A sucessão forçada que levou Alex Ferguson ao Mundial de 1986
É DIFÍCIL NOMEAR o maior treinador escocês de todos os tempos. Dentro de um rol que inclui comandantes do valor de George Graham, Kenny Dalglish ou Sir Matt Busby, há dois nomes que não podem, nunca, deixar de ser mencionados: Jock Stein e Sir Alex Ferguson — mestre e aprendiz. Após concluir uma trajetória de irretocável brilhantismo no comando do Manchester United, é estranho colocar um ícone como Fergie na condição de discípulo. No entanto, no já distante setembro de 1985, era essa a realidade.

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Eram os anos 1980 e a Escócia, ao contrário do que se viu nas décadas seguintes, possuía um time respeitável. Havia muitos selecionáveis atuando no futebol inglês e outros tantos provenientes do Aberdeen, o time que Ferguson treinava quando não estava auxiliando Stein junto ao selecionado escocês. Naquela instância, a espinha dorsal do país estava baseada no Liverpool: a defesa tinha Alan Hansen, o meio-campo, Graeme Souness (que mais tarde se transferiria para a Sampdoria) e o ataque, ele, o grande Dalglish. No banco estava Stein, o técnico que levara o título da Copa dos Campeões da Europa pela primeira vez para o Reino Unido, comandando o Celtic.
Era natural que houvessem aspirações. A disputa da Copa do Mundo de 1986 estava no horizonte naquela noite de final de verão em Cardiff, mas a garantia só viria com uma vitória frente ao País de Gales, também forte naquele momento histórico — com presenças como as de Ian Rush ou Mark Hughes. Este, à época atacante do Manchester United, inaugurou o placar para os galeses, aumentando a tensão daquele momento. Mais tarde, Davie Cooper empataria o encontro, impedindo que a Escócia fosse ultrapassada por sua rival.
Porém, a Espanha enfrentaria a Islândia e poderia ultrapassar os escoceses, o que acabou acontecendo. Era previsível. O que não dava para imaginar era o desfecho da vida de Jock Stein.

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Já um respeitável senhor de 62 anos, a menos de um mês dos 63, não suportou as tensões da partida. Seu tão combatido coração parou. Stein infartou após o jogo e não viu sua obra completa. Deixou na Terra uma história indelével; reservou à memória seus feitos grandiosos. Mas esta não foi sua única herança. Seu passamento deixou nas mãos de seu auxiliar a missão de levar a Escócia à Copa do Mundo. Terminadas as eliminatórias, a nação teria que enfrentar a Austrália na repescagem. Ferguson assumiu as rédeas.
A Scottish Football Association decidiu que o melhor naquela altura era preservar ao máximo o trabalho que vinha sendo empreendido e o auxiliar passou a interino. Não havia tempo para adaptações ou respiros. Logo, no final de novembro, viria o primeiro jogo do playoff que levaria Escócia ou Austrália ao segundo Mundial sediado no México.
Com Dalglish alinhado no ataque, o país britânico recebeu os Socceroos. Fez o dever de casa e encaminhou sua viagem à América. Novamente, Cooper foi às redes, marcando um gol vital, o primeiro da dupla que asseguraria o carimbo no passaporte escocês — Frank McAvennie completou o placar. Na volta, a despeito da longa viagem, os comandados de Alex seguraram um 0 a 0 que foi suficiente. Aos 45 anos, Fergie disputaria sua única Copa do Mundo.

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Antes da viagem para o México, Ferguson teve mais algumas oportunidades de treinar a equipe. Foram quatro amistosos antes do Mundial. O primeiro deles, vitória magra, 1 a 0, contra Israel. Na sequência, um triunfo empolgante por três bolas a zero contra a Romênia; um resultado preocupante frente à Inglaterra (derrota por 2 a 1) e; um empate insosso perante a Holanda, 0 a 0.
Logo, toda e qualquer empolgação se esvaiu. O sorteio dos grupos da Copa do Mundo foi cruel.
O técnico do Uruguai, Omar Borrás, sentenciou: o Grupo E era o grupo da morte. Além de escoceses e uruguaios, havia a Dinamarca de Sepp Piontek e a Alemanha Ocidental (futura vice-campeã). Não havia como os britânicos avançarem; o desafio era maior do que as capacidades da equipe, especialmente porque Dalglish não foi ao México. Como? Isso mesmo.
Embora a versão oficial dos fatos aponte uma lesão no joelho do já experiente craque (possuía na altura 35 anos), a lenda urbana relata outra história. Alex Ferguson deixou de fora o zagueiro, companheiro e subordinado de Kenny, que acumulava as funções de jogador e treinador no Liverpool, Alan Hansen. Naquele momento, questionava-se a forma e o comprometimento do beque com a causa escocesa, em uma narrativa que nunca delimitou bem seus meandros.

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A partida inicial, contra a Dinamarca, significou a primeira e merecida derrota escocesa. O 1 a 0 não refletiu o tamanho da superioridade da esquadra escandinava. Na sequência, os britânicos até saíram na frente contra a Alemanha, mas esta logo empatou com Rudi Völler e virou no início do segundo tempo, com Klaus Allofs. Ainda assim, uma vitória contra o sanguinário Uruguai, antes destroçado pelos nórdicos, 6 a 1, classificaria o país à fase seguinte. Não obstante, nem mesmo a vantagem numérica, já que José Batista foi expulso, levou a Escócia adiante. O placar permaneceu intacto. Não houve vexame, mas a passagem de volta para casa foi logo marcada.
A breve trajetória de Ferguson no comando da seleção escocesa terminou por aí. Não foi um fiasco, mas deixou a desejar. Fergie podia até ter a mesma capacidade como treinador que Stein, porém não tinha sua experiência. Era uma estrela ascendente, com títulos importantes pelo Aberdeen. Passado o Mundial, começou seu longo e frutífero casamento com o Manchester United. O resto é história.