Quando o samba chegou a Madri dos anos 1970
O Atlético de Madrid é, sem sombra de dúvidas, uma das equipes de futebol mais tradicionais da Espanha. Muito antes do treinador Diego Simeone participar de duas revoluções pelo clube, a primeira como jogador e a segunda do banco de reservas, uma dupla de brasileiros marcou época com a camisa rojiblanca dos Colchoneros. Depois da ilustre participação naquele time que ficou conhecido como a Segunda Academia do Palmeiras, Leivinha e Luís Pereira partiram para a capital espanhola.
“Qualquer domingo desses, os flamantes alto-falantes do Estádio Vicente Calderón começarão a obsequiar sua torcida com música de samba. Leivinha e Luís Pereira voltaram a fazer das suas - isto é, a dançar seu espetacular e contundente samba futebolístico. Certamente a torcida acabará trocando o castiço do pasodoble pelo exótico ritmo brasileiro”. Esse foi o prólogo, reproduzido da revista AS Color, por meio do qual a revista Placar, no distante ano de 1976, anunciou para quem quisesse ler: o futebol espanhol estava pasmo diante do encanto do futebol de dois brasileiros.
Na mencionada reportagem, não faltam alcunhas elogiosas à dupla de ex-palmeirenses. Naquele momento, o êxtase não poderia ser maior, o Atleti lutava pelo título de La Liga. Terminaria em terceiro lugar, apenas para garantir que no ano seguinte a láurea não escapasse. No entanto, para não deixar seu torcedor chupando dedo, o clube conquistaria a Copa del Generalísimo daquele ano; com solitário com do hispano-argentino José Gárate, venceu o Real Zaragoza.
Os brasileiros chegaram juntos, em 1975, no que o jornal El País informou ter se tratado de “uma operação precipitada e de última hora, quando estava a ponto de terminar o prazo de inscrição dos estrangeiros”. Vinham de sucessos com o Palmeiras, que conquistara dois Campeonatos Brasileiros (1972 e 1973) e dois Paulistas (1972 e 1974), e haviam disputado a Copa do Mundo de 1974. Eram, já naquela altura, jogadores renomados no Brasil e aceitaram o desafio de tentar manter o Atlético de Madrid em alta. Em 1972/73, os madrilenos haviam conquistado o Espanhol e, em 1973/74, foram derrotados pelo Bayern de Munique na final da Copa dos Campeões da Europa. Viviam, pois, momento especial.
A verdade é que o que provocaram - especialmente Luís Pereira - foi grandioso. Classe, frieza e arroubos ofensivos foi o que o beque levou consigo. Já o meia-atacante carregou o talento, a destreza e a qualidade nos cabeceios, que acabaram por ser os responsáveis por vários gols.
O primeiro título foi sem jogar
Ainda que o ditador Francisco Franco tivesse morrido em novembro de 1975, a Copa del Generalísimo, assim nomeada em sua homenagem, teve o nome mantido na temporada 1975/76; passaria a Copa del Rey já no ano seguinte. O último título da competição com dita nomenclatura chegou ao Vicente Calderón, mas, curiosamente, sem a participação dos brasileiros recém-chegados. Absolutos nas partidas da liga, Luís Pereira e Leivinha não atuaram em nenhuma partida da copa nacional. O treinador de então, o saudoso Luis Aragonés, que pouco tempo antes ainda representava os Colchoneros dentro das quatro linhas, utilizava a competição para promover certa rodagem no elenco.
A despeito disso, em La Liga, os brasileiros foram assiduamente utilizados. A estreia de Leivinha não poderia ter sido melhor. Era jogada a quarta rodada da competição e o Atleti ainda não havia vencido. Foi então que o meia-atacante deu o ar da graça e comandou seu novo clube a um triunfo maiúsculo: 4 a 1 contra o Salamanca, com hat-trick, de Leivinha. A estes três gols se somaram mais quinze naquela campanha. Ou seja, em seu debute em solo hispânico, o ex-palmeirense anotou 18 tentos em 31 jogos. Nada mal.
O primeiro ano de Luís Pereira também foi positivo, mas não tanto quanto o de seu companheiro. O zagueiro disputou 21 jogos e anotou três gols, ainda se tornaria indispensável nos anos que se seguiriam. O jogador só não atuou mais em razão de uma lesão sofrida no 24º jogo do Campeonato Espanhol, que o tirou de combate até o ano seguinte. No entanto, registre-se a nota: foi com duas bolas na rede do beque que os Colchoneros venceram o Las Palmas, na 13ª rodada.
