Entre 2002 e 2003, o Paysandu brilhou no Brasil e na Libertadores
para a segunda divisão, após quatro temporadas na elite. Passaram-se longos anos de
espera até que, em 2001, liderado por Givanildo Oliveira, o Papão se superou
e consumou o acesso com uma goleada diante do Avaí, 4 a 0. Naquele sábado de
fim de dezembro em Belém, a espinha dorsal de um time destinado a fazer
história já estava formada, com a presença de jogadores como Sandro Goiano,
Lecheva, Jóbson, Vanderson, Zé Augusto e Vandick. Seria difícil, entretanto,
imaginar o que viria a seguir. O Boca Juniors, certamente, não fazia
ideia.
Calendário inchado: surge a Copa dos Campeões
uma decisão. Até 1999, apenas duas equipes de cada país sul-americano
disputavam a Copa Libertadores da América — e mais o campeão vigente. O Brasil
era representado pelos campeões do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil.
No entanto, para o certame do ano 2000, a Conmebol expandiu a competição.
Brasileiros e argentinos tiveram mais duas equipes incluídas e era preciso
decidir como as vagas seriam preenchidas.
continental, mas, às pressas, instituiu uma seletiva, para definir a quarta
vaga. Foi um remendo. Todos os times da elite do campeonato nacional
classificados até o 16º lugar, fora finalistas e rebaixados, disputaram o lugar na Libertadores. A bagunça foi vencida
pelo Athletico Paranaense, que superou o Cruzeiro na final.
ano seguinte uma nova competição conduziria à vaga restante: nascia a Copa dos
Campeões. O calendário, um dos grandes fantasmas do futebol brasileiro nos anos
que se seguiram, já era temido e parte dos dirigentes brasileiros não estava satisfeita com a mudança de rumos da Libertadores.
“Este é um ano muito importante para o futebol brasileiro porque estão
acontecendo as copas regionais, com a consequente Copa dos Campeões, que
vale vaga na Libertadores […] Entendo que o futebol sul-americano tem que
ser refreado pela CBF. O Brasil não pode subsidiar clubes venezuelanos em
detrimento de um clube como o Botafogo de Ribeirão Preto”, afirmou Eduardo
José Farah, então presidente da Federação Paulista de Futebol, em março de
2000, à
Folha.
Rio-São Paulo; e da Copa do Nordeste. Além deles, os finalistas da Copa
Sul-Minas; e mais os dois melhores de um triangular entre os vencedores das copas
Centro-Oeste e Norte e o vice da Nordeste. Ainda era uma receita esdrúxula,
perdurando em 2000 e 2001, mas alterada em 2002.
seis melhores colocados do Torneio Rio-São Paulo; os quatro da Copa Sul-Minas;
campeão, vice e o time com melhor pontuação na primeira fase da Copa do
Nordeste; e os vencedores das copas Centro-Oeste e Norte. O critério de
justiça de tais escolhas ainda era um tanto turvo, mas parecia uma fórmula
melhor do que a anterior.
O Papão da Curuzu diz ao Brasil a que veio
conquistar o título da Série B de 2001, alcançando o desejado acesso à elite,
o Papão da Curuzu chegou à decisão da Copa Norte. Os dois jogos diante do São
Raimundo, de Manaus, terminaram 1 a 0, mas os manauaras ficaram com o caneco;
tiveram uma campanha melhor.
subida à Série A, os comandados de Givanildo Oliveira tiveram a chance de
se vingar.
regional. Os grupos da Copa Norte de 2002 eram divididos por estado, o que
significava algo importante: embora fosse um dos favoritos ao título, o
Bicolor disputaria o clássico Re-Pa ainda muito cedo na temporada. O Grupo B
contou, ainda, com os amapaenses do Independente e do São José.
