A obscura e violenta morte de Lutz Eigendorf
Era 05 de março de 1983 quando um acidente de carro, aparentemente causado por excesso de velocidade combinado com a ingestão de bebida alcoólica, ocasionou a morte de um jogador de futebol em Braunschweig, na Alemanha. À época, suspeitava-se, mas não havia indícios suficientes, de que o passamento de Lutz Eigendorf não teria sido obra de sua própria imprudência. O ex-meia havia, sim, consumido álcool, mas não se embriagara - testemunhas que o viram em um bar naquela noite confirmam. O choque com uma árvore não fora obra do acaso ou de entorpecimento. O atleta desertara da Alemanha Oriental após um amistoso em 1979 e a STASI, a polícia secreta da DDR, não perdoou a “traição”.
Foto: dpa |
Eigendorf era um meio-campista com algum talento. Já aos 22 anos, então jogador do Dynamo Berlin, passou a representar a seleção da Alemanha Oriental. Porém, a vida não era fácil no lado leste germânico e era especulado (senão sabido) que as condições de vida no oeste eram bem melhores. Quando o assunto era o futebol, não havia dúvidas. Já ali a Alemanha Ocidental conquistara dois Mundiais e seus clubes haviam levantado títulos continentais. Assim, após um amistoso contra o Kaiserslautern, o jogador se aproveitou de uma parada feita no caminho de volta a Berlim, pegou um táxi e permaneceu no ocidente.
Logo, passado um período de banimento imposto pela UEFA por ter abandonado seu clube (uma punição de caráter meramente desportivo), firmou contrato justamente com o Kaiserslautern e passou a disputar a Bundesliga. Permaneceu nos Diabos Vermelhos por três temporadas e havia se transferido para o Eintracht Braunschweig pouco antes do evento fatal. Ao todo, fez 61 jogos na Bundesliga. Suas qualidades podiam até ter menos distinção na Alemanha Ocidental, mas para alguém que disputava a precária Oberliga, atuar com regularidade na Bundesliga era muito melhor.
Logo, passado um período de banimento imposto pela UEFA por ter abandonado seu clube (uma punição de caráter meramente desportivo), firmou contrato justamente com o Kaiserslautern e passou a disputar a Bundesliga. Permaneceu nos Diabos Vermelhos por três temporadas e havia se transferido para o Eintracht Braunschweig pouco antes do evento fatal. Ao todo, fez 61 jogos na Bundesliga. Suas qualidades podiam até ter menos distinção na Alemanha Ocidental, mas para alguém que disputava a precária Oberliga, atuar com regularidade na Bundesliga era muito melhor.
Foto: Getty Images |
O futebol na Alemanha Oriental era mais um microcosmo de um universo marcado por dificuldades e exílio; uma verdadeira realidade monocromática. Inserida nesse contexto estava a corrupção. As pessoas não possuíam um arbítrio muito livre e tudo girava conforme as intenções dos entes estatais. Um dos privilégios que o cidadão comum não possuía era justamente o direito de transitar entre os dois lados da nação dividida. Porém, o futebolista podia, afinal, isolamento de lado, os países do bloco socialista continuaram disputando as competições internacionais e, eventualmente, partidas amistosas.
Não deve ter sido propriamente difícil armar o acidente que vitimou Eigendorf. E certamente os prováveis assassinos entendiam que possuíam motivos razoáveis para fazê-lo. O jogador não só desafiara o governo, mas também deixara o Dynamo Berlin. Abandonara, pois, o time que se tornaria o maior campeão do campeonato nacional, em todos os tempos - o que também não ocorreu por acaso, contando com algumas mãozinhas de uma certa instituição de motivações de caráter duvidoso, a STASI. Reza a lenda que o líder da polícia secreta da Alemanha Oriental, Erich Mielke, era um fervoroso torcedor do clube, para além de dirigente.
Lutz era um traidor da pátria e um pária, que abandonara suas funções junto a seu clube. A primeira tentativa de arruinar a vida do atleta foi forçar seu divórcio e, após a separação, com sua esposa já unida a um membro da perversa corporação, promover a adoção de sua filha pelo padrasto. O “acidente” fatal acabou o serviço. No entanto, foi tratado como um infortúnio, uma mera desgraça.
Após a queda do Muro de Berlim, todavia, um grupo de jornalistas investigou os arquivos da STASI e conclui pela existência de um plano de morte. Não há, de fato, provas definitivas. Porém, como apontam diversas fontes, dentre as quais se destaca a DW, as circunstâncias são reveladoras: há um documento que indica ter o atleta sido drogado antes de retornar ao volante. Acaso? Também há indícios de que não foi feita extensiva perícia no veículo e, tampouco, autópsia conclusiva. Não obstante, descobriu-se que havia uma “comitiva” de agentes secretos que não deixava o seu encalço um minuto sequer (um deles, inclusive, forjou-se seu amigo).
Foto: dpa |
Em tempos de Guerra Fria, assassinatos mal esclarecidos foram comuns. A violência marcou essa época, que é também lembrada pelo poder quase infinito de instituições secretas, muitas das vezes ligadas às polícias e exércitos. Eigendorf foi corajoso e, em certa medida, tolo - nem tanto por ter corrido riscos conhecidos, mas por ter se permitido sonhar em um período em que a dureza da realidade não permitia tal faculdade; mas ele queria uma vida nova, procurava jogar futebol de alto nível.
Mais tarde, em 2008, um certo Karl-Heinz Felgner acabou preso na Alemanha e confessou que, nos anos 80, tinha em Eigendorf um alvo; possuía ordem de matar. Ou seja: embora não se tenha certeza absoluta de que a morte, em si, não foi obra dos descuidos de Lutz, há razões suficientes para pensar que, mesmo que não se acidentasse, não duraria muito tempo nesse plano. Assim, o atleta passou à história. Poderia ser lembrado por seu futebol, por conquistas e glórias, mas nunca será esquecido pela violência de sua morte e a obscuridade que marcou a investigação de seu sinistro final.
*Atualizado às 16h24 (GMT +00:00).
*Atualizado às 16h24 (GMT +00:00).
O carro dele não bateu em uma árvore, foi um veículo da STASI que fez isso, vi a foto do acidente e sinceramente não parece que o carro bateu em um poste ou em uma árvore e sim que um outro veículo bateu ali.
ResponderExcluirOlá, amigo. A maior parte dos relatos consta que a batida, provocada pela Stasi, foi em uma árvore. Isso pode ser lido no livro "God is Round" (https://books.google.com.br/books?id=1uQCDAAAQBAJ&pg=PA145&lpg=PA145&dq=car+tree+eigendorf&source=bl&ots=KhpZyGCekY&sig=ACfU3U26yjDib3Ivsdr8lSWy9rjeUq4u_w&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiBm7WFvtLiAhWXDrkGHR7UAvAQ6AEwDHoECAgQAQ#v=onepage&q=car%20tree%20eigendorf&f=false) e em diversas reportagens, como esta, da DW: https://www.dw.com/en/bundesliga-murder-mystery-the-death-of-lutz-eigendorf/a-16947852.
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