Gabi Portilho, Tarciane e o futebol possível
O QUE DEFINE QUEM É, ou não, referência no esporte? A pergunta é
retórica; não há forma absoluta, cabal, de respondê-la. São as pessoas e seus
sentimentos que determinam as figuras marcantes. Há, contudo, marcos que ajudam
a construir explicação e que estão acima das subjetividades. Um lugar entre as
melhores jogadoras de futebol do planeta, por exemplo, é um argumento
irresistível.
Pouco se esperava porque o Brasil decepcionou na Copa do Mundo de 2023. Na Oceania, o mínimo que se esperava era o avanço aos mata-matas, superando, ainda que com o segundo lugar, um grupo que opunha França, Jamaica e Panamá. Na hora H, a solidez defensiva das Reggae Girlz, bem como a ineficiência ofensiva brasileira, consolidaram uma eliminação dolorosa. Sobrou para a treinadora Pia Sundhage, demitida em um momento em que pouca gente ainda segurava suas mãos.
Uma das figuras que não tinha muito espaço no time da sueca era Gabi Portilho. Com a carreira construída no futebol brasileiro, uma estrela mais do que consolidada no Corinthians, era constantemente preterida e não foi chamada para o Mundial. À sombra de Andressa Alves, Geyse, Nycole, Bia Zaneratto, Debinha e Gabi Nunes, não ficou nem entre as suplentes.
Pia caiu e entrou em campo o treinador Arthur Elias, até então chefe das Brabas, como são conhecidas as atletas do Corinthians. Portilho recebeu chances. Era dezembro de 2023, quando o Brasil venceu o Japão, 4 a 3, em amistoso. A atacante corintiana marcou e recebeu elogios do conhecido chefe.
Treinadores tiveram, têm e terão suas preferências e é evidente que o conhecimento prévio de Elias fortaleceu as chances de Portilho. É verdade, contudo, que com todo o sucesso obtido no Timão, a atacante fez o suficiente para merecer mais chances no ciclo anterior. Seu nome estava, constantemente, entre os mais pedidos pelo público e a crítica.
Portilho seguiu em frente e ajudou o Corinthians a conquistar o Campeonato Brasileiro de 2023, sua quarta conquista consecutiva. A seguir, venceu sua segunda Copa Libertadores.
Quando o nome de Mônica Hickmann foi verbalizado durante a coletiva de imprensa em que foram anunciadas as convocadas para a Copa do Mundo de 2023, não foram poucas as sobrancelhas arqueadas, as testas franzidas, e os olhares de reprovação. Houve muitas palavras, mas bastavam as expressões faciais. Aos 36 anos, Mônica não era chamada desde 2019 e se preparava para curtir férias. Nem a própria entendeu sua convocação.
“É como se fosse a primeira vez, porque, de verdade, eu não esperava estar nessa Copa do Mundo”, confessou.
Fazia um ano que o Brasil havia alcançado o terceiro lugar na Copa do Mundo Sub-20. A artilheira da Canarinho fora uma zagueira. Em parte, isso se deu porque a defensora era a cobradora de pênaltis do selecionado verde e amarelo, mas o fato é que Tarciane foi o grande nome brasileiro no certame. Não era propriamente surpreendente que se tratasse de outra jogadora do Corinthians, embora formada no Fluminense.
Pia foi a responsável pela estreia da beque na seleção principal, em uma vitória contundente sobre a Noruega: 4 a 1. “Fiquei bastante nervosa, ela falou pra mim jogar e ser feliz, e acho que consegui ser feliz ali. Fiquei um pouco nervosa, é lógico, é uma estreia, mas acho que ajudei de alguma maneira”, falou à CBF.
No dia 4 de setembro de 2024, foram divulgados os nomes das atletas que
disputam a Bola de Ouro, prêmio entregue à melhor do planeta. O mundo está
cansado de conhecer figuras como Ada Hegerberg, Alexia Putellas, Aitana
Bonmatí, Lindsey Horan, Lucy Bronze ou Lauren James. Contudo, a lista trouxe
nomes menos óbvios e igualmente merecedores de menção.
