Dani Olmo é o futebol dos anos 2020

Tac-tac-tac-tac-tac. A Espanha passa a bola e envolve a Itália. Um capítulo da história vai sendo preenchido por suas últimas palavras. Os gols saem à revelia de atacantes, desnecessários, e de enganches, dispensáveis. No olimpo estão os meio-campistas e Vicente Del Bosque escala seis deles. Tão diferentes quanto possível, reconhecem-se na primazia do passe e é a partir deste fundamento que o país se reafirma vencedor. A decadência, contudo, começa a ser vista logo.

Dani Olmo Spain Euro 2024
Foto: Icon Sport/Arte: O Futebólogo

A Espanha fracassa na Copa do Mundo de 2014. Cai na fase de grupos e é humilhada pela Holanda: 5 a 1. Na tarde soteropolitana, os ibéricos têm 64% de posse de bola. Na competição seguinte, avançam aos mata-matas apenas para cair nas oitavas de finais diante da anfitriã Rússia — com 79% do domínio do balón.

Treinadores passam pela seleção, mas pouco muda. Em 2022, quando a Espanha é eliminada pelo Marrocos nos pênaltis (passando 77% do tempo com a pelota), Luis Enrique mantém as engrenagens do passado girando, com um time cheio de meio-campistas, em que um enganche como Dani Olmo só pode atuar pela ponta, enxergando o campo por vias mais estreitas.

Antes da quebra do incômodo jejum de 44 anos sem títulos, em 2008, as coisas eram diferentes na Espanha. O camisa 10 era cultuado. Quem não tinha uma alternativa nacional para a posição, trazia alguém do estrangeiro. 

No início da década, La Liga contava com os espanhóis Juan Carlos Valerón, Pedro Munitis, Ivan De La Peña, Fran, Julen Guerrero, Fernando, além de Pablo Aimar, Juan Roman Riquelme, Zinedine Zidane, Ariel Ibagaza, Djalminha. Por muito que fossem distintos entre si, uns mais armadores, outros mais atacantes, estavam em high demand.

Também por isso, o Campeonato Espanhol ficou conhecido como Liga das Estrelas. Havia ponteiros endiabrados, atacantes matadores, mas sobretudo camisas 10. E a Espanha, enquanto seleção, não vencia nada. Prometia, mostrava qualidades, e perdia.

Valerón Deportivo
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Na metade final do decênio, o Barcelona de Pep Guardiola revolucionou e há fartos registros nesse sentido. O passe voltou a ser visto como essência do esporte, algo que os escoceses haviam entendido ainda no século XIX. Sabiamente, Vicente Del Bosque se apropriou de muito do que se fazia em solo catalão. A Espanha não era uma cópia do Barça, mas tinha muito dele, inclusive o tridente Busquets-Xavi-Iniesta.

Avançando no tempo, enquanto a fórmula da vitória se esgotava, tanto porque os jogadores passavam do auge quanto porque os adversários aprendiam a combatê-la (valendo considerar que a Espanha jamais seria o Barcelona pura e simplesmente por não contar com Lionel Messi), Dani Olmo enlouqueceu

Quem deixaria La Masia aos 16 anos rumo à Croácia, por mais que o Dinamo Zagreb fosse um conhecido celeiro de craques?

“No Barcelona, joguei grandes torneios, conheci pessoas incríveis e aprendi muito. Até joguei uma vez uma partida no Camp Nou. Naquele campo. A terra sagrada. O sonho. Então, por que eu deixei esse lugar incrível depois de sete anos? Bem, eu precisava de um projeto. E claro, porque sou eu, eu precisava jogar. Eu precisava da bola. No início, o Barcelona não acreditou que eu estava indo embora. Ninguém deixa o Barcelona para ir para a Croácia. Ninguém. Isso simplesmente não se faz. Mas eu fiz”, contou no Players Tribune.

“Eu precisava da bola”. 

Nenhuma declaração de amor ao futebol pode ser mais forte do que essa. No Barcelona, Olmo poderia ter ficado para trás ou se tornado o futuro gênio da equipe. Ele escolheu não correr os riscos do primeiro cenário e partiu para o clube que, anos antes, havia revelado Luka Modric.

Dani Olmo Dinamo Zagrb
Foto: Goran Stanzl/Pixsell/Arte: O Futebólogo

“Aprendi mais sobre a história da Croácia por meio do futebol”. Por certo, aprendeu também sobre futebol com a história da Croácia. Foi assim, assumindo as rédeas do gigante eslavo ainda jovenzinho, que Olmo se fez. 

Um passador formidável? Certamente, mas alguém que precisava ser decisivo e não podia perder. Em Zagreb, aprendeu que em um dérbi como o contra o Hajduk Split perder não é alternativa. Nessas circunstâncias, um drible pode fazer a diferença, um chute. O jogo tem mais camadas e o passe não é rei.

Enquanto o futebol da Espanha ficava cada vez mais blasé, Olmo pensava: ¡Qué hermoso es el fútbol. Qué hermoso es el fútbol!, logo após marcar no clássico croata. Ele seria cinco vezes campeão nacional. Em 2019, mesmo ano em que venceu a Euro sub-19 pela Espanha, foi eleito o melhor jogador do Campeonato Croata.


Olmo é fruto de várias linhagens. Não nega as origens catalãs e certamente teria se adaptado ao futebol proposto por Guardiola no final dos anos 2000, mas incorporou a urgência, o ímpeto, de quem quer vencer independentemente do estilo. Isso tudo para, logo após, partir para o RB Leipzig, na Alemanha, e se tornar um jogador com mais consistência. Há aparições melhores e piores, mas é difícil assinalar um mau jogo dele.

Quando Olmo se aproxima do que, normalmente, são os anos de auge de um jogador de futebol, deixa sensações mistas e não se sabe se tem mais de Valerón e Aimar do que de Xavi e David Silva. Importa pouco que, na Bundesliga, sua média de aproveitamento de passes seja de 80% e, em LaLiga, a de Pedri, um de seus concorrentes na seleção seja de 88%. Na Euro 2024 isso ficou comprovado.

O treinador Luis de la Fuente tentou devolver à Espanha o brio. Mesmo questionado, definiu que seu time teria um camisa 9, Álvaro Morata. Determinou, ainda, que a equipe contaria com dois pontas marcados pelo drible e a velocidade, Nico Williams e Lamine Yamal. Porém, seu meio-campo, embora fortalecido fisicamente, ainda seria primaz no passe, com Rodri, Fabián Ruiz e Pedri. Veio do infortúnio do último o tempero que parecia faltar à equipe. Quando o meia do Barcelona se machucou e Olmo assumiu a titularidade, a Roja mostrou seu melhor e chegou ao título.

O camisa 10 não é um jogador típico do passado sem vitórias da Espanha e nem, tampouco, define-se pelas marcas da equipe que tomou o planeta de assalto entre 2008 e 2012.Traz as características dos dois períodos. É meio catalão, meio croata, meio alemão. Com três gols, sagrou-se um dos artilheiros da competição europeia e figurou na seleção da competição. Quando teve a chance, entrou para vencer e a Espanha venceu.

Olmo parece a expressão possível, no futebol dos anos 2020, do camisa 10 que, ao contrário do que se imaginava, ainda vive. Talvez não sintetize o jogador cultivado no imaginário popular, o encanto do drible plástico, mas, ao seu modo, é mais completo: tem as competências técnicas e as utiliza sempre mirando o gol adversário. Não é arte pela arte, mas é forte em expressão; é, sem dúvidas, hermoso vê-lo jogar.


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