Do sucesso regional com o Caxias à conquista do mundo pelo Corinthians, Tite se confirmou ao longo dos últimos anos o principal treinador do futebol brasileiro. A despeito de alguns trabalhos ruins, como o feito no Atlético Mineiro, e de algumas críticas, como as sofridas no Internacional, o comandante alcançou o topo da hierarquia dos técnicos brasileiros. Diante da crise vivida pela Seleção Brasileira, acabou sendo escolhido para apagar um incêndio de proporções imensuráveis, o maior da história do futebol canarinho.
Tite foi contratado após o acúmulo de três grandes fracassos, o que inclui o fatídico 7×1 e duas eliminações precoces em Copa América – a última delas sem conseguir sequer avançar de fase compartindo grupo com Equador, Haiti e Peru. Nunca esteve tão desprestigiada a camisa verde-amarela. Recentemente, houve momentos ruins como os que se seguiram às Copas do Mundo de 2006 e 2010, mas alguns títulos sempre amenizaram tais circunstâncias. O melhor exemplo é o da Copa das Confederações de 2013, em que a Canarinho bateu a Espanha na final, então a equipe a ser batida e voltou a ser respeitada.
Esse é o cenário com o qual Tite assume a Seleção Brasileira, um reflexo fidedigno da confederação que a comanda. O treinador de Caxias do Sul terá muitas missões nos próximos anos. Nunca antes foi vista uma equipe brasileira tão dependente de um único talento. Em 2010, as referências eram Kaká e Robinho; em 2006 o famigerado quadrado mágico; e em 2002, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Ronaldo Fenômeno. Hoje toda a referência técnica do Brasil se concentra em Neymar.

Com a ideia imediatista de que “o que vale é o resultado do próximo jogo”, Dunga perdeu em dois anos de trabalho a oportunidade de criar uma consciência coletiva em sua seleção. A situação só não é pior, porque ainda há jogadores individualmente bons para evitar fracassos ainda maiores. Alegar que “a geração é ruim” é argumento falho. Qual “geração ruim” emplaca titulares em equipes como Liverpool, Chelsea, Real Madrid, Inter de Milão, Paris Saint-Germain, Barcelona ou Atlético de Madrid?
Sem dramatizar mais que o necessário: Tite encontra um cenário de terra arrasada. Há jogadores de qualidade, mas não há coletivo e tampouco identidade. Em 2010, 2006 e 2002, por exemplo, deixando de lado os resultados, era possível determinar como jogava o Brasil, algo que hoje não é. Talvez essa tenha sido uma das grandes motivações para o chamado de Tite, tendo em vista que poucos times tiveram uma identidade tão bem delineada quanto as versões do Corinthians que o gaúcho comandou.
Os títulos Brasileiros de 2011 e 2015, da Copa Libertadores de 2012, do Mundial de Clubes da FIFA de 2012, da Recopa Sul-Americana de 2013 e do Paulistão no mesmo 2013 não foram obra do acaso. Mesmo assim, após o fracasso na Copa do Mundo de 2014, a CBF voltou seu olhar para Dunga e hoje sucumbiu à pressão advinda dos maus resultados e do descrédito da instituição e firmou contrato com Tite.
Tite terá que pensar o futebol brasileiro em todas as frentes: tática, técnica e até mesmo comportamental, além de se tornar o centro das atenções. Após ouvir o clamor popular, a CBF deixa nas costas do comandante toda a responsabilidade do comando da Canarinho. Outro ponto interessante de ser tratado é o fato de que Tite se caracterizou nos últimos tempos por sua capacidade para extrair o melhor de seus atletas, muitas vezes peças em quem não se depositava nenhuma confiança. Enquanto treinador de clubes, nunca teve de lidar com um grupo de jogadores majoritariamente estelar.
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Além disso, o gaúcho terá que imaginar uma fórmula de retirar de Neymar a responsabilidade por tudo o que acontece na equipe. Equipes de sucesso não baseiam sua proposta exclusivamente na figura de um jogador (a Argentina de Diego Maradona, em 1986, é uma exceção). É imutável o fato de que o craque do Barcelona seguirá sendo a principal liderança técnica, mas não pode ser a base de todo o jogo Canarinho – até mesmo porque é preciso que a Seleção Brasileira saiba jogar bem nas eventuais ausências de Neymar.
Outra tarefa difícil para Tite será a tentativa de reconstruir a boa relação outrora existente entre o torcedor brasileiro e a seleção. O distanciamento ocorrido em razão dos muitos amistosos além das fronteiras tupiniquins e da pouca qualidade do futebol jogado precisa ser amenizado. A esperança desse torcedor que hoje desacredita de qualquer ação da CBF é o treinador e isso pode ser um grande peso.
Claro: Tite precisará de resultados. Hoje o Brasil é o sexto colocado nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 e estaria fora da competição pela primeira vez em sua história se a classificação estivesse concluída. No caso desse eventual insucesso, o treinador dificilmente receberia da CBF a blindagem que recebeu, por exemplo, quando o Corinthians foi eliminado prematuramente da Copa Libertadores de 2011, contra o Tolima. Historicamente, os “projetos” da Canarinho vão bem enquanto os resultados também vão, algo com o que Tite se desacostumou a conviver no comando do Timão.

Contudo, Tite parece preparado para o que virá. Para ele, já não havia desafios a cumprir no Brasil. Sua condição atual é tão privilegiada que o treinador teria inclusive feito exigências à CBF, como a inclusão de Edu Gaspar, ex-gerente de futebol do Corinthians, no departamento de futebol da confederação. E, verdade seja dita, dentre os nomes brasileiros, não há ninguém no momento com melhores credenciais para a assunção desta missão.
A pressão que normalmente já existe sob os ombros de qualquer treinador brasileiro, é maior sob os de Tite, pelo mero fato de o Brasil viver seu pior momento histórico em termos de resultados e qualidade de futebol jogado. Todavia, sua chegada parece de fato ser a melhor saída. A Canarinho chegou ao fundo do poço, uma seleção que não vem sendo bem-sucedida em nenhum âmbito. É com esse quadro que Tite assume a equipe verde-amerela, trazendo apenas uma certeza: o trabalho será feito com coerência, a grande marca da sua trajetória.