Contra o Manchester United, a glória de Costinha

A HISTÓRIA DO FUTEBOL REGISTRA HERÓIS, gente capaz de produzir diversas sensações nas arquibancadas. Também há espaço para os anti-heróis, que não precisam ser um bad boy como Eric Cantona. Um volante destruidor pode ocupar tal papel. Sua tarefa é frustrar. É roubar a bola alheia, tirar o pão da boca do adversário, eventualmente cometer faltas. É romper a ligação entre o futebol e o belo. Ainda assim, pode ser idolatrado, porque deixa a alma em campo e isso também tem beleza. Em 2003-04, o Porto conquistou a Liga dos Campeões, o que teria sido impossível sem a iluminação do discreto Costinha.

Costinha Manchester United

Foto: Divulgação/ FCPorto

No banco de reservas dos Dragões estava ele, José Mourinho, um jovem treinador em busca da notoriedade. O onze inicial tinha qualidade técnica indiscutível: o luso-brasileiro Deco dava as cartas, mostrava que era um dos melhores em sua função no mundo; Carlos Alberto, que nem 20 anos tinha completado, entortava as pernas dos marcadores adversários, e; Benni McCarthy era um centroavante implacável. Havia outros. Porém, alguém tinha que carregar o piano. Mou nunca subestimou a necessidade dessa figura, por isso tinha Costinha.

Sua chegada ao clube aconteceu em 2001, contratado junto ao Monaco. Nunca disputara uma partida de primeira divisão do Campeonato Português. Contudo, vivia uma fase positiva em sua trajetória: ajudara a levar o título francês ao Principado em 1999-00 e representara Portugal na Euro 2000. Já era conhecido, quando desembarcou na Cidade Invicta. Permaneceu até 2005, sempre titular, atuando em 165 partidas.

Apesar disso, Costinha nunca se distinguiu por dribles, passes precisos ou jogadas plásticas. Foram sua luta, suor e determinação que o colocaram no rol dos grandes portistas. Nos anos de auge, sua capacidade atlética impressionava. Também o bom posicionamento e, sobretudo, a capacidade para roubar bolas, desarmar, impor dificuldades aos meio-campistas rivais. Com ele em campo, os criadores adversários tinham dificuldades para encontrar espaços. Viviam com uma sombra no encalço.

Costinha Zidane

Foto: Javier Soriano/AFP via Getty Images

Este vulto esteve presente em momentos marcantes da história portista.

Costinha já era campeão português, da Copa da UEFA e da Taça de Portugal quando começou a se desenhar a possibilidade de conquista de um título da Champions. O Porto da temporada 2003-04 estava encaixado, era equilibrado. Mesmo assim, não conseguiu terminar a fase de grupos em primeiro lugar. Ficou à frente de Olympique de Marselha e Partizan; na liderança, passou o galáctico Real Madrid.

A vida dos portugueses seria dificílima já nas oitavas, porque necessariamente enfrentaria uma equipe líder de seu grupo. Assim, pintou o Manchester United no caminho dos Dragões.

O Porto estava longe de ser favorito ao título. Precisava se provar e como quem quer ser campeão não escolhe adversário, teria de eliminar os Red Devils. Na primeira e dura partida tudo correu bem. Em casa, os lusitanos venceram por 2 a 1, mesmo com dificuldades. Quinton Fortune chegou a abrir o placar para os ingleses, que viram McCarthy balançar as redes de Tim Howard duas vezes, colocando o Porto em vantagem na eliminatória.

Tratava-se de uma superioridade ilusória; no segundo jogo, um magro 1 a 0 garantiria vaga ao United, no critério dos gols fora de casa. O sonho azul e branco parecia se encaminhar para o seu fim no minuto 32. Em Old Trafford, Paul Scholes abriu o placar de cabeça, após cruzamento perfeito de John O’Shea e falha do setor defensivo português, inclusive de Costinha.

O Teatro dos Sonhos pulsava, todo confiança.

Então um momento agridoce aconteceu. Era passado o último minuto do tempo regulamentar, quando uma falta foi assinalada a favor do Porto — o lituano Edgaras Jankauskas fora deslocado. A infração nem era tão próxima assim da meta mancuniana, mas McCarthy quis tentar sua sorte e chutou direto. Howard espalmou. E o anti-herói preferido da torcida do Porto apareceu para frustrar a classificação dos ingleses.

Costinha empurrou a bola para as redes e não havia mais tempo para uma reviravolta. Os portugueses estavam classificados e a corrida enlouquecida de um Mourinho em transe dizia isso.

Costinha Manchester United

Foto: John Peters/Manchester United via Getty Images

“Não era suposto eu estar ali naquele lance. Era o Maniche atrás e eu à frente. Ele estaria com o John O’ Shea e eu com Wes Brown. Mas acabei por mudar e fiquei com o John O’Shea, que era mais alto. O Benni bate a falta, eu arranco e ele ficou surpreso. O Howard defende para a frente e só me recordo, depois de por a bola no gol, de ver uma mancha azul e branca naquele topo da arquibancada. Eles não se calaram o jogo todo.

O meu pensamento foi festejar com eles. Tinha de compensar o FC Porto, porque não tinha marcado o Scholes bem no lance do gol dele […] Tinha apagado o erro que fiz no início”, revelou ao Porto Canal, em maio de 2017.

Depois vieram Lyon e Deportivo La Coruña, que foram devidamente devolvidos à França e Espanha. Na Arena AufSchalke, em Gelsenkirchen, justamente o Monaco, ex-clube de Costinha, foi derrotado sem dó na final, 3 a 0, placar clássico, inapelável. Foi o ano do Porto, que na hora mais desafiadora contou com o raro brilho de um jogador discreto e eficiente: o anti-herói perfeito.

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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