Prohaska, o homem que abriu a Itália para sua era dourada
É quase pacífico o entendimento de que, em boa parte dos anos 1980 e 90, não existiu melhor campeonato de futebol do que o italiano. No período, o Bel Paese recebeu uma série de estrangeiros da mais alta categoria, e desenvolveu formas mais modernas de se praticar o esporte. Assim, muitos times alcançaram resultados únicos em suas histórias: Hellas Verona, Sampdoria, Napoli... Também alguns forasteiros marcaram indelevelmente suas carreiras. O primeiro deles foi o austríaco Herbert Prohaska.
Uma Itália para italianos?
Herbert Prohaska não foi o primeiro estrangeiro a atuar na Itália. Até 1966, o país recebia um afluxo razoável de atletas internacionais. Além daqueles considerados oriundi, descendentes de italianos mas nascidos no exterior, jogadores com reconhecida qualidade vinham sendo contratados. Nomes como os de John Charles, Luis Suárez Miramontes ou Nils Liedholm são apenas alguns dos que podem ser mencionados no rol dos estrangeiros que trouxeram melhoramentos ao futebol local.
Apesar disso, uma sequência de resultados ruins da seleção italiana colocou na pauta de discussões públicas o papel do estrangeiro no futebol nacional. Em 1950, podia-se dizer que o fracasso no Mundial do Brasil tivera como causa a Tragédia de Superga, em que sua espinha dorsal, formada por jogadores do Torino, falecera. Quatro anos mais tarde, ainda seria plausível essa justificativa, já que os processos de renovação costumam ser custosos. Porém, a não classificação para o certame de 1958 aumentou as dúvidas acerca dos caminhos que a Nazionale estava tomando.
Em 1962, mais uma vez a Azzurra parou na fase de grupos, vendo o avanço da Alemanha Ocidental e do Chile. Por fim, depois de 1966, quando a Itália voltou a cair na primeira fase, vendo a Coreia do Norte prosseguir, o debate se acirrou. Na contramão, enquanto a seleção fracassava repetidas vezes, os times italianos viviam grande momento.
Nos anos 1950, nenhum time italiano venceu a Copa dos Campeões, mas Milan e Fiorentina chegaram às finais uma vez cada. Na década seguinte, com um título dos milanistas, treinados por Nereo Rocco, e dois da rival Internazionale, de Helenio Herrera, a Itália dominou a cena europeia entre 1962 e 1965. Além dos rivais milaneses, em 1960-61, a Roma venceu a Copa das Feiras e a Fiorentina a Recopa Europeia.
Ou seja, os times italianos iam de vento em popa no cenário internacional. Deveria haver alguma razão para isso. Na busca por culpados, sobrou para os estrangeiros. Outrora vitoriosa, a Itália precisava se reencontrar e, para alcançar esse objetivo, ainda em 1966, decidiu que seria necessário limitar seu futebol à presença de jogadores que pudessem ser selecionados para vestir a camisa da Squadra Azzurra.
Pouca eficiência e vergonha
É impossível precisar se a proibição apresentou resultados concretos. Com efeito, já na Euro 1968, a Itália mostrou força. Sediando o torneio, que disputava pela primeira vez, a Nazionale voltou a erguer um troféu, 30 anos após seu bicampeonato mundial. Depois de um empate sem gols com a União Soviética, avançou à decisão no cara ou coroa. Na final, bateu a Iugoslávia, com tentos de Gigi Riva e Pietro Anastasi.
Dois anos mais tarde, o Bel Paese voltaria a mostrar força. No México, chegou à final da Copa do Mundo. Em que pese ter sido derrotada pelo Brasil, a Azzurra liderou um grupo que tinha Uruguai, Suécia e Israel, ultrapassou os anfitriões impiedosamente nas quartas de finais, e fez uma semifinal alucinante contra os alemães, que avançou à prorrogação e terminou em vitória por 4 a 3. Este encontro ganharia até a alcunha de "Jogo do Século".
Apesar disso, foi difícil quantificar o progresso italiano. Em 1974, o país voltou a parar na fase inicial do Mundial. Quatro anos mais tarde, com o surgimento de uma nova, e inexperiente, geração foi semifinalista. Nesse ínterim, voltou a ficar fora da Euro, tanto em 1972 quanto em 76. Para os times nacionais, os efeitos da proibição se mostraram mais claros.
Exceto por dois títulos do Milan, da Copa dos Campeões e da Recopa, no fim da década de 1960, quando o time ainda contava com estrangeiros (o banimento não atingiu aqueles que já estavam no país), a Itália viveu anos de queda. Se o começo dos anos 1970 trouxe a supremacia de holandeses e alemães, o final presenciou a ascensão dos ingleses. Na Bota, os prêmios de consolação viriam com mais um título da Recopa pelo Milan, e por um da Copa da Uefa, alcançado pela Juventus.
O fundo do poço não tardou a ser atingido. Em março de 1980, a Guardia di Finanza, responsável pela apuração de crimes financeiros na Itália, deflagrou a operação Totonero. Em síntese, jogadores e equipes vinham influenciando partidas intencionalmente, objetivando a obtenção de vultuosos ganhos em casas de apostas. Diversas pessoas e entidades foram punidas. Milan e Lazio chegaram a ser rebaixados. Afastar o estrangeiro do país não tinha trazido grandes resultados e o futebol italiano estava desmoralizado internacionalmente.
