Os brasileiros das outras nações
A SELEÇÃO BRASILEIRA é conhecida por exportar craques para o mundo — mas nem todos voltam. Por diversos motivos, alguns talentos acabam se naturalizando e defendendo outras seleções. Quem são esses jogadores? Em que contextos mudaram de nacionalidade? Conseguiram destaque com as novas camisas? Este texto resgata as trajetórias dos brasileiros que, por escolha ou circunstância, representaram outros países no futebol internacional.

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Os ítalo-brasileiros
Historicamente, nenhum país aproveitou tanto os jogadores brasileiros quanto a Itália. Desde os tempos de Filó (Anfilogino Guarisi), ainda nos anos 1930, até Thiago Motta, a Squadra Azzurra teve vários nomes com origem verde-amarela.
Com a grande imigração italiana para o Brasil, era comum que muitos brasileiros tivessem ascendência italiana. Filó, por exemplo, ficou fora da Copa de 1930 por conta de um conflito entre as federações do Rio de Janeiro e São Paulo, que vetou a ida de jogadores paulistas ao Mundial. Em 1931, ele deixou o Corinthians, transferiu-se para a Lazio e se naturalizou. Disputou a Copa do Mundo de 1934 pela Itália, numa época em que a FIFA ainda permitia que um jogador atuasse por mais de uma seleção.
Outro nome importante é o de José João Altafini, mais conhecido como Mazzola. Campeão mundial com o Brasil em 1958, acabou perdendo espaço após se mudar para a Europa e, em 1962, disputou a Copa do Mundo com a camisa da Itália. Anos depois, desabafou:
“É muito simples. Naquele tempo, o Brasil não chamava quem jogava no exterior. Ninguém. Eu estava no exterior e não seria chamado. Eu, com 23, 24 anos, ficaria muito chateado se perdesse um Mundial. Não fui eu que deixei o Brasil. Foi o Brasil que me deixou”, falou ao Lance!

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Além de Filó e Mazzola, outros brasileiros naturalizados italianos incluem:
- Angelo Sormani, que disputou a Copa de 1962;
- Dino da Costa;
- Nininho, que jogou as eliminatórias da Copa de 1934, mas ficou fora da lista final;
- Amauri;
- Thiago Motta, titular da Azzurra na Euro 2012.
Os brasileiros e a expansão do futebol nipônico
Durante boa parte do século XX, o futebol no Japão era uma atividade quase marginal, sem relevância no cenário internacional. Isso começou a mudar no início dos anos 1990, e um dos grandes responsáveis por essa transformação foi Zico. O craque brasileiro, ídolo no Flamengo e na Seleção, chegou ao Japão como jogador e depois assumiu o comando técnico do selecionado japonês, deixando uma marca definitiva no desenvolvimento do esporte no país.
Não por acaso, o Japão foi uma das nações que naturalizou jogadores brasileiros. O pioneiro foi Ruy Ramos, que chegou ao futebol japonês em 1977 e defendeu a seleção local entre 1990 e 1995. Apesar de não ter jogado uma Copa do Mundo, ele foi peça importante na construção da identidade da equipe nacional. Esteve presente em eventos cruciais para o crescimento do futebol local, como a sofrida Agonia de Doha.

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A partir dos anos 1990, outros brasileiros seguiram esse caminho — com mais sucesso no cenário mundial:
- Wágner Lopes, formado nas categorias de base do São Paulo, representou o Japão na Copa de 1998;
- Alex dos Santos, que se mudou para o Japão ainda adolescente, disputou as Copas de 2002 e 2006;
- Marcus Tulio Tanaka, nascido no Brasil, mas com ascendência japonesa, participou da Copa do Mundo de 2010 na África do Sul.
A naturalização de brasileiros ajudou o Japão a acelerar sua inserção no futebol competitivo, e muitos desses atletas tornaram-se ídolos locais. Alex, curiosamente, enfrentou o Brasil no Mundial de 2006:
“Eu gostava do Japão, era um país que já era minha segunda casa, tinha muitos amigos por lá e gostava tanto que queria ficar por lá mais tempo, então me tornei cidadão japonês […] E, claro, o Shimizu também queria que eu me tornasse japonês, afinal, era mais uma vaga para estrangeiro que ficaria aberta […] A hora do hino foi muito estranha. Eu estava lá para defender o Japão, mas lembrei que eu ouvia o hino do Brasil todos os dias na escola aqui em Maringá, e no Japão, eu ouvia todos os dias o hino japonês. Foi estranho na hora dos dois hinos”, falou ao Goal.
Sangue verde-amarelo em Portugal, Espanha e Alemanha
Portugal foi uma das seleções que mais recorreu a jogadores brasileiros em sua história recente. Os primeiros casos datam das décadas de 1960 e 1970, com Lúcio e Celso, mas os nomes mais lembrados são de tempos mais modernos: Deco, Pepe e Liédson.
Todos atuaram com destaque no futebol português antes de se naturalizarem, o que ajudou a quebrar, ainda que parcialmente, a resistência de parte da torcida. O caso mais controverso foi o de Deco. Naturalizado em 2003, ele chegou a ser duramente criticado por representar uma seleção que não era a do seu país natal. A resistência diminuiu depois de sua estreia brilhante pela seleção portuguesa, justamente contra o Brasil — partida na qual marcou o gol da vitória.
Pepe, zagueiro histórico de Porto e Real Madrid, tornou-se um dos nomes mais duradouros da seleção portuguesa. Já Liédson, atacante revelado pelo Corinthians e ídolo no Sporting, também teve passagem pela equipe nacional, embora mais breve.
Já na Espanha, mais alguns brasileiros se naturalizaram e vestiram a camisa da Roja. O precursor foi Donato, que atuou por 15 anos na Espanha, principalmente pelo Deportivo La Coruña, jogou a Eurocopa de 1996 e se tornou o jogador mais velho a marcar um gol na liga espanhola, aos 39 anos.
Marcos Senna, um dos principais nomes da Espanha campeã da Euro 2008, também disputou a Copa do Mundo de 2006. Ídolo no Villarreal, seu nome batiza até um portão do estádio do clube. “Eu me sinto privilegiado em receber uma homenagem como essa. Poucos jogadores têm essa oportunidade e fiquei muito emocionado com tudo isso. Estou aqui há dez anos e sei o carinho de todos por mim”, comentou.
Catanha, atacante de destaque no Málaga e no Celta de Vigo no início dos anos 2000, também disputou três partidas pela seleção espanhola, mas sem o mesmo impacto dos anteriores. Mais tarde, foi a vez de Diego Costa decidir defender os espanhóis, mesmo tendo defendido o Brasil em amistosos.

