Declan Rice, o novo orgulho da academia do West Ham
O trabalho de Manuel Pellegrini à frente do West Ham ainda engatinha. Quando chegou a Londres, com um contrato de três anos, sabia que teria de trabalhar muito. O trabalho de remodelação dos Hammers foi intenso em sua primeira temporada. Chegaram novos jogadores em todos os setores e o clube, inclusive, bateu seu recorde de gastos em uma só contratação, tirando Felipe Anderson da Lazio. Entretanto, da 1ª até a última rodadas da Premier League, uma coisa não mudou: a titularidade do garoto Declan Rice.
Solução caseira
Uma das primeiras coisas que Pellegrini percebeu ao assumir o comando londrino foi a necessidade de reforços para o meio-campo, especialmente para as funções mais defensivas. Ainda que o capitão Mark Noble mantenha seu estatuto como grande referência, o futebol, em si, já não é o mesmo de outros tempos. Muito menos a vitalidade — tão necessária no setor. Sem Cheikhou Kouyaté, vendido ao Crystal Palace, o setor ficou enfraquecido, restando apenas Pedro Obiang, e foi preciso procurar soluções.
Com um mercado não tão satisfatório, que levou o talentoso Jack Wilshere ao clube sem custos e garantiu a experiência do colombiano Carlos Sánchez. O técnico chileno teve de se virar. Mesmo porque se a situação já não era das melhores com todos à disposição, ela certamente tomou contornos dramáticos quando perdeu os dois quase de uma vez. A sorte, entretanto, se revelou na figura de uma aposta que deu certo desde o princípio.
Na última temporada, sob os comandos de Slaven Bilic e David Moyes, um garoto da base dos Hammers foi colocado à prova, cada hora em um lugar diferente — literalmente. Declan Rice foi volante, zagueiro e lateral, pela direita e também na esquerda. Revelou um potencial enorme para atuar no setor defensivo. No entanto, parecia que se afirmaria como beque. Isso tudo mudou desde o princípio do trabalho de Pellegrini.
Não mais quebra galho, agora volante
Enquanto muito era dito sobre as qualidades que poderiam levar Rice a assumir um lugar no coração da retaguarda do West Ham — sua fisicalidade, rapidez para acompanhar as jogadas adversárias e habilidade nas recuperações de bola — Manuel também observou que o jogador possuía certa habilidade e podia desenvolver seu jogo com os pés e saída de bola. Desde o princípio, apostou em Declan. Não mais como quebra galho, agora como volante e homem de sua confiança.
“Ele é um tipo de jogador que está completando seu desenvolvimento físico. Ele é um jogador forte, mas também técnico”, alegou o treinador ainda no início de sua passagem, em fins de agosto de 2018.
Como todo processo de profundo remodelamento, com a incorporação de novas ideias, táticas e mentalidade, o começo de Pellegrini foi lento — ruim, indo direto ao ponto. Foram quatro derrotas consecutivas no início. Os problemas não eram apenas relativos às novidades trazidas pelo treinador, mas também ligados à incorporação de muitos contratados, manifestamente no que diz respeito à falta de entrosamento. Porém, já na primeira rodada, Rice estava lá, entre os titulares. Ele acabaria perdendo a segunda rodada com problemas físicos e foi sendo opção nos dois jogos seguintes. Apesar disso, recuperou a titularidade na quinta rodada e só voltou a perder outro encontro na 37ª rodada. Nesse período, só no jogo final não atuou durante os 90 minutos.
O menino que começou sua carreira no Chelsea e chegou a ser dispensado aos 14 anos não precisou completar 20 para provar o erro dos Blues. Incorporado na sequência ao West Ham, desenvolveu-se em uma das mais destacadas categorias de base da Inglaterra (formadora de atletas como Frank Lampard, Joe Cole, Michael Carrick e Rio Ferdinand) e já rende preciosos frutos ao time.
Irlanda ou Inglaterra?
“Declan tem um grande problema. Mas ele precisa deixar seu coração decidir se ele se sente mais irlandês ou inglês. Talvez para ele seja mais fácil jogar pela Irlanda, mas se você confia em si mesmo e se sente um jogador inglês…”, refletiu Pellegrini.
Rice nasceu e foi criado na Inglaterra. Apesar disso, seus avós paternos eram irlandeses, nascidos em Cork. Tal situação começou a balançar o coração do volante ainda muito cedo. Com 16 anos começou a representar o Green Army. E ele foi galgando degraus. Foi da Seleção Irlandesa sub-16 até a principal, passando pelo time sub-17, 19 e 21. No entanto, na equipe profissional, só atuou em partidas amistosas. Nesse ínterim, foi ficando cada vez mais clara a qualidade do garoto e a Inglaterra entrou na disputa.
