Herbert Chapman e a revolução que foi muito além do Arsenal
Não se fala na figura de Herbert Chapman sem, necessariamente, tratar do Arsenal. Foi comandando os Gunners que o treinador potencializou suas ideias; questões que iam além das quatro linhas, em um tempo em que o jogo envolvia pouca sofisticação. A vinda de taças, por certo, ajudou a consolidar seu nome no rol dos maiores de todos os tempos. Isso mesmo: de todos os tempos. A importância de Chapman rompeu as barreiras do norte de Londres e atingiu o futebol como um todo.
Construindo uma revolução
Filho de um mineiro, Chapman respirou sua primeira lufada de ar fresco em 1878. Sua trajetória parte de Kiveton Park, em South Yorkshire, pouco mais de 200 quilômetros distante da cidade que o consagraria. Porém, esse percurso não tinha nada de óbvio. Embora o futebol estivesse sempre à espreita, aquele atacante — a princípio amador — tinha outras coisas em mente. Dando um passo adiante em relação à trajetória de seu pai, estudou Engenharia de Minas, na instituição que se tornaria a Universidade de Sheffield.
Durante muito tempo, o futebol teve papel secundário em sua vida. Assim, foi passando por diversos times, do Kiveton Park ao Worksop Town, estadias entremeadas por caminhadas por Ashton North End, Stalybridge Rovers, Rochdale, Grimsby Town, Swindon Town e Sheppey United. Foi apenas em 1901, depois de todas essas viagens, que firmou seu primeiro contrato profissional. A chegada ao Northampton Town não seria, entretanto, tão marcante quanto o retorno.
Dos Cobblers seguiria para o Sheffield United, o Notts County e chegaria, curiosamente, ao Tottenham, na primeira viagem ao norte da capital inglesa. “Quando cheguei ao final da minha carreira, não tinha intenção de seguir no jogo. Eu tinha sido treinado como um engenheiro de minas, e queria voltar ao trabalho”, relatou em um livro de autoreflexões, publicado em 1934. Mal sabia que um retorno ao Northampton alteraria o curso de sua trajetória para sempre.
Um de seus companheiros nos Spurs, Walter Bull, havia sido convidado para treinar o antigo time de Chapman. A princípio, aceitando. Porém, voltou atrás em sua decisão, mas sem deixar os Cobblers de mãos vazias: indicou Chapman para a missão.
Depois de não chegar a um acordo com Sam Ashworth, o Northampton contatou Herbert, que abraçou a missão, sendo jogador-treinador entre 1907 e 1909, somando um título da Southern League e permanecendo no clube até 1912, quando foi substituído por ninguém menos que Bull.
Leeds City, Guerra, Huddersfield Town, e um anúncio de jornal
Quase uma década depois de deixar os Cobblers, Chapman atendeu ao seguinte anúncio de jornal:
“O Arsenal Football Club está aberto a receber propostas para a posição de treinador do time principal. Ele precisa ter experiência e possuir as melhores qualificações para o posto, requerendo-se tanto competência quanto grande personalidade. Cavalheiros cuja capacidade para formar um bom time dependam do pagamento de pesadas e exorbitantes verbas de transferências não precisam se aplicar”, noticiou o Athletic News.
Era o dia 11 de maio de 1925 e Sir Henry Norris, presidente do Arsenal, buscava um substituto para o comandante Leslie Knighton, que vinha liderando o time desde 1919. Chapman chegou a um acordo com os Gunners.
Ali, já carregava um grande capital de experiência.
Do Northampton, o treinador seguiu para o Leeds City, que, até aquela altura, era o principal time da cidade homônima, e que daria origem ao Leeds United. Foram seis anos chefiando os Peacocks. Em Elland Road, transformou um time fraco de segunda divisão em uma equipe competitiva. Em 1912-13 e 1913-14, ficou próximo do acesso à elite, até uma queda de forma em 1914-15.
Então, a Guerra. O futebol inglês ficou suspenso até 1919. Quando voltou, a vida foi dura com Chapman.