A conquista de La Liga
É provável que os nomes de Leivinha e Luís Pereira se tenham eternizado na história do Atlético de Madrid pelos feitos alcançados na temporada 1976/77. Como falado, o time vinha de um histórico positivo na década de 70 e acabara de vencer a Copa del Generalísimo. No entanto, a grande glória do futebol espanhol é, indiscutivelmente, o campeonato e os Rojiblancos precisavam vencê-lo; conquistá-lo significava ser o senhor soberano na nação e avançar à disputa da Copa dos Campeões da Europa.
Com essa missão no horizonte, o time venceu logo sete das primeiras 10 partidas que disputou. Leivinha marcou seu primeiro gol já no minuto inicial da primeira rodada, vitória contra o Málaga. No entanto, a sorte do brasileiro não se confundiria com a do clube. Na segunda partida, contra o Celta, sofreu entrada dura que não o tiraria dos campos imediatamente, mas, eventualmente, forçaria uma cirurgia. No primeiro turno, disputou onze jogos; no segundo, apenas quatro. Ainda assim, teve contributo imensurável, dado o fato de que balançou as redes oito vezes no período.
Por outro lado, Luís Pereira foi protagonista. Presente em 32 das 34 partidas da campanha e substituído em apenas duas ocasiões, forjou sua fama de defensor clássico, hábil com a bola nos pés e capaz de iniciar as ações ofensivas do time. Foi penalizado apenas duas vezes com o cartão amarelo e anotou quatro gols.
A temporada foi marcante por várias razões. O Atleti goleou o rival Real Madrid por 4 a 0 em seus domínios (vendo os Merengues terminarem o torneio na sofrida nona colocação), bateu o vice Barcelona por 3 a 1 e venceu duas vezes o Athletic Bilbao, terceiro colocado. Teve o segundo melhor ataque, com 62 gols anotados (contra 69 do Barça), e a melhor defesa, tendo concedido apenas 33. Por si só, o título já ratificaria a supremacia atleticana, mas a verdade é que o time de Aragonés, com um toque brasileiro, fez bonito. Só não teve o artilheiro. O hispano-argentino Rubén Cano, melhor marcador colchonero, foi às redes 20 vezes, contra 24 do Pichichi da temporada, Mario Kempes.
Os anos que se seguiram
A tônica de 1976/77 se repetiu nos anos que se adiantaram. Não vieram mais títulos para Luís Pereira e Leivinha. Enquanto o primeiro se confirmou uma fortaleza na retaguarda rojiblanca, titular inquestionável e ídolo, o segundo viveu dura e triste realidade: paralelamente a sua imensa e reconhecida qualidade, a condição física e as lesões o assolaram de maneira constante.
Sem a referência do aposentado José Gárate, o Atlético de Madrid entrou na zona de conforto em 1977/78. Foi apenas o sexto colocado do Campeonato Espanhol, vencido pelo rival Real Madrid. Na Copa dos Campeões, eliminou Dínamo Bucareste e Nantes, mas parou, nas quartas de finais contra o Club Brugge, que seria o finalista derrotado. Leivinha começou a temporada no estaleiro, só estreou na 12ª rodada de La Liga, mas atuou nas partidas contra o clube belga e terminou a temporada em bom momento, emplacando três gols, nas últimas três rodadas. Foram 20 as partidas disputadas e sete seus gols.
Naquela altura, o meia-atacante já se sentia em dívida com o clube e a torcida. “Ainda tenho que demonstrar que sou o que fui. Estou em dívida com o torcedor”, revelou ao El País, em novembro de 1977. No ano seguinte, seu último em Madri, viveu semelhante trajetória, com lesões, 20 jogos e sete gols. Diante do desempenho instável, dos problemas físicos e da limitação ao máximo de dois estrangeiros, imposta pela Liga Espanhola e que passaria a vigorar em 1979/80, voltou ao Brasil, para encerrar a carreira no São Paulo. Nunca foi, contudo, esquecido.
Já Luís Pereira viveu anos de solidez e calmaria. Não sofreu nenhuma contusão grave e foi sempre titular. Ainda assim, ficou apenas mais um ano no clube em relação a seu companheiro, deixando a capital espanhola em 1980 e voltando ao Brasil, para vestir a camisa do Flamengo. Ainda retornaria ao Palmeiras e passaria por outros clubes, já com a idade avançada. “Foram cinco anos preciosos no Atleti. Sou uma pessoa muito identificada com o clube e fui muito bem recebido pela torcida”, revelou, em 2013, ao site oficial do Atlético de Madrid. Posteriormente, trabalhou no Atlético de Madrid B, descobrindo talentos e eternizando sua ligação com o clube.
excelente reportagem!
ResponderExcluirValeu!
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