Vélber trocara o Remo pelo Paysandu. Depois de vencer o
Independente, o Papão ficou no empate com o Remo, 1 a 1. Foram mais dois jogos
até o segundo dérbi: vitórias diante de São José e, novamente, Independente.
Então, outro empate marcou a rivalidade, agora por 0 a 0. Mais um empate,
diante do São José, garantiu o avanço do Paysandu com a liderança. Corria tudo
dentro da normalidade, mas sem margem para empolgação.
maranhenses do Moto Club e dos piauienses do River. Desta vez, cada um dos
dérbis teve um vencedor diferente; o equilíbrio era flagrante. Apesar disso, o
Bicolor somou mais pontos que seus rivais, ficou com a liderança e avançou às
finais, encontrando, outra vez, o São Raimundo. Chegou a nossa hora, pode ter
pensado o torcedor do Paysandu.
atacante Zé Augusto. “No primeiro jogo da final de 2002, muita gente não
sabia, mas eu estava com uma lesão. Na época, o doutor Wilson Fiel queria me
cortar do jogo, mas falei pra ele que tinha condições de entrar em campo”, comentou o ídolo do Papão, ao jornal
O Liberal.
dois gols. O significativo placar de 3 a 0 foi concluído por Sandro Goiano.
Com autoridade, o Paysandu deu a volta por cima e se classificou para a
disputa da Copa dos Campeões. Naquela altura, o Campeonato Paraense, que
também seria vencido pelo Paysandu, de forma invicta, já estava em marcha. Aproximadamente 20 dias depois da decisão estadual começou a corrida pelo título nacional.
títulos e sabia que poderíamos ir longe. Além disso, ainda tínhamos o torcedor
a nosso favor. Era só uma questão de confiança, então, os jogos foram
acontecendo e o time foi pegando corpo”, falou Givanildo, ao
ge.
O Norte brasileiro finalmente vai à América
no dia 3 de julho e acabou em 4 de agosto. Todo o Grupo A foi disputado no Mangueirão.
a base vitoriosa do final do período entre 1998 e 2000, mas ainda contava com
jogadores de qualidade, como o zagueiro Fábio Luciano, o lateral Kléber e os
atacantes Deivid e Gil. Quando Márcio Rezende de Freitas apitou o final da
partida, o placar registrava 1 a 1. O gol Bicolor foi marcado por Albertinho.
seguir, o Papão enfrentou o Fluminense, alavancado por sua dupla de ataque,
formada por Magno Alves e Roni. Outro empate, agora por 0 a 0, obrigou o
Paysandu a se superar e vencer o Náutico na rodada final. Foi um jogo de tirar
o fôlego. Com cinco minutos, os pernambucanos já venciam, gol de Kuki.
Com Marcos, Vandick e Jobson, os paraenses empataram e viraram, mas o Timbu
chegou a diminuir nos acréscimos.
avançou às quartas de finais com a liderança do grupo.
“Entramos como azarões e acabamos terminando em primeiro na primeira fase,
isso nos deu a condição de jogar sempre em casa. Tivemos o privilégio de
jogar em Belém e o torcedor foi fundamental naquela conquista”, comentou
Vandick, ao
ge.
sua saga. O adversário das quartas de finais foi o Bahia, treinado pelo ídolo Bobô e apoiado
nos gols de Nonato e Robgol — guarde este nome. Jajá
abriu o placar para o Papão, mas Robgol empatou de pênalti. Foi somente aos 46
do segundo tempo que outra vez ele, Jobson, também da marca da cal e já tendo
desperdiçado uma cobrança mais cedo, fez o gol do alívio.
Vanderlei Luxemburgo, o Verdão tinha bons valores, como os meias Lopes e Nenê,
e referências da estirpe de Marcos e Arce, mas se mostrou desequilibrado e
insuficiente. Seria rebaixado ao final do ano. Mesmo assim, o Papão começou
perdendo. Nenê colocou os paulistanos em vantagem logo cedo, aos 12 minutos da
etapa inicial. Foi um golaço.
durante o intervalo. Na volta, a vantagem palmeirense não durou três minutos.
