1991-92: O ano em que o Stuttgart superou Frankfurt e Dortmund na última rodada
Até os anos 2010, o equilíbrio marcou a Bundesliga. Em que pese o fato de o Bayern de Munique ter se confirmado o campeão mais habitual, grandes sequências de títulos não eram tão frequentes. A Salva de Prata costumava transitar pelas mãos de alguns clubes. Além do Bayern, Borussia Mönchengladbach, Hamburgo, Werder Bremen, Dortmund… e Stuttgart. Em 1991-92, os suábios levavam dois títulos da era pré-Bundesliga, e mais um nos anos 1980. Não era muito, mas o clube costumava fazer boas campanhas. Conhecia a dor e a delícia das decisões.
O treinador era jovem e vinha batendo na trave
Para a temporada 1990-91, o Stuttgart apostou fichas em um treinador novato. Christoph Daum não havia sequer completado 40 anos quando foi abordado pelos Roten. Ainda assim, seu trabalho recente o credenciava a obter sucesso no Neckarstadion. Desde o fim de sua carreira, em 1981, o alemão vinha trabalhando no Colônia, vindo a ser efetivado como treinador principal das Cabras, cinco anos mais tarde.
Enquanto o Stuttgart lutava por protagonismo, dispondo do talento de gente como Jürgen Klinsmann, Srecko Katanec, José Basualdo ou Ásgeir Sigurvinsson, o Colônia brilhava na Bundesliga. Nas duas temporadas que antecederam a mudança de Daum, o time da Renânia do Norte-Vestefália conseguiu dois vice-campeonatos da Bundesliga, além de um terceiro lugar, em 1987-88.
É bem verdade que Christoph tinha um bom elenco para trabalhar. Contava, por exemplo, com Bodo Illgner debaixo das traves, Jürgen Kohler e Morten Olsen na retaguarda, Thomas Häßler no meio, e Pierre Littbarski, na linha de frente. Trocar o Colônia pelo Stuttgart parecia sugerir a permanência do comandante no grupo de postulantes ao título da Bundesliga, valendo lembrar que os suábios haviam ficado com o vice da Copa da Uefa de 1988-89, quando foram superados pelo Napoli e protagonizaram um apoteótico 3 a 3 na decisão.
Em sua chegada ao novo clube, Daum ganhou um presente que seria vital para suas pretensões. Com a reunificação das Alemanhas em 1990, o Stuttgart abriu os cofres e tirou Matthias Sammer do Dynamo Dresden. Então meio-campista, o “cabeça de fósforo”, alcunha alusiva aos cabelos ruivos, era o melhor jogador da Alemanha Oriental, selecionável desde os 18 anos.
Ao lado de atletas como o goleiro Eike Immel, que chegou a defender a Alemanha Ocidental, do campeão mundial com a Maanschaft, Guido Buchwald, do lateral esquerdo Michael Frontzeck, do meia Maurizio Gaudino e do centroavante Fritz Walter (homônimo do ídolo alemão dos anos 1950), Sammer viria a compor a espinha dorsal do Stuttgart de Christoph Daum.
Apesar disso, havia muito o que fazer e, em sua primeira temporada no comando do clube, o treinador conduziu a equipe a um insosso sexto lugar. Garantiu vaga na Copa da Uefa e terminou uma posição acima de seu ex-time.
Para 1991-92, se por um lado Basualdo retornou à Argentina para representar o Vélez Sarsfield, e Jürgen Hartmann partiu para o Hamburgo, por outro Daum contou com a adição do líbero iugoslavo Slobodan Dubajić, acrescentando experiência ao time que tinha média de idade de apenas 24,3 anos.
Insucesso nas copas e foco total na Bundesliga
A temporada 1991-92 tem reconhecida importância histórica para o futebol alemão. Nela, foi jogada a primeira Bundesliga contando com equipes da Alemanha Oriental — admitidos campeão e vice da última Oberliga, Hansa Rostock e Dynamo Dresden, respectivamente. E a largada do Stuttgart não foi das melhores. Do Wedau Stadion, em Duisburg, os suábios saíram derrotados na primeira rodada.
Apesar disso, Daum escalou um time próximo do que seria utilizado na maior parte da temporada e que logo se encaixaria. Na rodada inaugural, mandou a campo Immel: Schäfer, Dubajic, Buchwald; Buck, Sammer, Tremmel, Frontzeck; Gaudino; Walter e Sverrisson. A primeira vitória não tardaria a acontecer, vindo já na segunda partida, ante o Karlsruher, que tinha, defendendo sua meta, ninguém menos do que Oliver Kahn.
O Stuttgart só voltaria a perder na sétima jornada, contra o Dynamo Dresden.