Gabi Portilho não marcou gols na fase de grupos dos Jogos Olímpicos. Guardou seu melhor para a hora mais decisiva. Primeiro, eliminou as francesas, anfitriãs. “Não foi só o gol que classificou a gente para a semifinal, esse gol tem um contexto, quebrou o tabu de nunca ter ganhado da França. A gente ganhou na casa delas. É o gol mais importante da minha carreira”, falou ao ge.
Depois, Portilho jogou uma pá de cal em cima dos sonhos das espanholas, nas semifinais.
Ela pôde se concentrar nos gols porque, lá atrás, Tarciane era uma força da natureza. Quando as lesões deixaram Arthur Elias com poucas opções; e os árbitros insistiram em determinar a disputa de infinitos minutos de acréscimos; ela passou por cima do cansaço e foi a imagem da determinação.
Houve muitas destaques individuais, em um coletivo que se encontrou durante a competição e funcionou como uma máquina devidamente oleada. Enquanto Lorena pegou tudo no gol, e Portilho marcou os gols fundamentais, Tarciane foi a rocha de uma defesa que não contou com a titularidade de Rafaelle na decisão. Aos 21 anos.
Sorte do Houston Dash, seu time desde abril. “Ela tem muita personalidade. Quando jogava aqui, a gente enchia o saco dela, porque é uma menina muito chata, nossa senhora. Mas a gente gosta muito dela. Ela é muito dedicada e gosta de uma briguinha também, né?”, pontuou Portilho.
As duas foram nomeadas e estão entre as 30 melhores do mundo de 2024. “Só orgulho dessas duas”, publicou Marta, em sua conta no Instagram. Quem está lá, também, é o responsável pela consolidação de ambas na equipe titular do Brasil, Arthur Elias.
O que define quem é, ou não, reconhecido como referência no esporte? É
plausível que um dos fatores seja o impacto provocado nas pessoas ao redor.
Marta, a maior da história da modalidade, é uma referência e ninguém
questiona. Porém, sempre se soube que seu nível de excelência estava além das
possibilidades de meras mortais.
A nomeação de Gabi Portilho e Tarciane entre as 30 melhores do planeta conta outra história. A qualidade de ambas é autoevidente, sobretudo após seus feitos recentes. Mas é alcançável. As trajetórias individuais da dupla contam da persistência e do possível.
O olimpo do futebol feminino brasileiro tem Marta como maior expoente, mas é feito de Sissi, Formiga, Rosana, Cristiane, Roseli, Kátia Cilene, Pretinha… e, por que não, Gabi Portilho e Tarciane?
Foto: Juan Manuel Serrano/Getty Images/ Arte: O Futebólogo |
Para os brasileiros, foi uma surpresa para lá de positiva ver a Canarinho
alcançar a decisão dos Jogos Olímpicos de Paris. Naquele momento, em que se
pleiteava a inédita medalha de ouro, uma certeza já estava estabelecida:
independentemente do que acontecesse dentro das quatro linhas, aquelas
brasileiras já eram vitoriosas. Esse não foi um entendimento de quem aceita
uma derrota antecipada, mas um reconhecimento ao sucesso de um time de que
pouco se esperava.
Pouco se esperava porque o Brasil decepcionou na Copa do Mundo de 2023. Na Oceania, o mínimo que se esperava era o avanço aos mata-matas, superando, ainda que com o segundo lugar, um grupo que opunha França, Jamaica e Panamá. Na hora H, a solidez defensiva das Reggae Girlz, bem como a ineficiência ofensiva brasileira, consolidaram uma eliminação dolorosa. Sobrou para a treinadora Pia Sundhage, demitida em um momento em que pouca gente ainda segurava suas mãos.
Uma das figuras que não tinha muito espaço no time da sueca era Gabi Portilho. Com a carreira construída no futebol brasileiro, uma estrela mais do que consolidada no Corinthians, era constantemente preterida e não foi chamada para o Mundial. À sombra de Andressa Alves, Geyse, Nycole, Bia Zaneratto, Debinha e Gabi Nunes, não ficou nem entre as suplentes.
