CSKA vs. Spartak: o grande dérbi de Moscou

A ORIGEM DO MAIOR CLÁSSICO MOSCOVITA não é tão antiga, quando comparada à de outros dérbis mundiais. Nos primórdios, as grandes disputas dividiam CSKA e Dynamo de Moscou; Spartak e Dynamo de Kiev. No entanto, o cenário mudou, tanto o futebolístico quanto o geopolítico. Por um lado, o Dynamo russo foi gradativamente se afastando das conquistas e pódios; do outro, o Dynamo ucraniano foi deixando de enfrentar as equipes vizinhas, após o colapso da União Soviética e a formação de novos países. Neste contexto, CSKA e Spartak ganharam tamanho, importância e títulos. A animosidade só cresceu.

CSKA Spartak Moscow 2012

Foto: Ekaterina Lokteva

Muito antes do acirramento da disputa capitalina, decorreu o primeiro jogo entre os rivais. Era junho de 1922, no contexto da famigerada Grande Fome, fatal para aproximadamente 5 milhões de pessoas, após a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa e uma seca sem precedentes. Futebol não era nem de perto prioridade, mas deu CSKA. Era a final do Campeonato da Cidade de Moscou: 4 a 2 para os azul e vermelhos.

Diferentemente do que acontece em grande parte dos clássicos do mundo, CSKA e Spartak é um confronto em que não se revela, explícito, o confronto entre o povo e as elites. A conotação vem velada, está no subtexto.

O CSKA foi fundado em 1911, como a seção de futebol dentro de um clube de esqui, o OLSS. No entanto, seu crescimento se deu a partir do fim da década seguinte, quando foi absorvido pelo exército soviético, pelos militares que, em última instância, eram os responsáveis por se fazer cumprir as ordens do regime. Foi assim que o time pôde escolher os melhores jogadores jovens do país para representá-lo, disso decorrendo o citado título de 1922.

100 YEARS CSKA

Foto: Reprodução

Mais tarde, o time voltaria a se ver em vantagem, já que nenhum de seus jogadores foi convocado para lutar na Segunda Guerra Mundial, enquanto três atletas do Spartak faleceram.

Já o Spartak tem sua origem ligada aos trabalhadores russos, embora tenha decorrido de um clube de ginástica, o RGO Sokol. O braço futebolístico foi criado em 1922, sob outra nomenclatura.

A referência ao gladiador Espártaco, líder da revolta de escravos da Roma Antiga, aproximadamente 70 anos a.C, veio apenas em 1934. A mudança de nome se deu por intervenção de Nikolai Starostin, que jogara e treinara o time, sendo contratado para desenvolver o futebol da equipe. Ele lera a novela Spartaco, de Raffaello Giovagnoli. Mais tarde, seria presidente do clube entre 1955 e 92.

Vieram daí as alcunhas pelas quais são conhecidos os clubes: Armeitsy, Soldados, para o CSKA; e Narodnaya komanda, O time do povo, para o Spartak.

A conexão com as massas foi natural, já que a equipe não representava nenhum órgão estatal, diversamente de seus rivais. Além disso, tinha no nome alusão a um símbolo de liberdade. Não é difícil imaginar que, em volume, a torcida do segundo seja significativamente maior. Segunda pesquisa conduzida pelo portal Championat.ru, o Spartak teria 16.7% da preferência dos russos, seguido pelo Zenit, de São Petersburgo, com 14.4%. O CSKA viria apenas em terceiro lugar, com 12.7%.

São, a despeito disso, ambos clubes de massa. Levaram mais de 105 mil torcedores em três oportunidades: 8 junho de 1959; 25 de julho de 1960; e 4 de outubro de 1962, configurando o recorde de público.

Spartak Moscow 100 years

Arte: Quberten

Esta relação não raras vezes se materializa nas arquibancadas, em que os torcedores do CSKA são vistos como “defensores da ordem ”, enquanto a claque do Spartak é apresentada como “grupo de arruaça”. São visões esterotipadas, mas que alimentam o calor de uma rivalidade, que já provocou situações para lá de opressivas. Como em 1981. Após uma derrota por 3 a 0 no clássico, jogadores do CSKA foram submetidos a treinamento militar por duas semanas, como punição.

Após o esfacelamento da URSS, o Spartak dominou a cena russa nos anos 1990, liderado por Oleg Romantsev. No entanto, a situação começou a mudar com os sucessos do CSKA no princípio dos anos 2000, impulsionados pelo talento de brasileiros como Vágner Love, Daniel Carvalho e Dudu Cearense.

Com a bola rolando, até a data de revisão deste texto, foram 199 dérbis. A vantagem é alvirrubra: são 85 vitórias do Spartak, contra 74 do CSKA. Ocorreram, ainda, 40 empates. O placar mais dilatado da história favorece o Spartak. Em 1935, goleou o rival por 8 a 0. Do seu lado da rivalidade, o maior placar aplicado pelo CSKA foi um 6 a 1, poucos anos antes, em 1930.

 

No quesito artilharia, a liderança é de um brasileiro. Love foi às redes nove vezes no clássico, sempre representando o CSKA. Ele é seguido de perto por Sergei Salnikov, do Spartak. Entre 1942-43, 1946-49 e 1955-60, marcou sete vezes.

Somando títulos soviéticos e russos, para constatar o número total de conquistas nacionais, o Spartak leva grande vantagem sobre o rival. São 22 títulos, contra 13 do CSKA. Não obstante, os homens do exército vermelho já romperam as fronteiras russas e conquistaram uma competição continental. Aconteceu em 2004-05, quando, em pleno Estádio José Alvalade, superaram o anfitrião Sporting e venceram a Copa da Uefa.

Love Ibson CSKA SPARTAK

Foto: Ekaterina Lokteva

Em meio a contextos históricos, mudanças geopolíticas e transformações no próprio futebol, o clássico entre CSKA e Spartak se consolidou como o maior e mais intenso de Moscou. Carrega em seu enredo décadas de rivalidade, diferenças de origem, choques culturais e disputas de poder. De um lado, o exército e sua tradição disciplinada; do outro, o povo e seu espírito rebelde. Uma oposição que, embora velada, segue viva na memória, nas arquibancadas e na história de cada confronto.

* Texto editado e atualizado em 03 de junho de 2025

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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  1. Anônimo disse:

    Clube do povo é por não ser ligado a nenhum departamento, fato que atraiu simpatia do povo que se opôs ao regime, o clube do sindicato era o TORPEDO Moscow.
    Abraços

  2. Anônimo disse:

    Amigo um pequeno erro, maior rivalidade antigamente era Spartak vs Dynamo e Dynamo Kiev vs Spartak, CSKA e Dynamo não tinha lá essa rivalidade talvez secundária.

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