Em 1990, Olimpia aumentou sua mística com o bicampeonato continental
A história permite reviravoltas e
a construção de novas e inesperadas conexões. Até Luis Cubilla conduzir o
Olimpia ao título da Copa Libertadores da América de 1979, a maior lembrança
que o torcedor franjeado possuía envolvendo o uruguaio era amarga: o
gol que tirou dos paraguaios a chance de conquistar a América em 1960. Uma
taça o transformou. Foi de algoz a ídolo. Depois da primeira vitória
continental, o clube flertou com o bicampeonato algumas vezes. Precisaria,
entretanto, reunir-se com Cubilla, em um processo que chegaria ao ápice
pouco mais de uma década após a glória do final dos anos 1970.
O retorno do rei
Depois de se tornar o primeiro paraguaio a dominar a América do Sul, o Olimpia
seguiu aumentando sua grandeza. Na década de 1980, conquistaria o Campeonato
Paraguaio em sete de 10 oportunidades (1980, 81, 82, 83, 85, 88, 89). Os
êxitos também se mostraram na Libertadores. Como campeão de 1979, ingressou na
edição seguinte já nas semifinais e ficou a um triunfo diante do Nacional, de
Montevidéu, de chegar a outra decisão.
Dois anos depois, em 1982, o Decano superou os peruanos Melgar e
Municipal, além do compatriota Sol de América, na fase de grupos, mas voltou a
cair nas semifinais. Uma derrota contra o Cobreloa o impediu de retornar ao
ápice. Em 86, a história se repetiria, com o América de Cali se tornando o carrasco dos paraguaios. Eram vividos dias importantes, mas perdas nacionais
obrigaram o presidente Osvaldo Domínguez Dibb a buscar um velho conhecido.
Em 1986, o Campeonato Paraguaio terminou com o título do Sol de América. E a
derrota voltaria a se abater sobre os franjeados em 87. Dessa vez, um
Cerro Porteño orientado pelo brasileiro Valdir Espinosa (que substituia
ninguém menos do que o húngaro Ferenc Puskas) é que ficaria com a láurea. O
pior seria a forma como o Ciclón buscaria a glória: vencendo os três
turnos. O Olimpia ficara para trás, comendo poeira.
Na altura, o comando alvinegro estava entregue a Aníbal Ruiz, antigo e
histórico auxiliar de Cubilla. Seu trabalho não era simples e alcançou
resultados. Encarregado de promover uma revitalização no time que dominava o
Paraguai, era o chefe no título de 1985 e foi o responsável pela afirmação de
atletas como o atacante Adriano Samaniego e os meias Gustavo Neffa, Luis
Monzón, Adolfo Jara e Fermín Balbuena.
Foto: These Football Times/Arte: O Futebólogo |
A presença de Ruiz foi vital para o que aconteceria, mas a sensação de que lhe
faltava um “algo mais”, capaz de manter o Olimpia entre os melhores do
continente, levou ao retorno de Cubilla. Ele era reconhecido por seus feitos e
a mentalidade vitoriosa; era uma figura que se impunha pelos triunfos também na carreira como atleta. Logo no primeiro ano após o retorno, 1988, o
Decano voltou a conquistar o Campeonato Paraguaio. O “Efeito Cubilla”
era algo real.
Ensaio em 1989
Não foi apenas a volta de Cubilla que impactou positivamente o time. Quase ao
mesmo tempo, os franjeados contrataram o atacante Raúl Amarilla. Cria
do Sportivo Luqueño, deixou o Paraguai com menos de 20 anos, construindo a
carreira na Espanha. O primeiro destino foi Santander, onde defendeu o Racing,
emprestado pelo Zaragoza.
No retorno da cessão, marcou seu nome na história dos Maños, compartilhando a
linha de frente com Pichi Alonso e Jorge Valdano: “Fazíamos muitos gols, é
verdade. Não me atrevo a dizer quem foi melhor dos três”, falou ao
Periódico de Aragón. Amarilla chegou a ficar com a vice-artilharia de La Liga, em 1982-83, ao
anotar 19 tentos. O bom desempenho em La Romareda ainda o levaria ao
Barcelona, antes de, em 1988, regressar ao Paraguai para representar o
Olimpia.
O impacto da presença do goleador seria imediato, com artilharia no nacional
(17 gols).
Em 1989, a Copa Libertadores foi disputada em um formato inusitado. A primeira
fase repartiu 20 equipes em cinco grupos de quatro, a partir dos quais
avançavam três clubes. Aos 15 classificados se juntava o último campeão,
formando as oitavas de finais. O Olimpia só chegou aos mata-matas por conta
dessa fórmula.
No Grupo 1, com Sol de América e os chilenos Cobreloa e Colo-Colo, ficou na
terceira posição, com duas vitórias, um empate e três derrotas. O resultado
colocou o clube em choque com o Boca Juniors, que liderara o Grupo 4. Começava
uma saga marcada por muita luta e doses inversamente proporcionais de sorte e
juízo. Contra os portenhos, depois de vencer na ida, o Olimpia, que tinha um a
menos, precisou das penalidades máximas para avançar.