Pia caiu e entrou em campo o treinador Arthur Elias, até então chefe das Brabas, como são conhecidas as atletas do Corinthians. Portilho recebeu chances. Era dezembro de 2023, quando o Brasil venceu o Japão, 4 a 3, em amistoso. A atacante corintiana marcou e recebeu elogios do conhecido chefe.
Foto: Cris Mattos/ Arte: O Futebólogo |
“Temos uma relação de muita confiança um no outro, mesmo. Foram muitos anos trabalhando juntos. Hoje, a Portilho fez um jogo mostrando a atleta que é. Isso, toda a torcida do Corinthians e quem acompanhou ela nessa trajetória no Corinthians sabe da capacidade que ela tem de impactar positivamente no jogo e de entender rápido as ideias. Isso é um facilitador”.
Treinadores tiveram, têm e terão suas preferências e é evidente que o conhecimento prévio de Elias fortaleceu as chances de Portilho. É verdade, contudo, que com todo o sucesso obtido no Timão, a atacante fez o suficiente para merecer mais chances no ciclo anterior. Seu nome estava, constantemente, entre os mais pedidos pelo público e a crítica.
Portilho seguiu em frente e ajudou o Corinthians a conquistar o Campeonato Brasileiro de 2023, sua quarta conquista consecutiva. A seguir, venceu sua segunda Copa Libertadores.
***
Quando o nome de Mônica Hickmann foi verbalizado durante a coletiva de imprensa em que foram anunciadas as convocadas para a Copa do Mundo de 2023, não foram poucas as sobrancelhas arqueadas, as testas franzidas, e os olhares de reprovação. Houve muitas palavras, mas bastavam as expressões faciais. Aos 36 anos, Mônica não era chamada desde 2019 e se preparava para curtir férias. Nem a própria entendeu sua convocação.
“É como se fosse a primeira vez, porque, de verdade, eu não esperava estar nessa Copa do Mundo”, confessou.
Fazia um ano que o Brasil havia alcançado o terceiro lugar na Copa do Mundo Sub-20. A artilheira da Canarinho fora uma zagueira. Em parte, isso se deu porque a defensora era a cobradora de pênaltis do selecionado verde e amarelo, mas o fato é que Tarciane foi o grande nome brasileiro no certame. Não era propriamente surpreendente que se tratasse de outra jogadora do Corinthians, embora formada no Fluminense.
Pia foi a responsável pela estreia da beque na seleção principal, em uma vitória contundente sobre a Noruega: 4 a 1. “Fiquei bastante nervosa, ela falou pra mim jogar e ser feliz, e acho que consegui ser feliz ali. Fiquei um pouco nervosa, é lógico, é uma estreia, mas acho que ajudei de alguma maneira”, falou à CBF.
Tarciane substituiu Kathellen e fez dupla com Tainara,
jogadoras que, efetivamente, estavam à frente na corrida por um lugar entre as
selecionadas. A outra que estava bem cotada à época era Lauren, todas atrás da
maior referência do setor, Rafaelle. Estas seriam as escolhas óbvias para o
Mundial de 2023, não fosse uma lesão de Tainara.
Entre as alternativas que Pia dispunha para ocupar a lacuna indesejada, estava Fê Palermo, do São Paulo. Também Tarciane apareceu na discussão, embora, pela juventude, passasse por um momento de instabilidade. O chamado de Mônica disse bastante sobre o modo de pensar da treinadora sueca. Na hora de convocar sua segunda reserva para a zaga, preferiu uma veterana longe de seu pico de forma, do que jovens em pleno desenvolvimento.
Veio o fracasso e a primeira lista de Arthur Elias. Tarciane, ainda atleta do Corinthians, não foi citada, preterida pelas três habituais e mais a polivalente Antonia. A jovem voltou a ser escolhida para a disputa da Copa Ouro, já em 2024. O Brasil foi vice-campeão e ela titular.
“Sou muito grata a tudo que conquistei no futebol brasileiro. Evoluí muito no Brasil, me potencializei para convocações e, agora, estou em condições de disputar as Olimpíadas. Como uma criança que sonhou em jogar futebol e representar meu país, carrego comigo o orgulho de ser brasileira e quero desfrutar da oportunidade de representar minha seleção”, falou.