Vandick empatou. 20 minutos depois, Trindade virou. Nos acréscimos, Albertinho
confirmou o triunfo por 3 a 1. O Paysandu estava na decisão, encontrando outro Palestra Itália, direto de Minas Gerais.
“Posso confessar que sou fã de carteirinha da torcida do Paysandu”, pontuou o
artilheiro.
diante de 53.615 torcedores. Fábio Jr. e Joãozinho marcaram para os mineiros;
Sandro descontou para os paraenses. Foi o fim de uma invencibilidade de 26
jogos do Bicolor em casa.
“Se jogarmos com maior determinação e não repetirmos as falhas do primeiro jogo, podemos sair vitoriosos”, comentou Givanildo, à Folha, horas antes da finalíssima.
Castelão, em Fortaleza, mesmo com cerca de 25 ônibus de torcedores bicolores viajando à capital cearense,
o ambiente foi mais frio, o que não se refletiu dentro das quatro linhas.
contagem para o Cruzeiro. Favas contadas? Nada disso. Vandick recebeu
cruzamento dois minutos depois e empatou. O tento da virada teve o mesmo
autor. Contudo, antes do fim da primeira etapa, Cris voltou a ditar igualdade
no placar. Mas Vandick estava determinado. No minuto seguinte, devolveu a
superioridade ao Papão. O primeiro tempo terminou 3 a 2 e os jogadores
voltaram quentes para a etapa derradeira. Fábio foi às redes outra vez,
equalizando o marcador, mas o predestinado Jobson, aos 12 minutos, fez o 4 a
3.
partida foi para os pênaltis. O Cruzeiro, com Ricardinho, Vander e Jussiê,
perdeu todas as suas cobranças; o Paysandu converteu as que lhe cabiam, com
Jobson, Vélber e Gino: 3 a 0. Com toda a justiça e muita, muita emoção, o Papão foi o campeão
dos campeões e se classificou para a Copa Libertadores do ano seguinte.
“Não foi só a maior conquista do Paysandu, é a maior conquista do futebol do
norte”, arrematou Vandick.
Nada a temer, apenas desfrutar
todo mundo orientava. O mais novo ouvia o mais velho, mas ele também tinha
liberdade pra cobrar. Todos tinham espaço e comigo jogava aquele que estava
melhor”. Foi assim que Givanildo explicou o sucesso daquela equipe. No entanto, nem tudo
foram flores em 2002. Era o início de setembro, quando um começo
ruim no Campeonato Brasileiro, com seis derrotas em oito jogos, determinou a
demissão do treinador. Curiosamente, após uma derrota para o Cruzeiro.
Hélio dos Anjos terminou o ano do Papão, salvando-o do rebaixamento e
pavimentando um novo e movimentado ano para os paraenses. Inusitadamente,
porém, ele decidiu trocar o Paysandu pelo Sport, então na Série B, no início
de 2003. Foi substituído pelo uruguaio Darío Pereyra, que manteve a roda
girando na Curuzu.
de 2003, valendo recordar que o ano anterior marcou a última vez em que foram
disputadas a Copa dos Campeões e a Copa Norte. No primeiro semestre, a única
missão do Bicolor era a disputa da Copa Libertadores, em que foi sorteado para
o Grupo 2, dividido com Cerro Porteño, Sporting Cristal e Universidad
Católica.
fevereiro de 2003, em Lima, contra o Sporting Cristal, à época treinado pelo
brasileiro Renê Weber. O Papão tinha duas grandes novidades no ataque, e elas
logo mostraram a que vieram. “No lance do gol, o Iarley cruzou, eu corri na
direção da bola e, de peixinho, cabeceei no canto esquerdo do goleiro”, contou
Robgol, ao
ge. Lembra-se dele? O jogo terminou 2 a 0 para o quadro paraense.
disputado em casa, mas logo voltou a vencer, se superando para alcançar um 3 a 1 de
virada, diante da Universidad Católica, que tinha o meia Mark González entre
seus destaques. Com dois gols, Robgol comandou a reação — Vélber completou o
placar.
brasileiros baterem, outra vez, o Sporting Cristal.
