O AZ Alkmaar que forjou a quarta força holandesa
O desenvolvimento do futebol holandês, enquanto escola, tardou. Na transição da década de 1950 para a de 60, ainda perdurava a noção de que o amadorismo ditava os rumos do esporte. Mesmo times tradicionais, como Ajax e Feyenoord, passavam dificuldades. Havia qualidade, mas era pouco explorada e de modo errático. Quando, enfim, houve condições para o progresso de um futebol que dominaria a Europa e o bonde passou por Alkmaar, foi alcançado. No final dos anos 1970, já era possível perceber.
A união faz a força
O dia 10 de maio de 1967 é celebrado em Alkmaar, a cidade do queijo. A fusão entre Alkmaar '54 e FC Zaanstreek (cujo braço amador se chamava KFC) é a efeméride da data. Então, surgia um clube para representar aquele povo: o AZ ‘67. O momento era propício para a prática de futebol na Holanda. A revolução de Rinus Michels no Ajax, trabalhando sobre as bases estabelecidas por Vic Buckingham, iniciara-se. Em pouco tempo, o austríaco Ernst Happel começaria a escrever sua história de sucesso no Feyenoord. Porém, os alkmaarders sequer sonhavam com semelhante destino.
Os predecessores do AZ não gozavam de qualquer prestígio nacional. Evidentemente, este se revelou o motivo central para a proposta de união daquelas duas agremiações falhadas. Até a oportuna junção, o Alkmaar ‘54 disputara apenas uma temporada na Eredivisie. Em 1959-60, conquistara o título da Eerste Divisie, mas, no ano seguinte, a aparição na elite seria marcada por rebaixamento. Melhor sorte não socorrera o Zaanstreek. No entanto, o desejo de representatividade vinha justamente do passado do clube.
Em 1967, Klaas Molenaar já era um empresário bem-sucedido na Holanda. As lojas Wastora, especializadas na venda de máquinas de lavar, aspiradores de pó e rádios, não geravam a maior das riquezas, mas faziam de Klaas e seu irmão, Cees, respeitáveis membros da sociedade de Alkmaar. O futebol, por outro lado, era-lhes uma escolha natural. A dupla representara amadoramente o KFC, entre os anos 1940 e 60, e Klaas até mesmo treinara a equipe.
Foto: Jaap Schoen/ Collectie Thijs Ruit/Arte: O Futebólogo |
Os consanguíneos participaram diretamente do processo de origem do AZ ‘67, mas seria apenas em 1972 que sua intervenção se evidenciaria. No início da trajetória, o clube alcançou rápido sucesso. Em 1967-68, acedeu à Eredivisie. Com dificuldades, permaneceria até um dramático descenso em 1970-71. Um novo acesso viria de imediato, como resultado direto da intervenção dos Molenaar. Até então integrantes influentes do conselho da equipe, em janeiro de 1972, os irmãos investiram 200 mil florins no clube. Em troca, receberam o controle da agremiação.
Os ares de sucesso começaram a pairar sobre Alkmaar. Em 1973-74, enquanto a Holanda se preparava para performar um futebol referente no Mundial da Alemanha Ocidental, o AZ terminava a Eredivisie em sétimo lugar, a melhor colocação de sua história. O ano seguinte consagraria uma quinta colocação, repetida em 1975-76. A prova cabal de que os alkmaarders chegavam para ficar viria na campanha seguinte. O terceiro lugar na liga classificou o time para sua primeira competição internacional.
Na Copa da Uefa de 1977-78, o clube fez papel digno. Depois de trucidar os luxemburgueses do Red Boys Differdange, com um placar agregado de 16 a 1, foram eliminados pelo Barcelona — dos Johan, Cruyff e Neeskens — apenas nos pênaltis. Ali, amadurecia a estrela de Kees Kist, provavelmente o maior jogador da história do clube. Outros nomes importantes, como o do selecionável dinamarquês Kristen Nygaard e o do defensor John Metgod, que representaria o Real Madrid, também ganhavam destaque.
Outra figura que ajudava na maturação do AZ era a de Wim van Hanegem. Ídolo do Feyenoord e titular da Oranje na Copa de 1974, era um veterano que conhecia o caminho da vitória. Que viria.
Títulos!
Se por um lado os Cheeseheads alcançaram outra terceira colocação na Eredivisie de 1977-78, por outro viveram história ainda mais feliz na Copa da Holanda. Treinado por Tomislav Ivić, o Ajax chegara à final copeira sem brilhar. Porém, detinha o status de maior vencedor de todos os tempos. Se Cruyff e Neeskens já não representavam os amsterdameses, Ruud Krol seguia na retaguarda, ajudando a projetar talentos como Søren Lerby e Frank Arnesen.
