Um time sem casa: a primeira passagem do St. Pauli pela Bundesliga
Nos campos, a vida do St. Pauli nunca foi fácil. Mesmo durante as fases menos brilhantes de seu grande rival, o Hamburgo, os Piratas se mantiveram longe dos holofotes. Apesar disso, desde meados dos anos 1980, o clube conquistou status cult. A partir da influência de novos torcedores, provenientes de movimentos como o Okupa, que promoviam ocupações de imóveis vazios, o St. Pauli se tornou um clube de resistência e apoio às minorias. Porém, essa não era sua realidade em 1977-78. Ali, só ficou mais evidente o papel de “primo pobre” da cidade de Hamburgo.
Constantemente batendo na trave
Após o término da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha precisou de quase duas décadas para reorganizar seu futebol. Só em 1963 foi disputada a primeira Bundesliga. Até ali, o esporte era regionalizado. Desse modo, da Oberliga Nord — a competição em que o St. Pauli concorria — rumaram à elite Hamburgo, Werder Bremen, Eintracht Braunschweig e Hertha. Aos Piratas restou a disputa da Regionalliga Nord, até 1974, quando foi criada a 2. Bundesliga.
Nesse período, marcado pela efervescência da região de St. Pauli, notadamente em Reeperbahn, de famosos bordéis, casas de strip e bares, onde a juventude artística hamburguesa se unia ao operariado local, o clube de futebol bateu na trave insistentes vezes. Em quatro ocasiões, venceu a Regionalliga Nord (1963–64, 1965–66, 1971–72 e 1972–73), e em dois momentos (1970-71 e 1973-74) ficou com o vice-campeonato.
No entanto, o acesso à elite do futebol alemão dependia de uma nova disputa. Campeão e vice de cada Regionalliga (Nord, West, Berlin, Südwest e Süd) eram divididos em dois grupos. Os vencedores de cada um ascendiam. O St. Pauli nunca conseguiu. Aquilo tudo foi um enorme drama. Especialmente na temporada 1965-66, quando o time somou o mesmo número de pontos do Rot-Weiss Essen, mas ficou para trás no saldo de gols.
Foto: Witters/Arte: O Futebólogo |
“Os times do oeste e do sul simplesmente eram mais competitivos”, falou o antigo meio-campista da equipe, Alfred Hussner, ao site oficial do St. Pauli, em 2014. “Nós realmente tínhamos um grande time para as condições do futebol do norte da Alemanha. Mas falhamos miseravelmente nos jogos de acesso”, completou seu ex-companheiro, Rolf Höfert. Os jogadores atuaram juntos entre 1971 e 1974.
Contudo, com a formação da 2. Bundesliga, a sorte do clube começou a mudar. Em 1974-75, a nova segundona foi formada a partir de dois grandes grupos, Nord e Süd. Agora, os dois campeões subiam diretamente e os vices se digladiavam por uma última vaga. Com lugar assegurado, o time prosperou, mas não de imediato. Na primeira campanha, ficou em terceiro, mantendo a sensação de que o êxito lhe escapava pelos dedos.
A seguir, o St. Pauli fez um campeonato ruim, terminando em 13º. Tudo para, em 1976-77, enfim ascender. Sem playoffs. Como campeão.
Ascensão e queda
Embora o St. Pauli já estivesse no olho do furacão da “subversão” de Hamburgo, até ali o time não gerava grande engajamento. O famoso estádio Millerntor ainda respondia pelo nome de Wilhelm-Koch-Stadion. Era uma homenagem ao homem que, exceto por um pequenino período, presidira o clube entre 1931 e 1969, e que havia sido goleiro do time predecessor. Contudo, aquele era um nome controverso, dada a comprovada ligação do exaltado mandatário com o Partido Nazista, durante a Segunda Grande Guerra.
Não era só o nome do estádio que separava o St. Pauli do estatuto a que seguiu, a partir dos anos 1980. A baixa lotação da casa da equipe era um problema que a direção do clube queria evitar em sua primeira passagem pela elite. Na 2. Bundesliga de 1976-77, o time havia acumulado uma média de 7,5 mil torcedores por jogo. Então, podia receber pouco mais de 20 mil. Apesar disso, poucos quilômetros distante dali estava o famoso Volksparkstadion.
