Com John Aldridge, Real Sociedad abriu portas e mudou sua história
O fato de o Athletic Bilbao não contratar jogadores sem origens bascas é notório. O clube costuma ser visto com curiosidade e admiração por manter uma postura de apoio à comunidade local tão forte. Menos difundida é a história de sua grande rival no que diz respeito ao mesmo assunto. Durante longos anos, a Real Sociedad manteve a mesma política. Até que não mais. Até que um desmanche e os conselhos de John Toshack convenceram a diretoria a mudar. Até que apareceu a figura de John Aldridge.
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo |
Mudar para competir
Ao contrário do que o vitorioso início da década sugeria, o final dos anos 1980 foi ruim para a Real Sociedad. Ídolos como o goleiro Luis Arconada ou o meio-campista Jesús Mari Zamora se aposentaram. Destaques da qualidade de Txiki Begiristain partiram para o Barcelona. E o pior: o time também não conseguiu segurar o atacante Loren. Revelado no próprio clube, ele firmou com o rival Athletic, que levava os melhores jovens da região para Bilbao.
Depois de viver proveitosas temporadas sob o comando do galês John Toshack (que partiu para o Real Madrid em 1989), conquistando inclusive uma Copa do Rei em 1986-87, os Txuri-urdin se viram em maus lençóis. Não só não possuíam condições financeiras de impedir a saída de seus destaques para potências com Barcelona e Real Madrid. Também não eram capazes de persuadir os melhores jovens da região a se juntar ao clube, em detrimento de seu maior antagonista.
Foto: Diario AS/ Arte: O Futebólogo |
Espanhóis? Não. Estrangeiros? Sim. A começar pelo irlandês John Aldridge, contratado para suprir a ausência de Loren.
O centroavante chegara bem recomendado. Vinha do Liverpool, clube que havia defendido por duas temporadas e meia. Ele deixara Anfield com bons números: em 104 jogos, fora às redes 63 vezes. Parecia ser exatamente o que a Real Sociedad precisava, em termos de qualidades. E foi, abrindo caminho para novas investidas no exterior.
O centroavante chegara bem recomendado. Vinha do Liverpool, clube que havia defendido por duas temporadas e meia. Ele deixara Anfield com bons números: em 104 jogos, fora às redes 63 vezes. Parecia ser exatamente o que a Real Sociedad precisava, em termos de qualidades. E foi, abrindo caminho para novas investidas no exterior.
O sucesso de John Aldridge
Em que pese seu destaque dentro das quatro linhas, Aldridge não foi pessoa bem quista desde o início. A decisão da diretoria de admitir forasteiros dividiu os envolvidos na causa txuri-urdin. Um dilema entre tradição e necessidade se formou e quem pagou o pato foi o irlandês.
Apesar dos olhares desconfiados, a partir da quinta partida com a camisa do clube, a vida foi se tornando mais fácil para ele. Afinal, não era qualquer um que conseguia marcar dois gols no Barcelona de Johan Cruyff, levando o time a se recuperar de um 2 a 0 em seu desfavor.
Apesar dos olhares desconfiados, a partir da quinta partida com a camisa do clube, a vida foi se tornando mais fácil para ele. Afinal, não era qualquer um que conseguia marcar dois gols no Barcelona de Johan Cruyff, levando o time a se recuperar de um 2 a 0 em seu desfavor.
Naquele ano, a Real Sociedad fez uma ótima campanha. Sem qualquer semelhança com a temporada anterior, em que ficou apenas com a 11ª posição, a esquadra de San Sebastián alcançou o quinto lugar. Levou, assim, uma vaga na Copa da Uefa de 1990-91. A importância de Aldridge ficou sublinhada pelo fato de o time não ter sido dos mais goleadores. De seus escassos 43 gols em 38 rodadas, 16 foram anotados pelo seu estrangeiro.
“[O começo] Foi estranho, claro. Mas o futebol fala por si mesmo. A maioria dos jogadores falava inglês e, mesmo que para eles não fosse normal receber um estrangeiro pela primeira vez, se comportaram muito bem comigo [...] Tratei de aprender o espanhol mais básico, porque eu era um clássico piadista de vestiário e pensei que com a fama que tem o humor britânico, fazer umas piadas me ajudaria a me integrar. [Meus companheiros] Eram uns meninos magníficos, dentro e fora do campo”, falou ao Mundo Deportivo, em 2014.
É bem verdade que Aldridge não foi o primeiro não-basco a representar o clube. Mas foi o primeiro de grande relevância.
Logo nos primeiros anos de existência (o time foi oficialmente fundado em 1909), dois ingleses vestiram a camisa azul e branca. Parecia algo natural, tendo em vista que o futebol foi introduzido no País Basco por ingleses e bascos em movimento de retorno da Inglaterra. McGuiness e e CF Simmons disputaram o primeiro jogo oficial do time. Já em 1937, o treinador Harry Lowe, também inglês, foi obrigado a atuar em uma partida, em razão de uma doença que tirou 11 jogadores de um confronto ante o Valencia.
