A caótica passagem de Materazzi pelo Everton
O zagueiro italiano Marco Materazzi ficou imortalizado como um dos protagonistas de uma das cenas mais pitorescas da história do futebol. Todo amante do esporte sabe que o beque sofreu uma cabeçada de Zinedine Zidane, na final da Copa do Mundo de 2006. Fora isso, pensar no homenzarrão é voltar a atenção aos times da Inter de Milão dos anos 2000. Apesar disso, há passagens menos notórias em sua carreira — como aquela pelo Everton, na temporada 1998-99.
Zagueiro artilheiro na Premier League
Em 1997-98, Materazzi viveu uma de suas temporadas mais emblemáticas. Anos antes de se destacar do lado nerazzurri de Milão, o beque prestou honrosos serviços ao Perugia. Um dos times ioiô da década de 1990 na Itália, o alvirrubro conseguiu o acesso à Serie A naquela campanha. Em uma disputa apertada, na temporada regular ficou um ponto atrás do Cagliari e teve de disputar um playoff contra o Torino para confirmar a subida.
A batalha com o Toro só foi decidida nos pênaltis. O Perugia converteu todos os seus e viu o anglo-australiano Anthony Dorigo desperdiçar sua chance. Um dos responsáveis pelas cobranças dos Grifoni foi Materazzi. O penal que viu a bola encontrar o fundo das redes foi apenas uma das várias oportunidades que converteu naquela temporada. Um dos zagueiros com mais gols anotados de sua geração, Marco fez cinco tentos na campanha. Dois asseguraram vitórias, um garantiu um empate. Era muito difícil que não chamasse a atenção de outras equipes.
Dessa forma, na janela do verão europeu de 1998, aos 25 anos, Materazzi desembarcou na cidade de Liverpool. O treinador do Everton de então, Walter Smith, acreditava ter conseguido um grande negócio, diante da confiança que exibiu quando da conclusão da contratação: “Ele é alto, agressivo, sabe passar a bola, tem um bom chute em faltas e é bom no ar nas bolas paradas”. A análise não estava errada, o problema é que alguns de seus atributos se tornaram evidentes pelo lado negativo.
Logo se notou um paradoxo: conforme a calma com a bola nos pés chamava a atenção, sobretudo em uma era sem tantos estrangeiros na Premier League, sua exacerbada agressividade na marcação também passou a dar nos nervos dos torcedores dos Toffees. A estreia em casa, contra o Aston Villa, foi um dos raros momentos tranquilos para o italiano. O zero não deixou o placar. Era o primeiro clean sheet que Marco, o primeiro italiano a representar o time, ajudava o Everton a obter.
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo |
Gol e vermelho: caos
Não demorou para ficar claro que Materazzi podia ser uma arma, mas que seus tiros podiam, com alguma frequência, sair pela culatra. Seus passes arriscados eram capazes de iniciar ataques fulminantes, ou provocar desastres quando em erro — sua falta de disciplina no que dizia respeito a posicionamento idem. Um dos jogos que melhor exemplificam essa situação foi disputado em 23 de setembro de 1998.
Depois de não sair de um modorrento empate com o Huddersfield, 1 a 1, o Everton precisou disputar um replay na Copa da Liga Inglesa. O balde de água fria veio logo no primeiro minuto, com o 1 a 0 do adversário. No entanto, os Toffees deram a volta na situação. O francês Olivier Dacourt empatou e, aos 42 minutos da etapa inicial, Materazzi — que já havia tido um gol invalidado — virou, de calcanhar.
Na etapa final, os liverpuldianos preservaram o placar, mas sofreram. Marco havia tomado um cartão amarelo na parte inicial, após reclamar do impedimento que anulou seu tento. Nos 45 minutos finais, viu-se obrigado a fazer uma falta e foi expulso, deixando seu time em maus lençóis, se segurando para evitar o empate.
