A emocionante temporada 2001-02 do Borussia Dortmund
ENTRE O TIME CAMPEÃO europeu e mundial de 1997 e o renascimento comandado por Jürgen Klopp, o Borussia Dortmund viveu alguns dias de glória. A experiência de jogadores como o zagueiro Jürgen Kholer era completada pela juventude do atacante Ewerthon e do meia Tomáš Rosický. No auge, havia Amoroso, o artilheiro máximo da Bundesliga. Era a temporada 2001-02.

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De uma lenda para outra
Em 1998, um dos ícones do time que conquistou a Copa dos Campeões da Europa precisou pendurar as chuteiras. Um problema no joelho foi implacável, mas o capitão das glórias de 1997 e Ballon d’Or de 96 não tardaria a retornar; sucederia o mítico Udo Lattek, ex-treinador de Bayern de Munique e Borussia Mönchengladbach em épocas gloriosas.
Quando Lattek abandonou a aposentadoria das pranchetas, a vida de comentarista de TV e colunista na revista Kicker e no jornal Die Welt para salvar os Dortmund do rebaixamento, em 1999-00, escolheu Sammer para ser seu auxiliar. Alcançou o objetivo e preparou o terreno para o pupilo. A volta de Udo foi algo extraordinário, tinha data para acabar. O técnico não pretendia recomeçar e abandonou de vez o futebol. Aos 32 anos, Matthias assumiu a equipe.

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“Não defini objetivos. Quero fazer uma boa preparação e apresentar um time fechado, de caráter forte e que não fraqueje com resultados negativos”, revelou o comandante à Kicker, em maio de 2000.
Começava um trabalho sólido, logo alcançando o terceiro lugar no Campeonato Alemão. Os melhores frutos viriam na temporada seguinte.
A mistura de Alemanha, Brasil e República Tcheca
A base do elenco aurinegro ainda tinha alguns jogadores de 1997. Kohler, o polivalente Stefan Reuter, o grandalhão Heiko Herrlich e o talismã Lars Ricken representavam essa categoria.
Além deles, havia outros germânicos de peso no Westfalenstadion. Após uma passagem breve e apagada pelo Milan, Jens Lehmann pulou o muro da rivalidade com o Schalke 04 e se tornou o responsável por guardar a meta do Dortmund. A zaga tinha a referência de Christian Wörns e de um ainda jovem Christoph Metzelder. Quem também surgia ali era o volante Sebastian Kehl, que se tornaria uma instituição do clube e chegava do Freiburg.
Enquanto a espinha dorsal do time era nacional, o talento estrangeiro garantia os diferenciais à equipe. Pelos lados da defesa, como importantes válvulas de escape, os brasileiros Evanílson e, sobretudo, Dedê garantiam solidez defensiva e força ofensiva. Era no meio-campo, entretanto, que se encontrava o jogador mais especial daquele esquadrão; um garoto de 21 anos.
Contratado no inverno europeu de 2001 e criado no Sparta Praga, Rosický orquestrava a equipe. O “Pequeno Mozart” era um armador à moda antiga, o perfeito criador: capaz de passes extraordinários, assistências sob medida e, ainda, de dinamizar o jogo aurinegro.
“Fui esmagado muitas vezes. Pensei que poderia ficar mais um ano no Sparta, antes de me mudar para outro lugar. Já estava jogando a Liga dos Campeões, representando a seleção tcheca. Meu pai sempre foi um pouco cético sobre eu me mudar muito cedo. Ele me estimulou a esperar um pouco […] Estava ficando cada vez pior. Me lembro que um dia cheguei em casa e foi meu pai que disse ‘você precisa ir ou eles vão te matar’. Então, fui para o Dortmund”, falou ao The Athletic.