Conforme Rice se afirmava no West Ham, os rumores de que o treinador da Inglaterra, Gareth Southgate deseja contar com ele cresceram. Em fevereiro, ele acabou se decidindo. Nascido e criado na Inglaterra, fez a opção que entendeu ser a mais adequada ao seu futuro. Decidiu representar os Three Lions. Evidentemente, a decisão gerou repercussão de todo tipo, positiva e negativa, mas o fato é que logo o garoto ganhou sua primeira convocação, atuando nas partidas contra Tchéquia e Montenegro, pelas eliminatórias da Euro 2020.
“Essa foi uma decisão extremamente difícil, sendo totalmente honesto, nunca esperei ter que tomar essa decisão nesse estágio da minha carreira. Aconteceu tanto, tão rápido […] Como muitos pelo mundo, me considero alguém com nacionalidade mista. Sou um inglês orgulhoso, tendo nascido e crescido em Londres. No entanto, sou igualmente orgulhoso da minha herança irlandesa e da minha afinidade e conexão com o país […] Finalmente, foi uma decisão pessoal que tomei com todo meu coração e minha mente, baseada no que penso ser o melhor para o meu futuro”, comentou.
Desempenho de Rice chama atenção
Toda a confiança de Manuel Pellegrini vem sendo recompensada nos campos. Liderando a retaguarda do West Ham, Declan Rice tem tido um desempenho de encher os olhos. Em um ano em que apenas o goleiro Lukasz Fabianski e o meia Felipe Anderson disputaram mais minutos do que o volante, ficou sublinhada sua aptidão para destruir e fazer a primeira construção das jogadas do time londrino.
A despeito de seus 20 anos, foi o sétimo jogador da Premier League com mais desarmes completados, 98, o líder do West Ham. Além disso, no contexto de seu clube, Rice foi o quarto jogador com maior média de passes por partida (44,6), e, dentre os jogadores com mais de 10 partidas completadas, obteve os melhores índices de aproveitamento, com 86,4% de êxito. Vale dizer, igualmente, que o garoto foi o segundo jogador de linha dos Hammers com mais passes longos completados, atrás apenas de Noble.
Seus números revelam muito a respeito do tipo de jogo que pratica. Habitualmente, o West Ham tem três saídas possíveis. Ou recorre aos laterais Pablo Zabaleta/Ryan Fredericks e Aaron Creswell/Arthur Masuaku, ou pede que Rice se aproxime dos zagueiros para facilitar o início das jogadas. Tal movimento funcionou em muitas ocasiões, porque o jovem não se sente desconfortável com a bola e tem a calma necessária para retê-la quando sob pressão ou pensar no passe mais adequado, seja curto ou longo.
Na hora de se defender, o time pode contar com Rice para cobrir grandes longas distâncias, para duelar fisicamente com seus oponentes e, eventualmente, até para perseguições. Via de regra, o time se defende em um esquema 4-1-4-1, sendo o volante o primeiro jogador à frente da defesa. Sua utilidade também se faz presente nas coberturas aos laterais, de veia notoriamente ofensiva.
“Ele é um jogador completo. Para mim, é o melhor volante inglês. O importante é que ele está tentando aprender todos os dias”, falou Pellegrini, em março último.
Um dos melhores jovens da temporada
Tal desempenho colocou Rice na lista dos melhores jogadores jovens da temporada. O prêmio acabou sendo conquistado por Raheem Sterling, que acabou deixando para trás, além de Declan, o lateral Trent Alexander-Arnold, os meias Bernardo Silva e David Brooks e o atacante Marcus Rashford. No entanto, até mesmo pela qualidade dos competidores, a lembrança já revela muito do que foi o último ano do inglês.
Rice também se tornou o primeiro jogador com menos de 20 anos a completar 50 partidas pelo West Ham, desde Carrick. Além disso, em 2019, marcou seus dois primeiros gols como profissional. Ele desencantou em um clássico contra o Arsenal e voltou a marcar perante o Newcastle.
Forte nas recuperações, confortável com a bola nos pés e incrivelmente calmo para alguém de sua idade, Rice foi excelente na temporada 2018-19. Afirmado como volante, transformou-se em peça de confiança de Pellegrini. Chegou à Seleção Inglesa. E a melhor parte: tem apenas 20 anos. Ainda há muito por vir.