Em uma Bombonera abarrotada, o goleiro e ídolo Ever Hugo Almeida abriu as
cobranças marcando para o Olimpia. Alfredo Graciani empataria na sequência. Os
paraguaios Herib Chamas, Carlos Guirland, Amarilla, Balbuena, Vidal Sanabria e
o capitão Jorge Guasch também converteriam; Almeida pararia Walter Perazzo
(autor de uma tripleta no tempo normal), José Villarreal e Richard Tavares,
enquanto Navarro Montoya, o arqueiro bostero, seguraria Fidel Miño e Evaristo Portella isolaria. 7
a 6.
A fase seguinte não seria menos emocionante. Contra o Sol de América, no
reencontro de paraguaios, o Olimpia largou bem outra vez, vencendo a ida por 2
a 0. Contudo, a volta foi mais uma vez movimentada. O placar final de 4 a 4
deixa isso claro. Os Danzarines jogaram até o final, marcando o último gol no
minuto fatal. Ainda em busca de seu primeiro título continental, o
Internacional aguardava os franjeados, depois de eliminar o Bahia.
Com um jovem Abel Braga na casamata, o Inter saiu em vantagem no Paraguai. Gol
de Luís Fernando Flores. No Beira-Rio se viu um grande toma lá, dá cá. Mendoza
abriu a contagem; Dacroce empatou; Amarilla fez o 2 a 1; Flores confirmou o 2
a 2; e Neffa voltou a anotar para os paraguaios. Quando a contagem apontava a
igualdade por dois tentos, o centroavante Nilson teve a chance de colocar o
Colorado em vantagem, mas perdeu uma cobrança penal. Mais tarde, na marca da cal, o
Olimpia voltou a sobreviver, superando Taffarel e avançando à decisão contra o
Atlético Nacional.
Depois de uma sequência de fracassos do América de Cali, os Verdolagas
tentavam, mais uma vez, levar a copa para a Colômbia. No Defensores del Chaco,
o Decano fez a sua parte. Rafael Bobadilla e Sanabria anotaram. A volta
tinha um componente especial. A lotação máxima do Atanasio Girardot não
permitia que o Atlético atuasse em Medellín. A multidão verde invadiu Bogotá.
No El Campín, Miño contra e Albeiro Usuriaga igualaram a disputa.
Outra vez, eles, os pênaltis, decidiram a contenda. E foi uma tortura. 17
cobranças. Nove convertidas e oito desperdiçadas. Dos pés de Leonel Álvarez
sairia o tiro de misericórdia, confirmando que a Colômbia tinha um campeão continental. O Olimpia precisaria esperar mais um pouco, sua sorte, uma hora,
acabara-se. Só pôde comemorar a artilharia de Amarilla, dividida com Carlos
Aguilera (10 gols).
Chega de bater na trave
A derrota continental não afetou os ânimos no Paraguai. Os homens de Cubilla
levaram o campeonato nacional mais uma vez, classificando-se para a
Libertadores de 1990. A fórmula era a mesma do ano anterior e, agora, o
Olimpia dividiu o Grupo 5 com Cerro Porteño, Vasco e Grêmio. Dessa vez, a
força do Decano prevaleceu, liderando a disputa, apesar de ter havido
intenso equilíbrio.
Nas oitavas de finais, o Olimpia voltou a ser afortunado. Era suposto que enfrentasse uma
equipe colombiana. No entanto, exceção feita ao Atlético Nacional, campeão
vigente, o país não indicou os dois times que deveriam disputar a competição e
os paraguaios avançaram às quartas sem entrar em campo, no W.O. O futebol
naquele país vivia uma grave crise, após o assassinato do árbitro Álvaro
Ortega, em 1989, com influência direta do narcotráfico. Adiante, estava a
Universidad Católica.
Ali, os paraguaios já tinham um novo-velho reforço. Amarilla passara
rapidamente pelo América do México e estava de retorno; vinha sendo substituído por Adriano
Samaniego, que fora formado no próprio Olimpia, e chegara do Necaxa. Ainda
assim, a essência do time era a mesma dos anos anteriores, tendo no arqueiro
Ever Hugo Almeida e no volante Guasch dois esteios.
Contra a Católica, repetiu-se a história de um ano antes, contra o Sol de
América. Na ida, vitória por 2 a 0; na volta, empate emocionante por 4 a 4,
outra vez com o adversário marcando no minuto final. O Olimpia voltava a um
lugar muito conhecido, as semifinais. E via rostos familiares e, de certa
forma, indesejados. Os franjeados tinham, diante de si, a chance de
vingança. O Atlético Nacional voltava ao seu caminho.
Os Verdolagas, contudo, já não eram os mesmos. O treinador Francisco Maturana assumira o Valladolid, John Jairo Tréllez assinara com o Zurich, Usuriaga com
o Málaga e Andrés Escobar com o Young Boys. O time também vinha marcado por
acusações de tentativa de suborno do árbitro Juan Daniel Cardelino, nas
quartas de finais, diante do Vasco. O jogo em Medellín seria anulado e a decisão ficaria para território neutro. Em Santiago, os
colombianos despacharam o cruzmaltino. Não havia espaço para facilidades.
