Oasis e Manchester City: Vamos viver para sempre

NO APAGAR DAS LUZES DE AGOSTO DE 2009, uma máquina de produção de hits decepcionou os fãs no famoso Rock en Seine, em Paris. Era a maior atração do festival daquele ano, o homólogo do Rage Against The Machine, principal headliner do ano anterior. Coube a Kele Okereke, do Bloc Party, informar que não, o Oasis não subiria ao palco. O vocalista só não tinha condições de garantir que aquela seria a realidade por mais de 15 anos. Porém, quem porventura desejasse ver os irmãos Gallagher poderia tentar a sorte indo ao estádio City of Manchester. Ao menos bom futebol, veria.
Oasis Manchester City
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo

Noel Gallagher, provavelmente sem ter a dimensão exata, estava certo ao afirmar que viveria para sempre, como consta em Live Forever, escrita por ele em 1991 e gravada no icônico Definitely Maybe, de 1994. A terceira pessoa também citada na letra como imortal, com alguma impessoalidade, poderia ser o Manchester City. Naquela altura, ainda na elite do futebol inglês, mas em maus lençóis, lutava repetidas vezes contra o descenso — que aconteceria na temporada 1995-96 e seria aprofundado duas temporadas depois, com a queda ao terceiro escalão.



No período, (What's the Story) Morning Glory? e Be Here Now tocavam em regime de 24/7; o Oasis era o maior sucesso pop do planeta e não havia tempo para futebol.

Enquanto a banda surfava uma onda de sucesso, entre as turnês Be Here Now e Standing on the Shoulder of Giants, o City atravessava um deserto. Talvez não tenha sido mera necessidade de descanso a razão pela qual os irmãos Gallagher decidiram não viajar naquele momento. O que se sabe é que, no dia 30 de maio de 1999, Noel e seu irmão, Liam, estavam em Wembley. Os Citizens encaravam o Gillingham, do retranqueiro Tony Pulis; vencer significava voltar à segunda divisão.

Na hora H, os astros do rock eram apenas torcedores que, como tal, sabiam que seu lugar era ao lado de seu clube — nada poderia ser mais importante. 

Stand by me, nobody knows the way it's gonna be. Ninguém realmente poderia prever o fim apoteótico e catártico daqueles playoffs. “Todos os meus primos, somos todos irlandeses, então todos são fãs do Manchester United. Por alguma razão bizarra e psicodélica, nosso pai decidiu nos levar primeiro para Maine Road”, disse Noel antes do jogo. 

Isso é tudo o que se precisa saber sobre o vínculo dos Gallagher com o City.


Enquanto a maior parte da família celebrava o treble do Manchester United, campeão da Premier League, da Liga dos Campeões e da FA Cup, o lado mais famoso pelos êxitos musicais pagava penitência na terceirona. Não se pode ter tudo na vida, afinal. 

Parecia que o Oasis se tornaria uma banda cujos líderes apoiam um clube caricato, o irmão pobre de uma grande cidade, quando, passados os 35 minutos do segundo tempo, Carl Asaba abriu o placar para o Gillingham, apenas para ter o exemplo seguido dali a seis minutos por Robert Taylor, 2 a 0.

Se estavam high após alguns pints — ou pelo consumo de outras substâncias —, Liam e Noel ficaram instantaneamente sóbrios quando, depois de Kevin Horlock diminuir a desvantagem no último minuto do tempo regulamentar, Paul Dickov empatou a partida nos acréscimos, 2 a 2. O jogo foi para os pênaltis e o City venceu.

No fim do ano, em dia com suas obrigações de torcedor, os irmãos do Oasis saíram em turnê outra vez.


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Em 29 de fevereiro de 2000, a banda voltou às viagens, apresentando mundo afora o álbum Standing on the Shoulder of Giants, cujo principal single, Go Let It Out, chegou ao topo das paradas no Reino Unido, Canadá e Irlanda. Já o Manchester City seguia em sua sina, entre altos (nunca tão altos) e baixos (às vezes baixos demais). Ao miraculoso acesso à segundona, seguiu-se outra subida, agora para a elite, mas que durou apenas um ano.

Entre outubro de 2001 e fevereiro de 2002, o Oasis diminuiu o ritmo dos shows para gravar Heathen Chemistry, seu sexto álbum de estúdio. Os Citizens estavam outra vez na Championship e é bastante provável que os Gallagher tenham sido, outra vez, vistos em meio às arquibancadas azul claras. Ao final da temporada 2001-02, enfim, o clube voltou à Premier League e se solidificou no grupo dos melhores do país, ainda que com campanhas medianas ou simplesmente ruins.

All the time, I just ask myself why you’re really here. Essa pergunta, feita em Little by Little, caberia ao Manchester City. Por que esse time miserável está aqui, seria apenas para viver à sombra de seu rival?



Parecia, entretanto, que os irmãos sabiam que todas as estrelas, em um dado momento, desaparecem. Os Citizens não venciam o Manchester United desde 1989. Isso aconteceu, finalmente, em 9 de novembro de 2002, um dia antes de o Oasis tocar em Nottingham, cerca de 2h de carro distante do City of Manchester. Com gols de Nicolás Anelka e Shaun Goater, os azuis venceram os vermelhos por 3 a 1. Haveria famosos nas arquibancadas?

O City voltaria a vencer o rival em 14 de março de 2004, em grande dia de Shaun Wright-Phillips. Bater o maior antagonista por 4 a 1, subjugando o talento de Ryan Giggs, Cristiano Ronaldo e Ruud van Nistelrooy seria o equivalente futebolístico de lançar um novo álbum de sucesso? O Oasis já não estava em turnê há quase um ano, preparando o lançamento de Don’t Believe The Truth, que, em maio de 2005, bombardearia ao mundo Lyla, The Importance of Being Idle e Let There Be Love.