Em meses, Tarciane consolidou-se e foi chamada para os Jogos Olímpicos.
Entre as alternativas que Pia dispunha para ocupar a lacuna indesejada, estava Fê Palermo, do São Paulo. Também Tarciane apareceu na discussão, embora, pela juventude, passasse por um momento de instabilidade. O chamado de Mônica disse bastante sobre o modo de pensar da treinadora sueca. Na hora de convocar sua segunda reserva para a zaga, preferiu uma veterana longe de seu pico de forma, do que jovens em pleno desenvolvimento.
Veio o fracasso e a primeira lista de Arthur Elias. Tarciane, ainda atleta do Corinthians, não foi citada, preterida pelas três habituais e mais a polivalente Antonia. A jovem voltou a ser escolhida para a disputa da Copa Ouro, já em 2024. O Brasil foi vice-campeão e ela titular.
“Sou muito grata a tudo que conquistei no futebol brasileiro. Evoluí muito no Brasil, me potencializei para convocações e, agora, estou em condições de disputar as Olimpíadas. Como uma criança que sonhou em jogar futebol e representar meu país, carrego comigo o orgulho de ser brasileira e quero desfrutar da oportunidade de representar minha seleção”, falou.
Em meses, Tarciane consolidou-se e foi chamada para os Jogos Olímpicos.
Foto: Rafael Ribeiro/CBF/ Arte: O Futebólogo |
***
Gabi Portilho não marcou gols na fase de grupos dos Jogos Olímpicos. Guardou seu melhor para a hora mais decisiva. Primeiro, eliminou as francesas, anfitriãs. “Não foi só o gol que classificou a gente para a semifinal, esse gol tem um contexto, quebrou o tabu de nunca ter ganhado da França. A gente ganhou na casa delas. É o gol mais importante da minha carreira”, falou ao ge.
Depois, Portilho jogou uma pá de cal em cima dos sonhos das espanholas, nas semifinais.
Ela pôde se concentrar nos gols porque, lá atrás, Tarciane era uma força da natureza. Quando as lesões deixaram Arthur Elias com poucas opções; e os árbitros insistiram em determinar a disputa de infinitos minutos de acréscimos; ela passou por cima do cansaço e foi a imagem da determinação.
Houve muitas destaques individuais, em um coletivo que se encontrou durante a competição e funcionou como uma máquina devidamente oleada. Enquanto Lorena pegou tudo no gol, e Portilho marcou os gols fundamentais, Tarciane foi a rocha de uma defesa que não contou com a titularidade de Rafaelle na decisão. Aos 21 anos.
Sorte do Houston Dash, seu time desde abril. “Ela tem muita personalidade. Quando jogava aqui, a gente enchia o saco dela, porque é uma menina muito chata, nossa senhora. Mas a gente gosta muito dela. Ela é muito dedicada e gosta de uma briguinha também, né?”, pontuou Portilho.
As duas foram nomeadas e estão entre as 30 melhores do mundo de 2024. “Só orgulho dessas duas”, publicou Marta, em sua conta no Instagram. Quem está lá, também, é o responsável pela consolidação de ambas na equipe titular do Brasil, Arthur Elias.
“O trabalho do treinador é de tomar decisões importantes, mas é balizado em muito estudo, de muita dedicação, de evolução do nosso trabalho [...] A indicação da Gabi Portilho e da Tarciane com certeza enriquece o futebol brasileiro e a gente espera que daqui para frente cada vez mais atletas brasileiras possam estar também sendo reconhecidas internacionalmente”, falou o comandante, à CBF.
***
A nomeação de Gabi Portilho e Tarciane entre as 30 melhores do planeta conta outra história. A qualidade de ambas é autoevidente, sobretudo após seus feitos recentes. Mas é alcançável. As trajetórias individuais da dupla contam da persistência e do possível.
O olimpo do futebol feminino brasileiro tem Marta como maior expoente, mas é feito de Sissi, Formiga, Rosana, Cristiane, Roseli, Kátia Cilene, Pretinha… e, por que não, Gabi Portilho e Tarciane?
Comentários
Postar um comentário
Agradecemos a sua contribuição! ⚽