Como Otto Rehhagel e Werder Bremen cresceram juntos e alcançaram o topo

Tudo começou em 1981. Naquele ano, o treinador Otto Rehhagel assumira um Werder Bremen recém-saído da segunda divisão. Embora fosse uma competidora habitual na Bundesliga, a equipe do noroeste da Alemanha só tinha levantado a Salva de Prata uma vez, no longínquo ano de 1964-65. Naquela época, não era vista como uma grande força. Mas foi se tornando. Levantou taças e até viveu um milagre na Liga dos Campeões de 1993-94, em um jogo contra o Anderlecht.

Otto Rehhagel Werder Bremen Pokal
Foto: imago/Arte: O Futebólogo

O resgate de Otto Rehhagel


Rehhagel desembarcou em Bremen com a espinhosa missão de fazer surgir uma nova potência futebolística na Alemanha; precisava resgatar o orgulho dos homens de verde e dar ao Hamburgo um rival regional de verdade. Filho da trabalhadora Essen, no Vale do Ruhr, parecia o homem certo para o trabalho. Vinha forjando fama de milagreiro, mas ainda precisava se provar mais.

Ele havia vencido a Copa da Alemanha duas temporadas antes com o Fortuna Dusseldorf; levara o time às quartas de finais da Recopa da Uefa no ano seguinte; e assegurara sua permanência na elite. Assim, qualificara-se àquele trabalho, retornando ao clube que treinara brevemente em 1976. Homem forte, defensor de uma rígida ética de trabalho, também alcançaria êxitos às margens do rio Weser.

Logo na primeira campanha, de retorno à elite, colocou o Werder na quinta colocação. Na seguinte, 1982-83, foi vice. Porém, ficar em segundo não era para ele. Qualquer que fosse seu time, precisava ganhar. E, para isso, tinha ideias bem definidas sobre a forma de dirigir uma equipe.

“Dos jogadores que encontrei aqui, apenas Jonny Otten e Thomas Schaaf seguem. [Ao longo do tempo] Eu mostrei aos jogadores como se comportar: sem álcool, sem cigarros! [...] Estou totalmente comprometido com o clube e os jogadores aceitam isso. Quando os critico, é sempre sobre o desempenho, nunca sobre a pessoa. Como seres humanos, amo a todos. Você nunca pode machucar as almas dos atletas”, falou em entrevista concedida ao Kreiszeitung, em 1992.

Na cancha, preferia, acima de todas as coisas, assegurar a solidez de sua retaguarda. Para isso, acostumou-se a usar formações com dois zagueiros altos e duros na queda, além de um líbero (uma tendência na Alemanha da época). Também exigia pressão intensa e constante de seus homens de lado de campo e do centro. Tudo isso tendo em vista um objetivo último: fazer a bola chegar a um homem de referência, outra peça de que raramente abria mão.

Rudi Voller Werder Bremen
Foto: imago/ Arte: O Futebólogo

Além disso, tendo todo o clube nas mãos, forjou uma reputação como descobridor de talentos. Aos seus olhos, não passaram despercebidas as qualidades de Rudi Völler, Frank Neubarth e Karl-Heinz Riedle, contratados ainda garotos. Da base, promoveu peças como Marco Bode e Frank Ordenewitz.

Por outro lado, Rehhagel também nutria enorme apreço por veteranos e parecia um mago na arte de extrair as últimas, mas preciosas, gotas de suor deles — o que ficou claro nas figuras de Mirko Votava ou Klaus Allofs. Para vencer, Otto precisava do coração e do espírito dos mais velhos e das pernas e vontade de progredir dos jovens.

Bicampeonato alemão e glória europeia


Foi na sétima temporada de Rehhagel no Weserstadion que, finalmente, chegou a primeira taça, depois de várias campanhas boas. As coisas saíram exatamente como o chefe planejou.

O trio defensivo formado por Gunnar Sauer, Ulrich Borowka, Rune Bratseth, além do goleiro Oliver Reck, consagrou a melhor retaguarda. O Werder Bremen concedeu apenas 22 gols aos seus adversários, em 34 rodadas. Já o ataque, ainda que tenha sido apenas o quarto mais eficiente, fez o suficiente. Em 1987-88, foram 61 os tentos anotados, 33 cabendo à dupla formada por Ordenewitz (15) e Riedle (18).

Esse título abriu caminho para outros. Logo, vieram as primeiras Supercopa da Alemanha (1988) e Copa da Alemanha (1990-91). O time também acabaria com o vice-campeonato da Pokal em 1988-89 e 1989-90 e da Supercopa em 1991-92. Pouco depois, tambén ficou confirmada a força da equipe em terreno continental, com a vitória sobre o Monaco, de George Weah e treinado por Arsène Wenger, na Recopa da Uefa de 1991-92.

Otto Rehhagel Werder Bremen Bundesliga Title
Foto: Thomas Wattenberg/ Arte: O Futebólogo

Na oportunidade, antes da disputa da finalíssima, no estádio da Luz, em Lisboa, Rehhagel refletiu sobre sua passagem por Bremen, também ao Kreiszeitung.