No recesso de fim de ano da turnê do dito álbum, houve tempo para assistir mais uma grande vitória do City diante do United. Em 14 de janeiro de 2006, o time de Liam e Noel venceu por 3 a 1. Dali a 11 dias, eles tocariam em Oslo, ficando na estrada por mais dois meses sem parar.


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O Manchester City foi o time de sempre até 2007, quando seu controle acionário passou às mãos de Thaksin Shinawatra, o primeiro-ministro da Tailândia. Em 6 de julho, ele adquiriu 75% das ações do clube. Logo, contratou o último treinador da seleção inglesa, o sueco Sven-Göran Eriksson, e abriu a carteira para fazer contratações como as do zagueiro croata Vedran Corluka, do atacante italiano Rolando Bianchi e dos brasileiros Elano e Geovanni.

Talvez esse rebuliço tenha distraído os Gallagher, que preparavam Dig Out Your Soul, seu álbum menos vendido, apesar de trazer hits como The Shock of the Lightning, que chegou ao terceiro lugar nas paradas britânicas.

Elano Manchester City
Foto: Alex Livesey/Getty Images/ Arte: O Futebólogo

Contudo, menos de 15 dias antes do lançamento do que seria o último álbum de estúdio do Oasis, Shinawatra aceitou oferta do Abu Dhabi United Group e o City passou ao comando do Sheik Mansour. Na estrada por quase 1 ano ininterrupto, Liam e Noel devem ter visto pouco dos primeiros dias do time que quebrou a banca para tirar Robinho do Real Madrid — um grande fracasso, apesar dos 15 gols anotados na temporada de estreia.

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Não é preciso ter imaginação fértil para deduzir o tamanho da decepção dos fãs que pagaram ingresso para ver o Oasis e acabaram tendo que assistir a uma segunda apresentação da banda Madness, improviso de última hora conseguido pela organização do Rock en Seine. Já não era, contudo, possível continuar. 

Noel pediu o boné não dias, mas horas depois: “É com alguma tristeza e grande alívio que anuncio que deixei o Oasis esta noite. As pessoas vão escrever e dizer o que quiserem, mas eu simplesmente não poderia continuar trabalhando com Liam nem mais um dia”.


Uma das coisas que se sabe do período pós-Oasis é que Noel se dedicou ao futebol. Entre lançar álbuns em 2011, 15, 17 e 23, como Noel Gallagher’s High Flying Birds, ele viu de perto o Manchester City se transformar. 

Era tempo de uma nova estrela brilhar na cidade. Em pouco tempo, Carlos Tévez, Yaya Touré, Mario Balotelli, David Silva e Sergio Agüero foram contratados e o time mudou de patamar, ao mesmo tempo em que o United foi regredindo, após a aposentadoria do treinador Alex Ferguson.

Liam também retomou a rotina dos discos, primeiro com a Beady Eye, e em carreira solo a partir de 2017. O City já não precisava tanto do empurrão das arquibancadas, embora os irmãos nunca tenham deixado de ser flagrados pelas câmeras da transmissão oficial da Premier League no mar de gente vestida de sky blue.

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Em 2012, no dia em que o Manchester City renasceu, virando um jogo praticamente perdido para o Queens Park Rangers para alavancar o título da Premier League, tomando-o do United com uma virada nos acréscimos e um gol inesquecível de Agüero, Liam estava presente e deixou as dependências do estádio completamente bêbado. Noel estava em turnê no Chile e foi filmado chorando copiosamente.


Eles estavam separados fisicamente, mas unidos por um vínculo inquebrantável.

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“Tenho dois rapazes que são torcedores do City. O mais velho gosta mais de meninas. Mas o meu filho mais novo, de 13 anos, sabe a sorte que tem. Sua primeira lembrança é o momento Sergio Aguero. Estou sempre dizendo a ele: ‘Você nasceu na hora certa’. Ele não viu nada além de glória. Mas eu digo a ele: ‘Você vai ter que passar por dor eventualmente quando Pep Guardiola sair’”, disse Noel ao The Athletic.

Ele tem razão. O ponto de virada do City sob a liderança de Sheikh Mansour aconteceu quando Agüero confirmou um título que pôs fim a um jejum de 44 anos, mas o momento de afirmação e domínio da equipe já foi com Pep Guardiola na casamata, após os reinados de Roberto Mancini e Manuel Pellegrini.


Quando o catalão chegou, o clube passou a ser reconhecido não apenas por vencer (passando a vencer ainda mais), mas por esmagar seus rivais, com estilo. Foi com ele que os Citizens conquistaram a Liga dos Campeões e se superiorizaram, no mais das vezes, a um poderosíssimo time do Liverpool, chefiado por Jürgen Klopp — um adversário mais poderoso do que o Blur foi para o Oasis, ainda nos anos 1990.

Inclusive, na época da final europeia, Liam havia dito que se seu time vencesse ligaria para o irmão para retomar a banda. Demorou um pouco, aparentemente.

Com rumores sobre a possível saída de Guardiola após a temporada 2024-25 — embora Noel, amigo pessoal do treinador, não acredite nisso — o Oasis decide ressurgir. Depois de 15 anos atribulados; na hora em que se materializa a ameaça de perder o treinador que mais alegrias ofereceu aos brigões. Talvez os irmãos Gallagher precisem passar por isso juntos ou, simplesmente, distrair-se com outra coisa. Segundo eles, “as estrelas se alinharam”. 

Seja como for, Manchester nunca sai de cena, sua noite de estrela do rock não tem fim.

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