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Adiante, atacantes de estilos diferentes e complementares foram máquinas de marcar gols. Amoroso vivia seu auge. Frio à frente das balizas rivais, habilidoso, veloz, o brasileiro foi às redes 18 vezes na Bundesliga. Chegou a ter problemas com Sammer, mas aparou as arestas e viveu uma de suas temporadas mais especiais.
O setor tinha ainda a força do gigante tcheco Jan Koller, com seu imponente dois metros e dois centímetros. Apesar do corpanzil sugerir um certo engessamento e dificuldades no manejo da bola, era utilíssimo. Fazia o pivô com qualidade e era ameaça constante na bola aéreo. Fez 11 gols e foi um grande parceiro para Amoroso.
Sammer tinha também outra alternativa. A torcida do Corinthians não teve muito tempo para aproveitar a velocidade e os dribles de Ewerthon. Aos 20 anos, o atacante se mudou para Dortmund e foi uma espécie de 12º jogador do clube. E que opção foi: em 27 jogos do Alemão, anotou 10 tentos.
“O Rosický, o Ewerthon, o Koller e eu éramos o pilar daquele ataque, fazíamos o bloco na frente, e nas duas laterais vinham o Evanílson e o Dedê. A gente tinha muita ligação. Até hoje nos falamos, nos comunicamos”, falou Amoroso, em entrevista à Trivela.
O disputado título da Bundesliga
O Bayern de Munique havia conquistado o campeonato nacional em 2000-01 e levara, também, a Copa dos Campeões. Aparentemente, seria o mais forte candidato à renovação do título nacional. Não obstante, foi o Bayer Leverkusen o grande rival do Dortmund.
Um ano que começou promissor, com vitórias consecutivas contra Nuremberg, Hertha Berlin, Wolfsburg e Hansa Rostock, logo desanimou. Nas rodadas cinco, seis e sete, o time perdeu para rivais diretos, Bayern de Munique e Schalke 04, e empatou com o Leverkusen. Porém, os aurinegros conseguiram juntar seus cacos e se reerguer.

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Nas nove rodadas seguintes, oito vitórias e apenas uma derrota recolocaram a equipe nos trilhos, antes de uma nova sequência negativa. Foram muitos empates, inclusive contra rivais diretos, e uma goleada pesadíssima (4 a 0) para o Bayer, resultados que recolocaram as possibilidades do time em xeque.
Na metade final da temporada, viveu-se um momento crucial. O Dortmund reuniu tropas e se relançou na disputa pelo título. Depois da derrota para o Leverkusen, veio um empate contra o St. Pauli. E, nas nove rodadas finais, foram buscadas mais sete vitórias.
Rodadas emocionantemente perfeitas
Os êxitos derradeiros não foram quaisquer; Colônia, Hamburgo e Werder Bremen protagonizaram batalhas. Aberta a 31ª rodada, o Leverkusen tinha cinco pontos de vantagem na liderança.
O primeiro embate foi duríssimo. Até os 44 minutos do segundo tempo, o Bode segurou o Dortmund. Todavia, aquele time tinha Amoroso e o brasileiro converteu a penalidade máxima que decidiu a vitória para o time.
Contra o Hamburgo, houve ainda mais emoção, em um jogo maluco. Amoroso e Rosický marcaram logo dois tentos para o BVB. Um atrás do outro, aos 36 e aos 38 minutos. Mas, jogando em casa, o rival do norte deu o troco. Diminuiu com o suíço Raphaël Wicky. Amoroso voltou a aumentar a vantagem aurinegra. Não perca a conta: 3 a 1.
O holandês Nico-Jan Hoogma mais uma vez marcou para os anfitriões, que voltaram a ser vazados pouco depois, vítimas de Koller. Ainda houve tempo para Erik Meijer fazer o terceiro do HSV. Ficou assim. 4 a 3.

