A sombra de 2010

Não, não há muitos pontos de contato entre a Seleção Brasileira de 2010 e a atual. Não obstante a presença
dos remanescentes Daniel Alves, Thiago Silva e Robinho, é a repetição de uma
prática, por parte do técnico Dunga, que também comandava aquela equipe, que tem
trazido grandes debates no presente momento: a concentração de todo o jogo
brasileiro em uma só figura.

Após um período em que escanteou
as grandes estrelas brasileiras, logo no início de sua primeira passagem pela
Seleção Brasileira como treinador, Dunga encontrou em Kaká a pedra angular de
seu esquema tático
. Jogando, na maior parte das vezes, com dois volantes e um
terceiro homem de meio (que na Copa do Mundo da África do Sul foram Gilberto
Silva, Felipe Melo e Elano), coube a Kaká desenvolver todo o jogo Canarinho,
sendo tanto o elo entre a defesa e o ataque quanto o único jogador capaz de
decidir sozinho um jogo – embora Robinho e Luís Fabiano fossem bons coadjuvantes.
Não era um problema Kaká ter se
afirmado como referência brasileira – e era até difícil que não o fosse, uma
vez que em 2007 havia sido eleito o Melhor Jogador do Mundo. A questão que
gerou controvérsia após o fracasso foi a sua presença gerar dependência no
restante dos jogadores
. Todo o jogo brasileiro era concentrado no camisa 10, o
atleta que possuía a maior capacidade de desequilíbrio do elenco, como provou
em uma de suas famosas arrancadas contra a Argentina, em amistoso vencido pelo
Brasil em 2006, e quando comandou o Brasil no título da Copa das Confederações
de 2009.
Apesar disso, quando a Copa do
Mundo se encaminhou, Kaká vivia um momento muito ruim em sua carreira, marcado por
lesões.
Logo, sem as condições ideias, atuou sob o efeito de infiltrações e
esteve longe de seu melhor, deixando o treinador Dunga, que havia levado apenas
Júlio Baptista para sua função, de mãos atadas.
Cinco anos depois, a história
parece se repetir
, mas, neste turno, com um novo protagonista: Neymar. A
goleada sofrida contra a Alemanha na Copa do Mundo de 2014 sentenciou a previsibilidade e a debilidade da Seleção Brasileira sem o craque do Barcelona e, no retorno de Dunga ao
comando da Canarinha, nada parece ter sido feito para mudar esse quadro.

No último final de
semana, em amistoso contra o México, o Brasil entrou em campo sem sua maior
estrela e revelou muita dificuldade em fazer algo diferente, imprevisível. Embora
Philippe Coutinho e Willian tenham feito uma boa partida, parecia que, a todo tempo, eles e os demais jogadores procuravam pelo craque ausente.

Os jogos seguintes, contra
Honduras e contra o Peru, contaram com a presença do craque, mas seguiram revelando
graves deficiências da Seleção. No primeiro, amistoso em Porto Alegre, Neymar
entrou no segundo tempo e não fez um bom jogo. Conclusão? O Brasil não fez um
bom jogo. 
Já na estréia da Copa América, Neymar fez um ótimo jogo, individualmente. Por outro lado, exceção feita a Willian, o restante do time foi mal. Ou seja: dificilmente o Brasil teria vencido sem a individualidade de Neymar.

– Leia também: Na Copa América, Brasil contraria tendência

Como em 2010, o Brasil tem vivido uma dependência e a culpa não é de Neymar, como também não era de Kaká, em 2010. Dunga precisa pensar em alguma alternativa para as ausências eventuais de seu camisa 10 e capitão. Já imaginou se por alguma razão seja impossível contar com Neymar nos jogos decisivos que virão pela frente?
Não é o caso de buscar outra referência, mas sim o de dividir a responsabilidade individual com o coletivo, para que uma eventual ausência seja o menos possível sentida. Embora seja indiscutivelmente o melhor jogador brasileiro no momento e, com segurança, um dos melhores do mundo, Neymar não pode ser o centro das ações o tempo inteiro. Se não temos outro jogador da categoria de Neymar, há bons valores. Dunga precisa mudar sua forma de trabalho, para que a Seleção Brasileira cresça e evolua, deixando de viver sob a sombra de 2010.

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