No ano de retorno das atividades do futebol, o Leeds foi dissolvido, por irregularidades financeiras. Herbert foi banido do esporte para sempre, e logo estava trabalhando numa fábrica de rações, em Selby, de volta a Yorkshire. Entretanto, a sorte lhe sorriria em 1921. Depois de dois anos longe dos campos, o treinador foi procurado pelo Huddersfield Town para ser auxiliar de Ambrose Langley, que atuara ao lado de Harry Chapman, irmão de Herbert, no The Wednesday (rebatizado como Sheffield Wednesday).
Foi feito um pedido à FA para levantar o banimento de Chapman. Este alegou que já estava trabalhando em uma fábrica de armas quando dos apurados malfeitos do Leeds City. O apelo foi julgado procedente e o treinador voltou ao futebol. O curioso é que seu estágio como auxiliar durou pouco: no mesmo 1921, Langley decidiu abrir um pub e deixou o futebol. O clube apenas promoveu Chapman.
Começou ali uma trajetória de sucessos que permitiria uma aplicação bem-sucedida ao cargo no Arsenal. Afinal, o treinador levou o Huddersfield ao título da FA Cup, em 1921-22, e ao bicampeonato nacional, entre 1923-25 — somando aos resultados uma forma de jogar que lhe garantia muita solidez defensiva e uma quantidade mais que satisfatória de gols.
Inovando e convencendo a todos
Trabalhar em Londres era um passo novo para Chapman. Um passo importante. Todavia, a verdade é que quase qualquer coisa que ele fizesse seria melhor do que o que vinha sendo feito.
Em 1925, o Arsenal não contava com qualquer prataria; jamais havia levantado uma taça. Pior, na campanha anterior, havia ficado uma posição acima do rebaixamento. Em um ano, Herbert o alçou ao vice-campeonato inglês, a melhor posição histórica do clube até então. Ainda não era um troféu, mas, certamente, uma melhoria.
Para pôr suas ideias em prática, o treinador buscou o atacante Charlie Buchan, no Sunderland. Esse movimento, além de se provar astuto dentro das quatro linhas, o foi fora delas.
Os Black Cats queriam quatro mil libras para liberar o veterano de quase 34 anos. Seu antigo clube dizia que o jogador era alguém que valia esse preço, já que garantiria 20 gols por temporada. Assim, convencido por Chapman, o Arsenal propôs uma negociação de duas mil libras fixas, mas £100 por gol marcado. Buchan fez um total de 21 e o Sunderland não reclamou ao receber mais do que o valor inicial. Muito menos Chapman, que havia convencido sua diretoria a investir e provado seu ponto.
Foto: Arsenal/ Arte: O Futebólogo |
Dentro dos campos, aquele ano foi propício às mudanças propostas por Chapman. Foi justamente em 1925 que a regra do impedimento chegou perto de adotar a forma moderna. Ali, foi determinado que eram necessários dois, não mais três, jogadores da equipe que se defendia entre o último atacante rival e a meta — o que incluía o goleiro.
Assim, sem precisar mais de duas peças na retaguarda para controlar a linha de impedimento, o treinador afirmou, de uma vez por todas, algo que já começava a se verificar. O center-half desceu no campo, ganhando a função de stopper, enquanto os dois defensores comuns ao esquema clássico 2-3-5 assumiram funções mais abertas. Além disso, Chapman percebia que poderia recuar alguns de seus atacantes. Desse modo, atrairia marcadores e ocuparia melhor um espaço pouco utilizado — o meio-campo — surpreendendo seus adversários.
A linha de cinco atacantes foi dividida, originando um 2-3, com dois pontas espetados, um centroavante e, agora, com dois atacantes interiores, trabalhando nos espaços. Como registra Jonathan Wilson, em A Pirâmide Invertida, o treinador acreditava que os passes por dentro seriam mais mortais, “embora menos espetaculares”, que as jogadas pelas pontas visando cruzamentos ao centroavante.