“Em 11 anos com o Werder, o clube cresceu, tornou-se campeão nacional, campeão de copa, disputou a Copa dos Campeões e três finais em Berlim e agora uma final europeia. Além disso, o clube gerou tanto dinheiro com boas transferências de jogadores que treinamos em Bremen que foi capaz de financiar uma boa parte da expansão do estádio. Tudo isso em meio a condições estruturais difíceis”.

Sim, o Werder Bremen promoveu uma reforma no Weserstadion em 1989. Anos antes, havia faturado milhões com a venda de Völler à Roma e, pouco depois, ganharia outra nota vinda da capital italiana, com a saída de Riedle à Lazio. Mesmo sem os dois, ganhou a Recopa e, no ano seguinte, 1992-93, voltou ao topo da Bundesliga. Outra vez, com a melhor defesa, que sofreu apenas 30 tentos. Agora, com o terceiro melhor ataque — comandado pelo neozelandês Wynton Rufer, autor de 17 gols.

Motivação na Liga dos Campeões


Apesar das incontestáveis glórias nacionais e internacionais, o olimpo do futebol europeu só é alcançado a partir de uma conquista: a Liga dos Campeões. E, como se a pompa e a circunstância da competição não fossem motivo suficiente para se lutar com unhas e dentes pela famosa taça, havia ainda um outro motivo no caso do Werder: alcançar o rival, já que o Hamburgo levantara a orelhuda em 1982-83.

Classificado para a edição de 1993-94, o Werder Bremen envidou todos os seus esforços na batalha pela inédita taça. Isso ficou claro nas duas fases iniciais, quando os Werderaner bateram o Dínamo Minsk, por 6 a 3, e o Levski Sofia, 3 a 2, ambos no agregado. Porém, naquele ano, vencidas estas etapas, formavam-se dois grupos. E foi aí que o caldo verde entornou.

Otto Rehhagel Werder Bremen
Foto: imago/ Arte: O Futebólogo
Dividindo grupo com duas potências continentais que já haviam vencido o certame, Porto e Milan, o Werder acabou na terceira posição do Grupo B e não avançou às semifinais. No entanto, fez bons jogos e, exceção feita a uma goleada sofrida ante os portugueses, vendeu caro à desclassificação. Ninguém entendeu isso tão bem quanto o quarto elemento daquele grupo, o Anderlecht.

O Milagre de Weser


Weserstadion, 8 de dezembro de 1993. Atônitos, os torcedores alemães presenciam um baile belga. Passados 33 minutos, o placar indica supremacia dos Mauves et Blancs. O Anderlecht destrói o Werder Bremen: 3 a 0. Após escanteio, Philippe Albert marca o primeiro. Com um chute excepcional de canhota, no ângulo de Reck, Danny Boffin amplia. E é ele quem aproveita o ressalto de um chute ruim para fazer o terceiro. Assim termina a etapa inicial.

Como um time tão sólido defensivamente foi sofrer três gols do Anderlecht em seus domínios e em apenas um tempo?

Não se sabe. E também não se sabe de onde veio a força dos homens de verde para, em 24 minutos, honrar suas cores e emblema. Aliás, sabe-se: da experiência de Rufer e Bratseth; e da juventude de Bode e Bernd Hobsch.

Aos 66’, Rufer foi lançado nas costas da defesa belga e tocou por cima do arqueiro rival. Seis minutos mais tarde, a bola foi alçada na área, e Bratseth anotou de cabeça. Foi apenas aos 81’ que o placar foi equalizado. Após cruzamento da esquerda, Hobsch testou para o fundo das redes.



Como se sabe, o psicológico ganha e perde partidas. Abalados, os jogadores do Anderlecht se entregaram perante à eletricidade que saía dos pés alemães. E, quando a zaga belga deixou de afastar a bola que teimou em pingar na sua área, Bode fuzilou o goleiro: 4 a 3. Que virou 5 a 3, quando, livre de marcação e diante de um gol abandonado por um arqueiro perdido, Ruter deu números finais à contenda. Nascia ali o Milagre de Weser, um dos jogos mais emblemáticos da história da competição continental em todos os tempos.

Em termos práticos, aquela virada não serviu de nada, mas mostrou que, com Otto Rehhagel no comando, desistir nunca seria uma opção. Ao final daquela temporada, o time ficou apenas na oitava posição na Bundesliga, mas levou mais uma Copa da Alemanha e uma Supercopa, na sequência.

Contudo, o ciclo do homem de Essen no noroeste germânico chegou ao fim em 1995, quando ele firmou com o Bayern de Munique. Por outro lado, o Werder caminhou para se tornar um time de meio de tabela, antes de viver um novo auge nos anos 2000. Com Rehhagel, o Werder aprendeu a ganhar. Com o Bremen, Otto pôde se mostrar ao mundo. Juntos, clube e treinador se alavancaram, em uma relação simbiótica poucas vezes vista no mundo da bola.

Comentários