Reabrem-se as fronteiras, chega Prohaska
A maior novidade do futebol italiano para a temporada 1980-81 foi a reabertura de suas fronteiras ao talento estrangeiro. No primeiro ano, cada equipe pôde acertar a contratação de um forasteiro — em 1982, esse número aumentaria para dois. Sem perder tempo, a Internazionale deu um passo à frente e pinçou seu reforço na Áustria.
“A situação do futebol italiano não era fácil naquele tempo, porque os italianos tinham fechado suas fronteiras para jogadores estrangeiros por vinte anos. O pano de fundo foi a performance ruim na Copa do Mundo da Inglaterra, em 1966, em que eles foram eliminados pela Coreia do Norte. Os jogadores foram recebidos com tomates e ovos no retorno”, contou o escolhido aos austríacos do Kurier.
Foto: imago/Kicker/Arte: O Futebólogo |
Com origens tchecas, Herbert Prohaska tinha 25 anos e já somava quase 300 jogos pelo Austria Vienna. Vencera quatro vezes o Campeonato Austríaco e três a Copa da Áustria. Além disso, conduzira os Violetas à final da Recopa Europeia, em 1977-78. Schneckerl, como era conhecido em alusão ao cabelo cacheado exibido à época, havia sido também peça importante para sua seleção no Mundial de 1978. Naquela ocasião, embora não tenham superado a segunda fase de grupos, os austríacos surpreenderam positivamente ao liderar um grupo dividido com Brasil, Espanha e Suécia na primeira fase.
O meio-campista era conhecido por sua visão de jogo e os passes precisos. Foram duas temporadas pela Inter. Comandados por Eugenio Bersellini, os Nerazzurri buscavam manter o título nacional, conquistado em 1979-80. O austríaco foi logo titular, mas precisou de um tempo de adaptação, visto que seu treinador idealizava um futebol de mais força. Contudo, Herbert se encaixou, melhorando sua aptidão para a recuperação de bolas.
Curiosamente, a mudança para Milão quase teve um desfecho totalmente distinto. “Eu estava a caminho da Inter, quando o Barcelona contactou Skender Fani [agente de Prohaska], porque Hans Krankl queria me levar para lá”. Contudo, a negociação fracassou: “Fiquei decepcionado com o Barcelona. O holandês [Johan] Neeskens foi para os EUA e eles me queriam como sucessor. Mas eu era tudo, menos uma máquina de batalha como Neeskens”, pontuou.
Pela Inter, Prohaska não venceu a Serie A. Parou nas semifinais da Copa dos Campeões de 1980-81 (tendo desperdiçado uma chance de ouro na partida de volta), mas conquistou a Coppa Italia na temporada seguinte. Sua passagem pela Inter acabou em 1982. Não foi considerada um sucesso, mas tampouco pôde ser descrita como um fracasso.
Sempre escolhido para integrar o onze inicial, compondo meio-campo com Gianpiero Marini, Gabriele Oriali e Evaristo Beccalossi, o austríaco foi bem. E isso foi reconhecido no país. Cansada de viver à sombra, a Roma foi atrás de seus serviços.
Sucesso breve na capital, mas lembrança constante
Agora treinador, o sueco Nils Liedholm havia fincado raízes na Itália e vivia sua segunda passagem pela Loba. Com duas Coppa Italia no currículo, vinha elevando o nível romanista. Encontrou em Prohaska o acréscimo de qualidade que precisava para alcançar o equilíbrio perfeito em seu meio-campo.
Com a abertura de mais uma vaga de estrangeiro para todos os times italianos, o austríaco formou parceria com Agostino Di Bartolomei, Paulo Roberto Falcão e Carlo Ancelotti, em uma composição tão combativa como técnica. “A Roma realmente me queria. Na Roma, tudo era muito parecido com a Áustria. Muita liberdade, uma vida mais relaxada, menos pressão do clube”, comentou o meia.
Herbert permaneceu apenas um ano na capital italiana, mas foi o suficiente para não ser esquecido. O motivo? Depois de 41 anos, a Roma conquistou o Scudetto. Entretanto, a equipe chegou a um acordo com Toninho Cerezo. Estava na hora de o austríaco voltar para casa. “A Roma tinha três estrangeiros e precisava se livrar de um e pagá-lo: Falcão tinha um contrato de três anos, Cerezo tinha três anos, Prohaska tinha apenas um. Então, Prohaska. Meu mundo caiu”.
Com cartaz no Bel Paese, o meia foi abordado pelo Torino, mas estava desapontado com a reviravolta radical de sua vida na Itália. Optou por um caminho conhecido. O meia retornou ao Austria Vienna em 1983, permanecendo nos Violetas até o fim de sua carreira, em 89. Somou mais três títulos austríacos, foi escolhido o melhor do país também em três ocasiões, e se consolidou um mito nacional.
O bom futebol e os títulos alcançados em seus anos de Itália colocam Prohaska em uma posição de destaque. Entretanto, é o fato de ter sido o primeiro estrangeiro a chegar a um campeonato que se encontrava em vias de entrar em sua era dourada que lhe confere maior distinção. Prohaska estava no lugar certo na hora certa. Depois dele, uma linhagem distinta de craques pisaria em solo italiano. Gente como Michel Platini, Falcão, Sócrates, Zico, Toninho Cerezo e Diego Maradona — dentre vários, vários outros.
Mas ele foi o primeiro: o Schneckerl; um meio-campista criativo e tecnicamente refinado. Muita história foi escrita após a sua chegada, porém o prólogo do livro que rememora a mais encantadora época do futebol italiano pertence a ele, Herbert Prohaska, que seria reconhecido pela UEFA como o maior jogador austríaco de todos os tempos. Parece justo.
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