Logo nos primeiros anos de existência (o time foi oficialmente fundado em 1909), dois ingleses vestiram a camisa azul e branca. Parecia algo natural, tendo em vista que o futebol foi introduzido no País Basco por ingleses e bascos em movimento de retorno da Inglaterra. McGuiness e e CF Simmons disputaram o primeiro jogo oficial do time. Já em 1937, o treinador Harry Lowe, também inglês, foi obrigado a atuar em uma partida, em razão de uma doença que tirou 11 jogadores de um confronto ante o Valencia.
No fim dos anos 1940, o italiano Aridex Calligaris fez duas partidas pelo clube. Já nos anos 1960, a Real recebeu o sueco Agne Simonsson de contrapeso, na negociação que levou o goleiro Josetxo Araquistáin ao Real Madrid. E é isso o que indicam os registros.
Voltando a Aldridge, ele foi ainda melhor em 1990-91. Embora a Real Sociedad tenha ido mal em La Liga, ficando com a 13ª colocação, o irlandês foi o vice-artilheiro do certame, com 17 gols — quase metade dos 39 anotados pelo time.
Porém, inadaptado ao modo de vida em San Sebastián, preferiu pedir para sair — decisão de que se arrependeria anos depois. Assim, retornou ao Merseyside para representar o Tranmere Rovers até 1998, empilhando gols e se tornando o segundo maior artilheiro da história da equipe (174G em 294J).
Porém, inadaptado ao modo de vida em San Sebastián, preferiu pedir para sair — decisão de que se arrependeria anos depois. Assim, retornou ao Merseyside para representar o Tranmere Rovers até 1998, empilhando gols e se tornando o segundo maior artilheiro da história da equipe (174G em 294J).
Sergio Boris e um outro marco
John Aldridge escancarou a porta da Real Sociedad para o talento de fora. Logo, foram passando pela equipe atletas como os portugueses Oceano e Carlos Xavier, o russo Valery Karpin ou o bósnio Meho Kodro. Anos mais tarde, já na década de 2000, o clube viveria dias de glória com uma dupla de ataque formada pelo turco Nihat Kahveci e o sérvio Darko Kovacevic. Todavia, os txuri-iurdin só passaram a admitir espanhóis não-bascos em agosto de 2002. Na ocasião, trouxeram o asturiano Sergio Boris, do Oviedo. Ele foi o primeiro em 35 anos.
Esse movimento já havia começado a se desenhar em 1999. Na oportunidade, a Real Sociedad apostara suas fichas na contratação do treinador Javier Clemente, um ícone do rival Athletic. Naquele momento, o presidente do clube já admitia trazer atletas de outras partes da Espanha a pedido do comandante. O que acabou não acontecendo até o citado 2002.
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo |
No entanto, mesmo depois do relaxamento da política de contratações do time, a Real Sociedad segue apostando em sua cantera. Porém, continua tendo dificuldades para lutar contra o poderio econômico das equipes mais ricas e contra a força do seu antagonista de Bilbao. Os casos das transferências de Antoine Griezmann ao Atlético de Madrid e de Iñigo Martínez ao Athletic são emblemáticos nesse sentido.
A polêmica sobre uma possível descaracterização do clube a partir da mudança nos padrões de contratação também nunca abrandou.
Em entrevista à revista Panenka, em 2018, a alpinista basca e torcedora do clube Edurne Pasaban deixou mais que evidente a dualidade que existe na realidade do time: “A Real Sociedad perdeu identidade quando abriu sua política de contratações ao mercado estrangeiro. Não sei, tenho sobrinhos que jogam em sua cantera e para mim seria bonito vê-los chegar ao mais alto. Apesar disso, entendo que a transformação veio para tornar o time mais competitivo”.
Em entrevista à revista Panenka, em 2018, a alpinista basca e torcedora do clube Edurne Pasaban deixou mais que evidente a dualidade que existe na realidade do time: “A Real Sociedad perdeu identidade quando abriu sua política de contratações ao mercado estrangeiro. Não sei, tenho sobrinhos que jogam em sua cantera e para mim seria bonito vê-los chegar ao mais alto. Apesar disso, entendo que a transformação veio para tornar o time mais competitivo”.
Tudo isso começou a partir da chegada de John Aldridge. Ou terá sido mediante a insistência de Toshack? O fato é que, uma vez que o movimento se pôs em marcha, não mais parou. Com algumas exceções, os grandes nomes txuri-urdin dos últimos 30 anos foram estrangeiros. O que não quer dizer que o clube tenha deixado de lado suas raízes ou o orgulho basco. Não seguir o caminho do Athletic não conduz a essa conclusão. Apenas dá mostra de como é a realidade do futebol em meio à globalização.
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