Na Colômbia, o Olimpia venceu, espantando dúvidas relacionadas à arbitragem.
Samaniego e Amarilla marcaram, com Niver Arboleda descontando. No Paraguai,
haveria drama. Amarilla logo abriu a contagem para o Decano. O problema foi
que Arboleda, René Higuita, de pênalti, e Rúben Hernández viraram. O placar
classificava o quadro medelhinense. Porém, Monzón resgatou os paraguaios aos
43 minutos da etapa final. Outra vez, os pênaltis decidiram.
Foi um show de horrores. Das 12 cobranças, apenas três entraram. Somente
Monzón e Silvio Suárez acertaram pelo Olimpia, enquanto Jaime Arango anotou
pelo Atlético Nacional. Como dizem, a vingança é um prato que se come frio: os
paraguaios chegavam à sua segunda final consecutiva.
Final polêmica
Do outro lado da decisão estava o Barcelona de Guayaquil. Os equatorianos
tinham um time respeitável e experiente, a começar pelo treinador. O argentino
Miguel Ángel Brindisi fora um meio-campista importante nos anos 1970,
representando a Albiceleste no Mundial de 1974. Ele liderava nomes como os de
seu compatriota Marcelo Trobbiani, campeão do mundo em 1986, e dos uruguaios
Luis Alberto Acosta e Mario Saralegui, ambos com passagem pela Celeste Olímpica.
O primeiro encontro foi disputado no Defensores del Chaco e o Olimpia largou
em vantagem. Dentro do campo, Amarilla e Samaniego ditaram o tom da final, com
um gol cada — eles seriam os artilheiros da competição, com seis e sete
tentos, respectivamente. Fora dele, o papel coube à torcida, que não deixou os
equatorianos apreciarem uma boa noite de sono antes da partida.
Na hora da verdade, no Monumental de Guayaquil, Trobbiani abriu a contagem. Na
verdade, era a segunda vez que o Barcelona balançava as redes, mas, na
primeira, o árbitro Juan Carlos Loustau tirou o doce da boca de Manuel
Uquillas (e poderia ser a terceira, já que Acosta perdeu um pênalti). Na fase
final do jogo, Amarilla, reiterando a importância de seu retorno, empatou e
foi isso. O Olimpia era bicampeão continental.
“Nunca perdemos a esperança de obter o título, apesar de o rival ter saído em vantagem. O Olimpia jogou bem os 90 minutos, cuidando de cada espaço”, falou Amarilla, ao Diario Hoy.
Não faltou polêmica. O tento anulado era legal e o penal defendido por
Almeida deveria ter sido repetido, dado o imeso adiantamento do arqueiro
franjeado. Nada feito.
“Se em 1990 houvesse esse sistema [VAR], seríamos campeões. Aconteceram coisas estranhas. Não em Assunção. Jogamos bem, mas nos venceram por 2 a 0 [...] Mas no Monumental nos roubaram [...] o gol foi legal, estava cinco metros habilitado, mas eles cobraram fora do lugar. E, no pênalti, Almeida saiu aos pés do Acosta [...] Encontrei o árbitro e disse a ele: ‘Você nos prejudicou. Você me privou da única taça que me faltava’. O cara me disse: ‘Me enganei’”, contou Trobbiani à Radio City.
Cubilla confirmaria, anos mais tarde, que houve interferência com a arbitragem. “Osvaldo [Domínguez] pressionou muito [...] Os ingênuos executivos equatorianos imaginaram que havia uma distância entre Loustau e Osvaldo, mas as decisões do árbitro argentino [...] foram fundamentais na conquista do nosso bicampeonato”, revelou o El Telégrafo.
O fato é que, a despeito das ações do mandatário do Decano, Cubilla
conseguira outra vez: levara o Olimpia ao Olimpo. A confirmação de que, apesar
das artimanhas extracampo, o clube merecia estar naquele lugar viriam na
Supercopa Libertadores, ainda em 1990. Os paraguaios bateram River Plate,
Racing e os uruguaios Peñarol e Nacional, para ficar com mais uma taça.
A
derrota no Mundial, 3 a 0 para o Milan, foi encarada com naturalidade. Quem pararia o time de Arrigo Sacchi, que alinhava gente como Paolo Maldini, Franco Baresi, Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco van Basten?
O fim dessa história aconteceria em 1991, quando os paraguaios votaram à
decisão da Libertadores. No entanto, era hora de outro país ser libertado: o
Chile. O Colo-Colo, treinado pelo iugoslavo Mirko Jozic, pedia passagem. O 3 a
0, impositivo, alcançado pelo Cacique em Santiago, deixava claro: a taça
estava entregue em boas mãos.
Apesar de, num período de três anos, o Olimpia ter perdido duas finais
continentais e vencido somente uma, o saldo não foi negativo. A conquista dos
franjeados reforçou a idolatria ao redor de nomes como Cubilla,
Almeida, Guasch e Amarilla, intocáveis na história dos paraguaios. Mais que
isso, aumentou a mística do Decano e esclareceu para os que tivessem
dúvidas: o Olimpia é um dos gigantes da América do Sul, ponto.
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