títulos turcos, contra 19 do Fernerbahçe. Na Copa da Turquia, a disparidade é ainda maior: 19 a 7, tendência que também se reproduz na Supercopa: 17 a 9. Além disso, os representantes da Europa ainda venceram a Copa da Uefa, em 1999-00 — com um time liderado pelas defesas do goleiro Taffarel, a genialidade de Gheorghe Hagi e os gols de Hakan Şükür. A melhor melhor participação continental dos Canários foi na Liga dos Campeões de 2007-08, quando alcançaram as quartas de finais.

Por outro lado, o encontro com o maior público registrado na história aconteceu em de setembro de 2003. O jogo foi disputado no Estádio Olímpico Atatürk, diante de 71.334 pagantes. Terminou 2 a 2. Ao longo dos anos, não se voltou a ver multidões tão impressionantes, em razão das constantes e graves confusões envolvendo as duas torcidas. Raro, para não dizer inexistente, é o dérbi em que não ocorreram brigas, arremesso de objetos no campo e outras atitudes ainda mais violentas.

Alguns rostos também marcaram seu nome na história do clássico. Os jogadores mais freqüentes neste jogo são Turgay Seren (56 aparições) e Cuneyt Tanman (53), ambos do Galatasaray, e Esat Kaner e Seref Has (49), os dois do Fenerbahçe. Já os três maiores artilheiros do confronto representaram o Fener: Zeki Riza Sporel (29G), Alaaddin Baydar (24) e Lefter Küçükandonyadis (20). 65 são os atletas que ousaram cruzar o estreito de Bósforo, trocando um rival pelo outro. Entre os mais polêmicos está Emre Belozoglu, ídolo nacional, figura marcante na Copa do Mundo de 2002.

 

Ninguém duvida do amor dos torcedores locais por seus clubes; ele só é comparável à paixão pela seleção turca — para o positivo e o negativo. São diversos os momentos em que a estreiteza dessas relações ficou estampada, como no momento em que o craque Alex decidiu deixar o Fenerbahçe e os torcedores do clube montaram vigília na porta de sua casa. Outro momento icônico decorreu quando o treinador Graeme Souness, nos idos de 1996, plantou uma bandeira do Galatasaray na casa dos Canários, após a conquista do título da Copa da Turquia. A pressão da torcida do Fener levou a um cenário de falta de segurança, que culminou na saída do treinador.

E assim, como a própria história de Istambul, o clássico entre Fenerbahçe e Galatasaray transcende o futebol. É um espelho das tensões culturais, sociais e até geográficas que moldaram a cidade ao longo dos séculos. Separados por um estreito, mas unidos pela paixão e pela rivalidade, os dois gigantes seguem escrevendo, a cada novo confronto, mais um capítulo dessa saga centenária, em que o futebol se confunde com identidade.

 

* Texto editado e atualizado em 03 de junho de 2025

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

2 Resultados

  1. 16 de abril de 2025

    […] DESNECESSÁRIO DISCORRER LONGAS LINHAS a respeito do tipo de rivalidade futebolística vivida nas ruas de Istambul. Por isso, não é difícil imaginar o tipo de pressão […]

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