Quando o Leeds se aproveitou do amadorismo do Stuttgart
Hoje, é difícil imaginar uma circunstância que coloque, frente a frente, Leeds United e Stuttgart em uma partida de Liga dos Campeões. O primeiro não frequenta a elite inglesa desde a temporada 2003/04, enquanto o segundo não consegue resultados expressivos há sete anos, ocasião em que terminou a Bundesliga em sexto. Entretanto, o ano de 1992 foi feliz para ambos, que se sagraram campeões nacionais. Assim, classificaram-se para a competição continental em que protagonizaram uma história bizarra.
Talento dos dois lados
O time do Leeds United, que alcançou o primeiro lugar daquele que foi o último Campeonato Inglês anterior à fundação da Premier League, tinha muitos jogadores de qualidade reconhecida. O maior deles, evidentemente, respondia pelo nome de Éric Cantona. Já naquela época, era visto como um craque de temperamento explosivo, mas capaz de decidir qualquer partida em um piscar de olhos.
O astro marselhês tinha a companhia de gente como o galês Gary Speed, e os escoceses Gary McAllister e Gordon Strachan. A eles se juntava também o inglês David Batty. Todos eram selecionáveis bem-sucedidos por seus países. Enquanto Speed e Batty traziam juventude, McAllister e Strachan representavam experiência — o primeiro tendo sido contratado junto ao Leicester City e o segundo ao Manchester United.
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
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Por outro lado, o meio-campo do Stuttgart era comandado pela qualidade técnica de Maurizio Gaudino, o mais italiano dentre todos os alemães de sua época. Filho de pais napolitanos, tinha enorme visão de jogo e finalizava muito bem com ambos os pés. Era o maestro da equipe, uma verdadeira raridade. E tinha ajuda qualificada.
Na defesa, o experiente alemão Guido Buchwald, campeão mundial em 1990, exibia a faixa de capitão. No meio, Thomas Strunz ajudava na criação, e, no ataque, o prolífico Fritz Walter (homônimo do ídolo germânico da década de 50) marcava um caminhão de gols. Gaudino, Buchwald e Strunz dariam continuidade ao bom momento no Stuttgart, representando a Alemanha na Copa do Mundo de 1994.
Resultados extremos
Quando chegou a hora de disputar a Liga dos Campeões (que à época só contava, de fato, com os clubes que haviam vencido as ligas de seus respectivos países), Leeds e Stuttgart deram enorme azar. Foram sorteados já na primeira fase do certame para se enfrentar. Poderiam pegar equipes fracas dos mais diversos países europeus — o futuro campeão, Olympique de Marselha, por exemplo, bateu os norte-irlandeses do Glentoran.
A ideia de ter uma pedreira logo no início, certamente, não foi bem recebida pelos times. Não eram bom augúrio ter uma decisão tão pesada já em setembro, no descortinar da temporada. Porém, não havia o que fazer, senão batalhar, com unhas e dentes, pela classificação. Apesar disso, no jogo de ida, no Neckarstadion (atual Mercedes-Benz Arena), parecia que só os germânicos, donos da casa, estavam interessados.
“Tivemos uma meia-hora maluca na primeira partida, na Alemanha, em que eles marcaram três gols. Eu não diria que o Stuttgart tinha sido muito melhor, mas tendo alcançado uma vitória por 3 a 0, obviamente eles tinham feito o dever de casa e um ótimo trabalho em cima de nós”, recordou o defensor do Leeds, Jon Newsome, em reportagem da revista FourFourTwo.
O Stuttgart marcou dois gols em descidas velozes ao ataque e outro no rebote de um chute de fora da área. Em Elland Road, o Leeds teria que fazer chover para reverter uma vantagem tão grande. E devem ter sido sentidos alguns pingos vindos do céu, porque os comandados de Howard Wilkinson voaram: “Acho que foi uma dos melhores desempenhos que o Leeds já entregou”, lembrou Newsome.
Em uma bela finalização de canhota, Speed deu a liderança aos ingleses. Contudo, em contragolpe, Andreas Buck empatou. Pouco depois, McAllister fez o segundo do Leeds, de pênalti. E, no segundo tempo, Cantona anotou o terceiro e Lee Chapman o quarto. Mesmo assim, o time estava fora: no gol fora de casa, o Stuttgart se classificou.
O deslize crucial
A despeito dos resultados dos campos, o Stuttgart cometeu um erro amador no jogo de volta. Só poderia contar com três estrangeiros. Um deles era o defensor islandês Eyjólfur Sverrisson, o outro o sérvio Slobodan Dubajić e o terceiro o suíço Adrian Knup, que entrara aos 80 minutos. Entretanto, aos 83, o técnico Christoph Daum lançou o sérvio Jovica Simanić ao campo. Com quatro, não poderia atuar. O 4 a 1 foi anulado, transformando-se em WO, ou vitória por 3 a 0. Simanic nunca mais defendeu o Stuttgart.
Assim, foi disputado um terceiro jogo, em território neutro. O palco? O Camp Nou, em Barcelona. Houve polêmica, o Leeds queria que os alemães fossem eliminados e não apenas punidos com o referido WO. Mas o jogo acabou acontecendo.
Em um estádio vazio, com apenas 10 mil pessoas de um total possível de mais de 100 mil possíveis, aproximadamente 2.500 torcendo para cada um dos clubes, os ingleses, por fim, castigaram o Stuttgart. Com um petardo de longa distância, Strachan inaugurou o marcador, quando eram disputados os 33 minutos do primeiro tempo. Mas a alegria durou apenas seis minutos, porque, de peixinho, André Golke empatou o jogo.
Foto: Arquivo Mundo Deportivo
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A vitória do Leeds só foi selada em contragolpe fatal, aos 77 minutos. Carl Shutt, que havia entrado apenas um minuto antes, podia ter rolado para Strachan anotar seu segundo tento, mas preferiu ir sozinho, marcando um bonito e decisivo gol. A pixotada da comissão técnica do Stuttgart custou caro e os alemães se despediram da Liga dos Campeões ainda na primeira fase.
“O gol de Carl é muito lembrado. Não são muitos os caras de Sheffield que podem dizer que marcaram um gol na Liga dos Campeões e no Camp Nou”, arrematou Newsome.
A sorte do Leeds não serviu para nada
Em meio ao êxtase do sucesso em uma eliminatória tão difícil e repleta de nuances complexas, o Leeds teve outro azar na sequência. Depois de bater o Stuttgart, enfrentou os fortes escoceses do Rangers, do goleador Ally McCoist — autor de mais de 250 tentos com a camisa do clube de Glasgow. Na hora H, foi ele quem decidiu a parada. Os dois jogos eliminatórias terminaram 2 a 1 para os Gers, com o artilheiro marcando uma vez em cada partida.
Depois da primeira partida, no Ibrox Stadium, até houve alguma animação. Apesar da derrota, o time retornou com um gol marcado fora de casa na bagagem. Porém, o gol de Mark Hateley, logo aos dois minutos do encontro em Elland Road, colocou por terra as pretensões inglesas.
Ao menos o time seguia sendo campeão nacional, o que acontecera pela última vez em 1973-74, disputara a competição de clubes mais famosa do planeta (o que só se repetiria mais uma vez, em 2000/01) — e, bem, vencera uma partida no mitológico Camp Nou.
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