O novato era o AZ. Depois de superar Fortuna, FC Amsterdam, Wageningen e Excelsior, vivia a expectativa de conquistar um primeiro título relevante. O treinador dos alkmaarders, Cor van der Hart, tinha a expertise necessária para entender que os detalhes decidiriam o título. Ele próprio ex-jogador do Ajax, fora um dos auxiliares de Rinus Michels no Mundial de 1974 e retornara ao clube, após passagens por Standard de Liège e Fortuna. Um solitário gol do defensor Henk van Rijnsoever bastou para calar o Estádio Olímpico de Amsterdã.
Após a glória, o clube fez uma troca importante. Van der Hart seguiu para o FC Amsterdam, enquanto os irmãos Molenaar viajaram à Áustria, para tirar o alemão Georg Keßler do Wacker Innsbruck. O comandante tinha um passado como líder da seleção holandesa, além de passagem por clubes importantes como Anderlecht e Hertha Berlin. Em seu currículo, carregava um título belga e copas — na Áustria e na Bélgica, além de vices na Holanda e na Alemanha. A mudança exigiu um breve período de adaptação.
Tendo cumprido seu papel de referência, Van Hanegem partira para os Estados Unidos. Chegara o momento de Kist assumir o papel de líder maior. O centroavante assombrou o público holandês ao anotar 34 gols, na Eredivisie 1978-79. No fim do ano, recebeu a Chuteira de Ouro, como maior goleador da Europa. Entretanto, o tradicional trio dominante no país reclamou seu lugar na tabela. O Ajax foi o campeão, seguido de Feyenoord e PSV. O AZ terminou em quarto lugar.
A campanha na Recopa Europeia não fora melhor, com eliminação na primeira fase perante os ingleses do Ipswich Town. Início de um carma? Torcedores, calma.
No ano seguinte, o time mostrou que seguia na toada dos sucessos. Os 27 gols de Kist, outra vez artilheiro da Eredivisie, levaram o AZ ao vice-campeonato holandês. Por fim, em 1980-81, os Cheeseheads emularam as eficientes e úteis máquinas vendidas pelos Molenaar. Ninguém pôde fazer nada contra os representantes de Alkmaar, que agora contavam com o veterano goleiro Eddy Treijtel, ex-Feyenoord. Ao menos não na Holanda.
Com todo o poder agora concentrado nas mãos de Klaas, após o falecimento precoce do irmão, aos 51 anos, vítima de leucemia, o AZ ‘67 alcançou o ápice. Se, por um lado, Kist não renovou a artilharia, por outro, o clube somou assustadores 101 gols, em 34 partidas da Eredivisie. Concedeu apenas 30 e se adiantou em nada menos do que 12 pontos em relação ao Ajax — as vitórias ainda garantiam apenas dois pontos. Incontestavelmente, os alkmaarders exibiram o melhor futebol do país. Com justiça, foram coroados campeões nacionais. E não parou por aí.
Na Copa da Holanda, o AZ superou Heerenveen, Vlaardingen, o Haarlen (de Ruud Gullit) e o Go Ahead Eagles para chegar a mais uma final. Outra vez, encontrou o Ajax na decisão. Entretanto, agora a atuação foi dominante. Kees Tol, Ronald Spelbos e Nygaard confirmaram o segundo título copeiro dos Cheeseheads. Gerald Vanenburg diminuiu pelos Godenzonen, mas não passou perto de ser suficiente. Felizmente para os torcedores do clube, a ressaca não impediu a conquista. Em Alkmaar se celebrava o double, que poderia ser um treble.
A quase consagração continental
O vice-campeonato holandês de 1979-80 classificara o AZ para a disputa da Copa da Uefa do ano seguinte. O sorteio da competição, de imediato, trouxe boas sensações. Outra vez, o time enfrentou os representantes de Luxemburgo na fase inicial. O Red Boys Differdange era um adversário frágil, como anos antes. Dessa vez, a soma dos placares da eliminatória exibiu um triunfo por 10 a 0. E nenhum Barcelona apareceu no caminho.
O Levski Sofia surgiu diante dos holandeses. Mostrou força na Bulgária, no empate por 1 a 1, mas foi trucidado na visita ao Alkmaarderhout: 5 a 0. A partida evidenciou o caráter coletivo dos homens treinados por Keßler. Kist era a estrela óbvia e marcou, mas apenas Tol somou dois tentos. Os demais couberam a Nygaard e Jan Peters. Na sequência, história similar se passou com os iugoslavos do Radnički Niš. O empate, 2 a 2, na Sérvia, converteu-se em vitória por 5 a 0 — desta vez com hat-trick de Kist.
O equilíbrio só seria notado a partir das quartas de finais. Diante dos belgas do Lokeren, o placar final ficou apertado. Disputando a partida de ida em casa, o AZ ‘67 fez sua parte e venceu por 2 a 0. Porém, o adversário tinha um time qualificado. Contando com nomes importantes, como o do polonês Grzegorz Lato, alcançou uma magra e insuficiente vitória, 1 a 0. O sonho dos Cheeseheads seguia vivo.