Adepto do jogo de troca de passes escocês, Chapman encontrou em Buchan um atleta inteligente o suficiente para ler esses espaços e atacar a partir de uma função mais recuada. O 3-2-2-3, ou WM, logo passou a ser um sucesso, embora rejeitado por boa parte da crítica.
O Arsenal é uma potência inglesa
Buchan pendurou as chuteiras em 1928, mas ali Chapman já não tinha tanta dificuldade de convencer a direção a buscar os jogadores que desejava. Seu ex-comandado foi excepcionalmente bem substituído por Alex James, ex-Preston North End, um atleta que permaneceria em Highbury até 1937 e que custou £8,75 mil.
O jogo de passes era só uma das facetas do jogo de Herbert. A ele também é atribuída a criação do contra-ataque. Não que os times não contragolpeassem uns aos outros até então. Só não o faziam de forma intencional, mas instintiva.
Diz-se que o comandante teria proferido a célebre frase: “A hora mais oportuna para marcar é imediatamente após repelir um ataque, porque os oponentes estão plantados na metade errada do campo”. E, apesar disso, Chapman era também um romântico que acreditava que o futebol seria melhor sem a insana batalha pelo resultado.
Sua atuação fora dos campos também se diferenciava em muito do que era praticado até então. Chapman costumava promover reuniões com a equipe para discutir as táticas dos adversários. Além disso, cuidava de tudo o que podia. Quando ainda no Huddersfield requisitou a troca do gramado e a reforma das cabines de imprensa do estádio do time. No Arsenal, exigia a presença de profissionais de fisioterapia e de olheiros capazes de encontrar os jogadores que melhor se encaixassem em sua proposta.
Nem o metrô de Londres escapou à sua intervenção. Foi dele a ideia de mudar o nome da estação que levava ao estádio de Highbury. Em 31 de outubro de 1932, segundo conta o The Arsenal History, a Gillespie Road passou a se chamar Arsenal, marcando na cidade o clube — o único a ter uma estação batizada em sua referência.
E a prataria? Depois daquele primeiro vice-campeonato nacional, o Arsenal ficou em segundo lugar na FA Cup de 1927. Perdeu marginalmente, 1 a 0, para o Cardiff, diante de 91.206 pessoas, no antigo Wembley.
Porém, a primeira taça veio justamente nessa competição, mas três anos mais tarde e, insolitamente, contra o Huddersfield e diante de uma multidão ainda maior, 92.499 pessoas. Coube ao defensor Tom Parker a honraria de levantar o primeiro troféu dos Gunners. E não pararia ali: o Arsenal seria hegemônico nos anos 1930.
Um vencedor em vida e morte
A primeira liga inglesa chegou ao clube alvirrubro em 1930-31. Sob a batuta de Chapman, o time asseguraria, ainda, a conquista de 1932-33. A verdade é que o treinador não foi nunca deposto de sua condição de líder arsenalista. Porém, no início de 1934, no alto inverno inglês, contraiu uma gripe, depois de assistir a uma partida do terceiro time do Arsenal. Ela, rapidamente, evoluiu para uma pneumonia. O óbito, em 6 de janeiro, foi inevitável. Tinha 55 anos.
Apesar disso, seu trabalho recebeu a devida continuidade. Primeiro por Joe Shaw, depois por George Alisson. Naquela década, ainda vieram os títulos ingleses de 1933-34, 1934-5 e 1937-38. Sabe-se lá o que teria acontecido sem a interrupção das disputas futebolísticas durante a Segunda Guerra. O fato é que, de Chapman em diante, o Arsenal se tornou um time que vence. Pode passar alguns períodos afastado das vitórias, mas sempre retoma o caminho dos títulos.
Quando ao futebol, bem, este bebeu com gosto da fonte do WM, que prevaleceu como tática dominante até os anos 1950, uma época em que, dentre outros, húngaros e brasileiros imprimiram uma nova marca no futebol. Era uma nova evolução, que não se sabe de onde partiria sem os ensinamentos daquele candidato a engenheiro de minas.
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