“Depois que chegamos a Belém, já com o primeiro lugar, é que fomos analisar
o que tinha realmente ocorrido, todos falando da partida, ainda mais em cima
do Cerro Porteño, equipe tradicional, que sempre disputa a Libertadores”,
contou Lecheva, ao
Liberal.
Robgol marcaram dois gols cada e o time assegurou avanço aos mata-matas, já
com a liderança certa. O empate por 1 a 1 contra a Católica, a última rodada, foi apenas para
cumprir tabela.
A tradição (com dificuldades) se impôs
de fase, mas em segundo lugar. Os times se encontraram já nas oitavas de
finais. A partida de ida foi no calor pulsante de La Bombonera. O time
bonaerense não tinha mais Juan Roman Riquelme, mas ainda alinhava uma série de
nomes importantes, como Pato Abbondanzieri, Nicolás Burdisso, Sebastián
Battaglia, Marcelo Delgado e Guillermo Barros Schelotto. Subindo aos profissionais o Azul y Oro tinha ninguém
menos do que um jovem Carlitos Tévez.
“No momento que a gente soube que pegaria o Boca Juniors bateu aquela
ansiedade, não medo, mas uma ansiedade”, recordou Iarley ao portal
DOL.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
Com 22 minutos do primeiro tempo, a tensão ficou palpável. Robgol discutiu com
o lateral Clemente Rodríguez e ambos foram expulsos. No início da segunda
etapa, seria a vez de o volante Vanderson deixar o gramado, também admoestado.
“Nosso time estava jogando bem. A cada lance vencido, a cada bola que a gente
evitava chegar ao gol, a nossa confiança aumentava. Eu só me arrependo muito
daquela expulsão”, recordou o meio-campista, ao
ge.
metade do segundo tempo, Iarley recebeu bola de Sandro Goiano, tirou os
zagueiros argentinos da jogada e concluiu. Era o 1 a 0 mais do que suficiente.
aclamada vitória na bagagem, o Papão voltou para casa. Porém, três semanas
depois, veio a desforra. “Tomar um gol logo no começo tirou nossa vantagem que
era do empate”, comentou Vandick, substituto de Robgol na ocasião, ao
Liberal.
abriu o placar e definiu o fim da vantagem do Papão. Lecheva chegou a empatar
no início da segunda etapa, mas Delgado devolveu a vantagem aos argentinos. O
zagueiro Gino cometeu pênalti em Tévez e Schelotto fez o terceiro. Dois
minutos depois, o lateral Wellington cometeu outra penalidade e foi expulso.
Mais uma vez, Schelotto anotou. Sandro Goiano ainda seria colocado para fora,
depois de cometer falta violenta, antes de Burdisso marcar contra e definir o
placar final, 4 a 2.
“Foi um momento inesquecível, ser eliminado em casa e o estádio inteiro nos
aplaudindo. Ficou a frustração pela derrota, mas o orgulho pelo
reconhecimento do torcedor em saber que fizemos todo possível”, concluiu
Vandick.
motivos para otimismo. Mas ninguém em sã consciência apostaria que tudo o que
veio a seguir seria vivido; nem em alucinação ou sonho. Os paraenses
consolidaram uma das histórias mais incríveis do futebol brasileiro e a prova
cabal veio pouco depois, quando o Boca reconheceu a qualidade de seu oponente ao contratar Iarley.
equipes podem dizer que viveram um início de século tão inesperadamente
positivo quanto o Paysandu. Desde então, sabe-se que, no Pará, o Boca Juniors
é respeitado, mas não temido.