Hennes Weisweiler, o treinador que tentou medir forças com Cruyff no Barcelona
Em nenhum outro momento histórico do futebol a rivalidade entre Alemanha e Holanda esteve tão em voga quanto nos anos 1970. Se Feyenoord e Ajax ofereceram aos Países Baixos um tetracampeonato europeu consecutivo, pelos alemães o Bayern respondeu com um tri. Enquanto isso, a Seleção Alemã conquistou a Euro 1972 e o Mundial de 1974, ao custo do encanto da Oranje, finalista vencida. Esse foi o cenário em que o Barcelona definiu que caberia a um germânico o comando de um elenco liderado por um craque neerlandês.
Sai Michels, entra Weisweiler
Depois de alcançar sucessos com o Ajax, Rinus Michels foi aposta do Barcelona em 1971. Os catalães não venciam um Campeonato Espanhol desde a temporada 1959-60. A tentativa era justificada. O holandês vinha de uma sequência de vitórias em Amsterdã. Com estilo. Era tudo o que os culés precisavam para fazer frente ao rival Real Madrid, de muitas vitórias na década anterior.
Apesar de ter alcançado algum sucesso — vencendo a última edição da Copa das Feiras, em 1971, e devolvendo o clube ao lugar mais alto do pódio do nacional, em 1973-74 —, Michels viu seu ciclo se acabar em 1975. Naquela altura, já havia convencido os Johan, Cruyff e Neeskens, a seguir seu caminho, deixando o Ajax rumo ao Camp Nou.
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo |
Então, o Mundo Deportivo fez ressoar os motivos da mudança de comando, na edição do do dia 19 de junho de 1975:
“Se nos últimos tempos surgiu tensão entre ele [Michels] e a direção, cabe dizer que em nenhum momento da história do Barcelona alguma diretoria foi tão valente para manter um treinador [...] O espírito de continuidade, tão necessário para que um técnico possa desenvolver um trabalho eficiente, foi levado à cabo [...] A recém-terminada campanha, com a decepção consequente, tinha que encontrar uma grande vítima: ou ele ou Cruyff”, relatou o MD.
Assim, o Barcelona se voltou à outra escola vencedora da época. Do Borussia Mönchengladbach, clube que havia vencido recentemente três vezes o Campeonato Alemão, uma a Pokal e em outro turno a Copa da Uefa, trouxe o treinador Hennes Weisweiler.
Foto: Picture Alliance/ Sven Simon/Arte: O Futebólogo |
Imediatamente, o novo chefe foi perguntado sobre a presença de Cruyff, respondendo categoricamente: “Minhas relações com Cruyff sempre foram excelentes. Espero que continuem da mesma forma. Ele é um grande jogador e conto com ele porque deve dar bons frutos à equipe do Barcelona”, disse à edição do periódico supracitado, em 16 de julho.
Os eventos do dia 08 de fevereiro de 1976
Logo em sua chegada, questionado sobre seu estilo de trabalhar — ao que constava à imprensa espanhola, duro —, Weisweiler desconversou: “Não se pode falar antes do tempo. Primeiro, me deixem trabalhar, depois poderão dizer como sou”. Foi desse modo que começou um trabalho que nunca decolou.
Quando chegou o dia 08 de fevereiro, havia um princípio de crise rondando o clube da capital catalã. Em terceiro lugar no Campeonato Espanhol, o time havia sofrido uma imprevista derrota para o Salamanca duas rodadas antes e na última vencera, sem brilho, o Athletic Bilbao. As escolhas de Weisweiler vinham sendo constantemente questionadas e os relatos indicavam o crescimento de uma insatisfação no seio do elenco catalão.
Então, aconteceu o fatídico encontro contra o Sevilla. No estádio Ramón Sánchez Pizjuán, o Barça perdeu para os donos da casa, 2 a 0.
Foto: Mundo Deportivo |
A responsabilidade de um dos gols foi atribuída pelo treinador a Cruyff, substituído aos 70 minutos daquele encontro — algo que ainda não havia acontecido na temporada. “Otra decepción” estampou em suas primeiras páginas o Mundo Deportivo, antes de ralhar com a substituição: “Hoje, o holandês, sem chegar perto do nível de jogo que cabe lhe exigir, foi de longe o melhor jogador azulgrana”.