A seu tempo, a liderança seria assegurada pela primeira vez na 10ª rodada. De modo impactante. Em seus domínios, o Stuttgart colocou o Kaiserslautern, campeão vigente, na roda: 4 a 1, de virada. Apesar disso, o prazer de estar no topo da tabela acabaria durando muito pouco. As três partidas seguintes foram um balde de água fria: empate com Hamburgo; e derrotas para Frankfurt e Nuremberg. Equilibrada como quase sempre, a Bundesliga exibia um intenso perde e ganha.
Naquela altura, o time já havia começado sua corrida em duas outras frentes. Pela Pokal, superara o Werder Bremen II, além do Wolfsburg e do Freiburger; na Copa da Uefa, deixara os húngaros do Pécsi Mecsek a ver navios.
Contudo, os acontecimentos do final de outubro e início de novembro seriam dolorosos: em três semanas, o time empatou com Dortmund, perdeu para Gladbach e venceu apenas o Stuttgarter Kickers pela Bundesliga. Foi, também, eliminado da Copa da Alemanha na prorrogação, contra o Bayer Leverkusen, e da Copa da Uefa, sofrendo um impactante 3 a 2 em casa, cortesia de um grupo do Osasuna que seria referido como “Heróis de Pamplona”, pelos catalães do Mundo Deportivo.
Com apenas uma frente para batalhar, o Stuttgart acordou. Perderia apenas mais duas vezes na competição, somando parcos seis empates.
“O grande mérito dele [Daum] no campeonato foi sempre nos empurrar contra os supostos oponentes mais fracos, antes das partidas. Não subestimávamos nenhum adversário. Assim, escorregamos muito menos do que, por exemplo, o Frankfurt”, diria Buchwald, anos mais tarde, em entrevista ao site oficial da DFB.
Defesa segura, ataque implacável
Até a derrota para o Gladbach, na 17ª rodada, o Stuttgart havia marcado 29 gols e sofrido 17. Nas 21 rodadas que se seguiram, balançaria as redes rivais mais 33 vezes, concedendo apenas 15 tentos.
O ataque manteve a marcha que já tinha penalizado Hansa Rostock, Düsseldorf, Nuremberg, Bayern e Stuttgarter Kickers com três gols e, além disso, Bochum e Kaiserslautern com quatro. Em especial, o artilheiro Fritz Walter se mostrou on fire. Foi a defesa que se acertou na metade final da competição. O esquema com três beques, destacando-se a liderança de Buchwald e as qualidades do líbero Dubajic, enfim rendeu os frutos esperados, dando mais liberdade para Sammer e Gaudino construírem o jogo dos Roten.
Assim, o time foi deixando seus adversários pelo caminho, um após o outro. Depois daquela derrota ante os Potros, emplacou cinco jogos de invencibilidade. Voltaria a ser batido na 23ª rodada, pelo Hansa Rostock. Dali em diante, seriam mais nove rodadas sem derrotas, até receber o troco do Bayern, que fazia campanha patética. E a derrota só não foi pior porque Immel ainda defendeu uma penalidade.
Foto: imago/Arte: O Futebólogo |
Porém, na sequência, o time não perderia mais. Em especial, o triunfo da 34ª rodada se tornaria uma recordação agradável. Nela, o Stuttgart recebeu o Dortmund e teve nervos para mandar os aurinegros para casa sem pontos na bagagem.
Quando Flemming Povlsen adiantou os visitantes no marcador, podia-se pensar no pior. Mas Thomas Helmer marcaria contra, igualando a disputa. Fritz Walter somaria dois tentos, dando respiro aos suábios. Contudo, Helmer marcaria outra vez, agora a favor de seu time. A tensão foi até os minutos finais, quando, aos 90’, Gaudino fez o 4 a 2, para alívio dos anfitriões. O Dortmund perdeu a liderança naquela tarde.
Desfecho de filme
Como quando os suábios venceram a Bundesliga de 1983-84, a decisão do título alemão de 1991-92 ficou para a última rodada. No entanto, a missão dos comandados de Daum seria bem mais dura do que a anterior.
O título dos anos 1980 já estava praticamente assegurado na rodada fatal. Gladbach e Hamburgo, rivais dos Roten na última partida, poderiam empatar em pontos com o Stuttgart, mas dificilmente superariam a diferença de saldo de gols. Para o Hamburgo, o déficit era de nove gols; para o Gladbach, de 17 tentos.
Para vencer a Bundesliga 1991-92, os suábios teriam que se superiorizar ao Borussia Dortmund, do artilheiro Stéphane Chapuisat e treinado por Ottmar Hitzfeld, e ao Eintracht Frankfurt, líder na abertura da rodada e que tinha em Andreas Möller seu grande artífice.