Os franceses do Sochaux esperavam os alkmaarders. No ataque, contavam com as qualidades de Patrick Revelli, um dos astros do melhor Saint-Étienne de todos os tempos. Além disso, alinhavam selecionáveis franceses como Yannick Stopyra, Bernard Genghini e o goleiro Albert Rust. Na Borgonha, mais uma vez, o empate prevaleceu: 1 a 1. Em seus domínios, o AZ suou, mas venceu. Genghini abriu a contagem para o Sochaux. Metgod empatou, Jos Jonker virou e Peters ampliou. No entanto, Thierry Meyer marcou pela segunda vez pelo lado gaulês e os cabeças de queijo precisaram suportar 20 minutos de agonia, até o 3 a 2 se consolidar.
Se a campanha tinha começado com o bom augúrio de enfrentar os luxemburgueses do Red Boys Differdange, o adversário da final não trazia a mesma tranquilidade. Praticamente concluindo o trabalho de mais de uma década de Bobby Robson, o Ipswich Town também buscava consagração internacional. A prova de suas ambições viera poucos anos antes com a contratação, justamente, de dois holandeses: Arnold Mühren e Frans Thijssen, ex-Twente. Era um time duro na queda.
Entre a certeza do título holandês, e a expectativa do bicampeonato da Copa da Holanda, o AZ ‘67 vivia o sonho de romper as fronteiras de seu país, repetindo Feyenoord e PSV Eindhoven — campeões da Copa da Uefa em 1973-74 e 1977-78, respectivamente. Contudo, nada saiu como planejado na partida de ida. “Basicamente, fizemos todo o trabalho em casa vencendo por 3 a 0”, falou o capitão inglês, Mick Mills, à BBC. Mesmo com vários jogadores em má forma física, os Tractor Boys atropelaram.
De pênalti, o volante escocês John Wark abriu o placar, deslocando o goleiro holandês. Logo após o intervalo, Alan Brazil fez trabalho de pivô com excelência e rolou para Thijssen. Ele precisou do rebote, mas marcou o segundo gol. Menos de 10 minutos depois, Brazil fez jogada pela esquerda e cruzou para Paul Mariner concluir. E foi isso: 3 a 0. A volta parecia um exercício protocolar. Especialmente depois de Thijssen abrir a contagem com um petardo de média distância. Mas o AZ mostrou brio.
Passados 25 minutos de jogo, os holandeses venciam por 2 a 1, com dois tentos de cabeça. Wark empataria, antes de o AZ fazer mais dois. O agregado de 5 a 4, todavia, garantiu o título aos ingleses. “Foi quase um dia decepcionante ganhar a Copa da Uefa em um grande estádio que não estava realmente cheio e, tendo perdido o jogo também, não foi tão emocionante”, acrescentou Mills. O anti-clímax foi total, mas os alkmaarders provaram seu potencial.
O fim dos anos Molenaar
O fim da temporada 1981-82 marcaria despedidas. Na estreia na Copa dos Campeões, o clube bateu os noruegueses do Start, mas logo foi eliminado, diante do Liverpool — com a soma dos marcadores sinalizando um apertado 5 a 4. O título holandês não foi renovado e, depois de vencer o Utrecht e conquistar sua terceira Copa da Holanda, os Cheeseheads deram adeus ao treinador Georg Keßler. Em busca de um novo desafio, o alemão assinou com o Club Brugge.
Quem também partiu para uma nova empreitada foi Kist. O goleador e grande referência do AZ foi vendido ao Paris Saint-Germain — voltaria para mais uma temporada em 1984-85. O impacto das saídas foi rapidamente sentido. Em 1982-83, os homens de Alkmaar terminaram a Eredivisie em 11º lugar. Aqueles seriam anos de instabilidade, até que, por fim, em 1987-88, o clube caísse para a segunda divisão.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
Na altura, Klaas Molenaar também se afastara da direção da equipe. A saída acontecera em 1985. Tendo alcançado seus objetivos, e investido mais de 30 milhões de florins, o empresário decidiu que era hora de parar. O futebol também não vinha dando os melhores resultados financeiros para o dirigente.
A volta à elite só aconteceria em 1996, com imediato rebaixamento. Na altura, outro empresário, Dirk Scheringa, assumira as rédeas da equipe e a missão de reconstruir o orgulho de Alkmaar. O retorno definitivo viria apenas em 1998. Dali em diante, o clube viveria dias similares aos do início da década de 1970. Superando dificuldades e subindo na tabela, ano após ano. Até 2008-09, quando, liderado por Louis van Gaal e inspirado por seu passado, o time recuperou a coroa holandesa e reafirmou seu caráter de quarta força nacional, construído décadas antes.
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