Os problemas não cessaram ali. Weisweiler soltou o verbo: “Cruyff quer jogar como no Ajax e não se dá conta de que com as atuais características do Barcelona isso é impossível [...] Tenho paciência, mas isso tem limite”. O astro holandês não deixou barato e respondeu: “Não só não me surpreendi como praticamente esperava isso. Há várias semanas que Weisweiler quer me tirar do time [...] Não estou disposto a aceitar esse papel [...] Sei quando jogo mal”, disparou, conforme noticiou o MD de 11 de fevereiro.
Evidentemente, a rixa não morreu ali. Muitos anos mais tarde, em 2015, o Diário AS recuperou alguns outros termos que teriam sido usados ali. Enquanto Cruyff acusava Weisweiler de não ter ideias ou critério, o comandante rebatia dizendo que não era difícil treinar o Barcelona, mas sim trabalhar com o holandês.
Desfecho com vencedor
O caldo voltou a entornar no final de março. Primeiro, o Barcelona perdeu para o Las Palmas. Depois, para o Liverpool, na partida de ida das semifinais da Copa da Uefa. Logo, após os infortúnios, a direção culé acertou a renovação do contrato de Cruyff por mais um ano. Então, o que parecia inevitável aconteceu: a saída de Weisweiler.
Aos alemães do Bild, o treinador explicou a decisão: “Ao lado de Cruyff não posso trabalhar mais, um novo ano juntos teria sido para mim um ano perdido. Cruyff é um jogador extraordinário sobretudo quando joga em casa, no campo do Barcelona. Mas como pessoa...”.
Foto: Mundo Deportivo |
Por sua vez, Cruyff, que evidentemente saiu vencedor daquela queda de braço, não polemizou:
“Creio que seja necessário desvincular minha renovação desta saída [de Weisweiler], porque são duas questões distintas e há que as manter separadas [...] Não sou a pessoa mais indicada para responder a essa questão [sobre um possível fracasso do treinador alemão]. É algo que diz respeito à diretoria, que é quem toma as decisões”, reportou o MD, em 3 de abril.
Desse modo, Laureano Ruiz, que trabalhava nas categorias de base do Barça, foi o responsável por guiar a equipe até o término daquele ano. O time fechou 1976 eliminado da Copa do Rei nas quartas de finais, ante o Atlético de Madrid. Também caiu na Copa da Uefa, na mencionada eliminatória contra o Liverpool, e ficou em terceiro em La Liga. A seguir, as coisas caminharam em um sentido que não era esperado.
A volta dos que não foram
Depois das experiências com o inglês Vic Buckingham, com Rinus Michels e Weisweiler, era esperado que a diretoria catalã buscasse um novo treinador no mercado nacional. O mais cotado era Lucien Muller, francês radicado na Espanha e que havia atuado no clube como atleta. No entanto, talvez por influência dos maiores astros da equipe, o clube recorreu a um velho conhecido: Michels retornou às vésperas da temporada 1976-77.
E ele foi outra pessoa a comentar o racha vivido por Cruyff e Weisweiler. “Os dois se equivocaram. Seus problemas jamais deveriam ter transcendido. Tinham que ter resolvido com o diálogo. O dia em que me inteirei de que não se falavam, há um par de meses, pensei que já não havia solução. Os dois são culpados porque colocaram seus interesses pessoais por cima dos do clube”, falou em maio daquele 1976.
Foto: Koln/Arte: O Futebólogo |
Se Michels voltou ao Barcelona, permanecendo por duas temporadas e vencendo uma Copa do Rei, Weisweiler também retornou às suas origens.
O alemão voltou ao Colônia, clube em que atuara, fora jogador-treinador e, depois, firmara-se no cenário nacional como técnico. De volta à Alemanha, alcançou sucessos, vencendo a Copa da Alemanha, em 1977 e 1978, e a Bundesliga, em 1978. Cruyff, por outro lado, ficou no Barça até 1978, retornando mais tarde como treinador e mudando a cara do time para sempre. Ao final, o desfecho daquela briga não foi ruim para nenhuma das partes envolvidas.
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