As performances de Materazzi no Everton foram questionadas. Em 1998-99, o zagueiro fez apenas 33 jogos. E não é que tenha sido preterido por seu treinador ou se lesionado. A constante de sua passagem foram os cartões. O italiano se mostrou um caminhão sem freios. Na Premier League, disputados 27 encontros, recebeu sete amarelos e um vermelho, contra o Coventry City. Na FA Cup, disputadas duas partidas, foram dois amarelos e um vermelho. Já na Copa da Liga, viu quatro amarelos e um vermelho, em quatro jogos.
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Materazzi inadaptado
Talvez Materazzi tenha pago pela fama e a teatralidade como abordava as situações. Na ocasião em que foi mandado para fora contra o Coventry, na 33ª rodada do nacional, o Everton chegou a acenar com um pedido de revisão do segundo cartão amarelo, alegando que o oponente que sofrera a falta, o inglês Darren Huckerby, teria simulado o contato. Em outra situação, no vermelho contra o Ipswich, pela FA Cup, ele teria sido provocado.
“Poderia ter dado tudo errado para o Everton logo após o intervalo, quando Michael Ball perdeu o mais convidativo dos gols e Marco Materazzi foi expulso por uma ofensa punível com segundo cartão. Tendo investido contra Mick Stockwell no minuto quarenta [vendo o primeiro cartão], Materazzi foi então aparentemente empurrado por David Johnson e reagiu com um chute [recebendo o segundo amarelo]”, reportou o The Independent on Sunday.
Por sua vez, o The Independent refletiu que aquela havia sido “a segunda expulsão de uma temporada na qual ele já pagou três suspensões — um recorde que tem limitado seu valor ao novo clube”. Materazzi até voltaria a balançar as redes (de falta) uma vez, na 25ª rodada da Premier League, contra o Middlesbrough, em uma goleada por 5 a 0. Nada que tenha mudado o estado geral de coisas. Logo, os rumores de que não teria se adaptado à cidade de Liverpool, ao ambiente inglês, se transformaram em mais que murmurinhos.
O zagueiro procurou a porta de saída. Depois de um ano esquecível, o mais certo era retornar às origens. Em 6 de julho de 1999, o Guardian noticiou que o West Ham chegou a tentar sua contratação, com uma oferta de £3,5 milhões. No final, o treinador Harry Redknapp viu uma negativa ser apresentada. Marco precisava deixar a Inglaterra. Enquanto os Hammers tentaram, sem sucesso, recontratar o croata Slaven Bilic, também do Everton, Materazzi voltou ao Perugia, por £3,2 milhões.
Em 2006, conforme os Toffees seguiam cobrando valores do time italiano por aquele negócio e a Itália vencia sua quarta Copa do Mundo — com o zagueiro entre seus 23 escolhidos —, Materazzi voltou a ser assunto na Inglaterra. Na ocasião, o ex-jogador do Everton, Barry Horne, refletiu sobre o que foi a passagem do beque por Goodison Park: “Materazzi foi amarelado 12 vezes e expulso em três oportunidades durante sua temporada no Everton, tudo foi um pouco caótico para ele e os demais”.
Ainda assim, anos mais tarde, em entrevista ao Beinsport, o italiano reconheceria que aquela foi uma boa experiência em sua trajetória:
Ainda assim, anos mais tarde, em entrevista ao Beinsport, o italiano reconheceria que aquela foi uma boa experiência em sua trajetória:
"Foi uma experiência incrível, mas talvez tenha chegado cedo demais para mim. Eu era jovem e meu filho tinha apenas seis meses. Eu tinha acabado de viver um grande momento com o Perugia e me casado antes de me mudar para a Inglaterra, em uma cidade que, provavelmente, não é a melhor para você começar a aprender inglês. Falo com todo o respeito, é como aqui em Milão, com o italiano e a forma como é falado. Se eu tivesse ido alguns anos mais tarde, talvez ainda estivesse lá".
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