Foto: MARCA
Já a Alemanha, conhecida por sua organização e pragmatismo, também contou com brasileiros naturalizados — todos atacantes:
- Paulo Rink, revelado pelo Atlético-PR, fez sucesso no Bayer Leverkusen e representou a seleção alemã na Copa das Confederações de 1999 e na Euro 2000;
- Kevin Kurányi, nascido no Brasil, filho de pai alemão e mãe panamenha, jogou 52 vezes pela Alemanha e marcou 19 gols. Foi afastado da seleção após abandonar a concentração durante uma partida, fato que lhe custou futuras convocações;
- Cacau, após se destacar no Stuttgart, ganhou a cidadania alemã e jogou a Copa de 2010, chegando a marcar gol no Mundial.
Esses casos mostram como o talento brasileiro encontrou espaço mesmo em seleções com tradições muito distintas — seja pelo vínculo histórico com o país, seja pelo desempenho consistente em clubes locais.
Outros caminhos: naturalizações inesperadas
Nem todas as naturalizações de brasileiros seguiram o roteiro clássico de sucesso em grandes centros europeus. Alguns casos são pouco conhecidos — e outros, bastante inusitados.
Um dos primeiros a chamar atenção foi Emerson Sheik, atacante que brilhou pelo Corinthians. Antes de se retornar ao Brasil, já mais velho, Emerson atuou por três vezes pela seleção do Catar, entre 2008 e 09. Posteriormente, tentou junto à FIFA o cancelamento de sua naturalização, para poder representar a seleção brasileira, pela qual atuara nas categorias de base. A solicitação, no entanto, não teve êxito.
Outro exemplo é o de Oliveira, atacante que fez carreira na Bélgica. Revelado pelo Anderlecht e com passagens marcantes por clubes italianos, como a Fiorentina de Batistuta e Rui Costa, ele representou a seleção belga na Copa do Mundo de 1998. Apesar de pouco lembrado no Brasil, teve trajetória sólida na Europa.

Foto: Reprodução/Belgium Red Devils
Eduardo da Silva talvez seja o caso mais emblemático entre os brasileiros naturalizados por países com pouca tradição no futebol. Criado e formado no Dinamo Zagreb, o atacante se naturalizou croata e defendeu a seleção local na Euro de 2012. Sua carreira, no entanto, foi marcada por uma grave lesão sofrida quando jogava pelo Arsenal, o que interrompeu seu crescimento num momento promissor. Ainda assim, teve sequência no Shakhtar Donetsk e consolidou sua história no futebol europeu.
Outros casos destoam ainda mais dos caminhos tradicionais. Um verdadeiro “recrutamento” de jogadores brasileiros sem vínculo com o país foi promovido por Guiné Equatorial. Sem ascendência ou histórico de residência no país africano, atletas como Jonatas Obina, o saudoso André Neles, Emmanuel Danilo e Ronan chegaram a representar a seleção nacional, chamando atenção pelo caráter totalmente artificial da naturalização.
Na mesma linha, Hamilton, volante revelado pelo Sport, defendeu a seleção de Togo, também sem ligações familiares ou culturais com o país.
Há ainda uma lista de brasileiros que jogaram Copas do Mundo por seleções pouco usuais:
- Zinha (México, 2006);
- Benny Feilhaber (Estados Unidos, 2010);
- Francileudo Santos e Clayton (Tunísia — 2006 e 1998/2002, respectivamente);
- Alexandre Guimarães, que defendeu a Costa Rica na Copa de 1990 e mais tarde se tornou técnico da própria seleção.
Esses tantos caminhos de brasileiros pelo mundo revelam não apenas a abundância de talento nascidos em solo nacional, mas também como o futebol ultrapassa fronteiras, identidades e afetos. Por diferentes razões, políticas, esportivas ou pessoais, esses jogadores acabaram vestindo camisas que, à primeira vista, pareciam distantes de suas origens.