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Quando chegou a rodada fatal, os comandados de Sammer dependiam apenas de si mesmos; o Leverkusen vinha de dois tropeços — derrotas perante Nuremberg e Werder Bremen, o último desafiante dos aurinegros.
O canadense Paul Stalteri ameaçou colocar água na cerveja alemã dos torcedores da Muralha Amarela. Logo aos sete minutos, abriu o marcador para o alviverde das margens do rio Weser. Mas o ano era do Borussia. Pouco antes do fim da etapa inicial, Amoroso assistiu Koller. E, na metade da final, Ewerthon, que deixara o banco de reservas para substituir Jörg Heinrich, recebeu a bola de Dedê e fez o gol do título.
Pela primeira vez desde 1996, o título alemão voltava ao Vale do Ruhr.
A aventura europeia
O ano poderia ter sido ainda mais feliz para o torcedor do Dortmund. Com a terceira posição na Bundesliga de 2000-01, o clube se classificara à terceira eliminatória da Liga dos Campeões e, depois de vencer o Shakhtar Donetsk duas vezes, avançou à fase de grupos do certame continental.
O desempenho aurinegro, entretanto, esteve aquém do esperado no Grupo B. Dividindo terreno com Dynamo Kyiv, Liverpool e Boavista, o surpreendente campeão português do ano anterior, o BVB venceu apenas duas vezes, perdendo e empatando outras duas partidas.
Ficou em terceiro lugar e caiu para a disputa da Copa da UEFA. O que parecia um prêmio de consolação se tornou uma oportunidade.
A prioridade de Sammer era a conquista da Bundesliga, o que justificou a escalação de times mistos, mas o Dortmund foi avançando e chegou perto do título.
Vitórias marginais, ambas por 1 a 0, contra o København colocaram o time nas oitavas de finais. Foram jogos duros. Na primeira partida, os dinamarqueses chegaram a desperdiçar uma penalidade máxima; na segunda, o tento da vitória só veio a um minuto do final do tempo regulamentar.
Na sequência, os alemães se safaram no critério do gol marcado fora de casa contra o Lille. Na França, 1 a 1; em casa, 0 a 0. Já nas quartas de finais, os eslovenos do Slovan Liberec até segurraram o ímpeto aurinegro em seus domínios, em novo empate sem gols. Porém, diante da Muralha Amarela, o Dortmund foi impiedoso e castigou: 4 a 0.
A estrela de Amoroso e o brilho de van Hooijdonk
Foi só nas semifinais que ficou evidente que o time queria o título, diante de um Milan que tinha jogadores da classe de Paolo Maldini, Andrea Pirlo, Rui Costa e Andriy Shevchenko. No primeiro jogo, Amoroso esteve quente: marcou um triplete, completado por Heinrich, em outro 4 a 0 inapelável.
A volta, na Itália, gerou apreensão, mas correu bem. Pippo Inzaghi, Cosmin Contra e Serginho vazaram Lehmann. Ricken diminuiu e a derrota por 3 a 1 foi suficiente para levar o clube à final.
Entretanto, a decisão já começou com uma componente desfavorável para os germânicos. Por obra do caso ou de alguma ordem superior, o Feyenoord chegou à finalíssima e ela seria jogada justamente em sua casa, o estádio De Kuip. Quatro dias antes da batalha teuto-holandesa, os aurinegros haviam conquistado a Bundesliga.
A ressaca da vitória foi inevitável.
Tudo começou a dar errado para os alemães quando, aos 31 minutos, Kohler foi expulso e o Feyenoord teve um pênalti a seu favor. Pierre van Hooijdonk, o grande nome daquela competição, converteu. Ainda no primeiro tempo, o goleador voltou a mostrar sua classe, em cobrança perfeita de falta, 2 a 0.
Amoroso ainda sofreu e bateu, com acerto, um pênalti, reduzindo a desvantagem. Porém, aquela não seria uma noite de sonhos amarelos e pretos. Shinji Ono recuperou uma bola na meia-cancha e lançou o dinamarquês Jon Dahl Tomasson: 3 a 1.
Dramaticamente, Koller ainda marcou o segundo e belo tento do Dortmund, que pressionou até o final. Mas Ewerthon não tinha mais coelhos para tirar de sua cartola. Fato é que a conquista da Copa da UEFA teria sido um bônus. O principal objetivo da temporada, a Salva de Prata, já estava bem guardada em Dortmund. Só voltaria após uma crise financeira e a ascensão de Jürgen Klopp.


1 Resultado
[…] pelas mãos de alguns clubes. Além do Bayern, Borussia Mönchengladbach, Hamburgo, Werder Bremen, Dortmund… e Stuttgart. Em 1991-92, os suábios levavam dois títulos da era pré-Bundesliga, e mais um nos […]