Os times estavam empatados em pontos, e a diferença de saldo favorecia largamente as Águias. Foram três decisões.
Em Leverkusen, o Stuttgart precisava vencer o Bayer, que lutava por vaga na Copa da Uefa. Era, de longe, a missão mais difícil, já que Dortmund e Frankfurt visitariam os quase rebaixados Duisburg e Hansa Rostock, respectivamente. A Salva de Prata oficial estava em Rostock.
Desde o princípio, foi necessário ter esperança. Aos nove minutos da etapa inicial, o Dortmund saiu na frente de seu jogo, assumindo a liderança temporária. A situação ficaria mais dramática para o Stuttgart onze minutos mais tarde, quando Martin Kree marcou para o Leverkusen. Pouco antes do final do primeiro tempo, Walter resgatou os suábios, que foram para o intervalo sabendo da vitória parcial dos aurinegros e do empate sem gols do Frankfurt.
Vinte minutos após a volta dos vestiários, a animação do time de Baden-Württemberg aumentou. O Hansa Rostock abrira a contagem contra o Eintracht. Ao Stuttgart, bastava um gol. Porém, dois minutos depois, o Frankfurt empatou. Enquanto isso, em Duisburg, seguia tudo igual, com vitória do Dortmund. “Era a coisa lógica que os meio-campistas avançassem em todos os ataques”, garantiu Buchwald.
A tensão se manteve até os minutos finais, mesmo porque Sammer foi expulso aos 34 da etapa fatal. Então, passaram-se mais nove minutos. “O gol veio após um corner, em que todos os bons cabeceadores estavam no ataque”, continuou Guido.
Pela ponta esquerda, Ludwig Kögl cruzou na cabeça de Buchwald. Era a virada do Stuttgart. Festa dos suábios, que logo ficou maior, quando a torcida, enlouquecida, recebeu a confirmação de que o Hansa Rostock havia marcado outra vez ante o Frankfurt. Nem esse placar, nem o do Dortmund voltariam a ser alterados.
A invasão da torcida suábia no gramado do Ulrich-Haberland-Stadion foi apenas uma consequência lógica. O Stuttgart era campeão outra vez. Ultrapassara o Frankfurt e somara os mesmos pontos que o Dortmund, tendo melhor saldo de gols.
Golpes duros demais na temporada seguinte
É difícil mensurar a importância dos principais jogadores daquela equipe que pouco se alterou. Immel, Gaudino, Dubajic, Frontzeck e Walter jogaram todas as partidas do Stuttgart na Bundesliga 1991-92. Exceto o último — artilheiro máximo do Campeonato Alemão, com 22 tentos —, os outros quatro estiveram presentes também nos jogos das copas. Por sua vez, Buchwald fez o inesquecível gol do título. Também Günther Schäfer seria lembrado por, de bicicleta, salvar uma bola na linha, naquela decisão ante o Leverkusen.
Mas ninguém era tão determinante quanto Sammer. Vice-artilheiro do time na temporada, Matthias era o coração da equipe, fazia de tudo um pouco. E, às vésperas da temporada 1992-93, foi negociado com a Internazionale.
Ali, começou a cair o castelo de cartas dos suábios. O golpe final viria em uma presepada do treinador do time, Christoph Daum.
Classificado para a Liga dos Campeões da Europa, o Stuttgart enfrentou o Leeds United na primeira fase. Na partida de ida, os alemães venceram por 3 a 0. Na volta, perderam por 4 a 1. Deveriam ter avançado à fase seguinte, através do critério do gol marcado fora de casa. O problema foi que Daum desrespeitou o limite de estrangeiros da competição, forçando a Uefa a admitir uma vitória por WO para o Leeds, sinalizando um triunfo inglês por 3 a 0. Tal decisão obrigou os times a disputarem um jogo de desempate. No Camp Nou, prevaleceu a força do time inglês.
“Em 1993, aconteceu apenas que caímos em um buraco profundo após o erro de substituição contra o Leeds. Muitos jogadores pensaram consigo: ‘O treinador sempre demanda tanta força e compromisso de nós, e ele sequer sabe que não se pode usar três estrangeiros na Liga dos Campeões’. Naquele momento, Christoph Daum não nos atingia”, confirmou, finalmente, Buchwald.
O treinador acabaria demitido e o time terminaria a Bundesliga na sétima posição. O caráter fantástico da temporada 1991-92 se transformou em tragicomédia no ano seguinte. Porém, não se olvida que aquele final de campeonato foi um dos mais incríveis da história do futebol alemão.
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