Foto: Witters/Arte: O Futebólogo |
Aquele estádio, que recebera partidas da Copa do Mundo de 1974, era imponente. Comportava mais de 60 mil espectadores. Mas, era território inimigo. Lá, atuava o Hamburgo e, além de tudo, o campo estava em uma zona que não pertencia ao seu público. Ainda assim, foi onde o St. Pauli escolheu sediar considerável parte de seus encontros na elite.
Dos 17 jogos que fez como mandante, 12 foram disputados na casa de seu grande inimigo. E os resultados foram horríveis: sete derrotas, três empates e apenas duas vitórias, contra 1860 München e Fortuna Düsseldorf. Curiosamente, até o dérbi local com seu mando, o encontro ante o Hamburgo, foi disputado no Volksparkstadion.
Quando jogou em sua verdadeira casa, o desempenho foi bem melhor: três vitórias e dois empates.
Apesar de vencer o rival no primeiro turno, o ano acabou sendo tenebroso, com o time terminando o certame na última posição e, portanto, rebaixado. Foram acumuladas 22 derrotas, em 34 rodadas. O St. Pauli teve, de longe, a pior defesa, concedendo 86 gols.
Nem o lado financeiro daquela opção controversa correspondeu às expectativas. A média de público subiu, sim, como era esperado ante o acesso. O St. Pauli recebeu uma média de 13.747 pessoas, que poderiam, perfeitamente, ter sido alocadas no Wilhelm-Koch-Stadion. Como comparativo, o Hamburgo levou média de 31.353 espectadores naquele ano.
Nem o lado financeiro daquela opção controversa correspondeu às expectativas. A média de público subiu, sim, como era esperado ante o acesso. O St. Pauli recebeu uma média de 13.747 pessoas, que poderiam, perfeitamente, ter sido alocadas no Wilhelm-Koch-Stadion. Como comparativo, o Hamburgo levou média de 31.353 espectadores naquele ano.
Foto: NDR.de/Arte: O Futebólogo |
Um novo clube
De volta à 2. Bundesliga em 1978-79, o time fez uma campanha insossa. Ficou em sexto lugar, 10 pontos atrás do KFC Uerdingen, o primeiro que ascendeu à elite. Mas aquilo não foi o fundo do poço, porque o St. Pauli acabou rebaixado. À beira da falência, não conseguiu renovar sua licença e avançou à terceirona. Estava destinado a ser um clube qualquer. Pequeno, inexpressivo e fracassado.
Aos trancos e barrancos, foi vivendo. Em 1983-84, até conseguiu acesso à segunda divisão. Apenas para cair outra vez, no ano seguinte. Contudo, voltaria em 1986-87, terminando em terceiro. Naquela altura, esse lugar já dava direito à disputa de playoffs contra o antepenúltimo da Bundesliga, por uma vaga na elite. O Sr. Pauli perdeu. Mas já não era um clube ordinário. Nas arquibancadas começavam a se notar novos rostos.
Desde a campanha de 1985-86, ainda na Oberliga Nord, o time viu sua média de público dar um salto de 2.197 para 8.168 no ano seguinte, já na 2. Bundesliga. Então, em 1988-89, no retorno à Bundesliga, os números chegaram aos 20.909. Eram novos tempos.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
O clube com nome de santo já havia adotado a caveira como símbolo. Passara a se anunciar abertamente como antifascista. Alcançara um prestígio local maior do que o de qualquer outra época. Ao seu redor, a região abandonava anos de obscuridade e dureza, que vinham desde meados dos anos 1970 e explodiram com a descoberta da AIDS, e retomava seu prestígio como ponto contracultural.
No século XXI, a principal luta da região é contra a contínua gentrificação da área, que tem dificultado a vida dos locais. Mas, contra isso, St. Pauli tem no estádio Millerntor uma fortaleza e, no clube, uma instituição disposta a defender seus interesses. Afinal, no fim das contas, desde os anos 1980, os interesses deixaram de ser “seus”, passando a ser “nossos”. Entretanto, segue sendo importante lembrar: nem sempre foi assim. O Volksparkstadion e os anos 1970 se lembram.
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