O emocionante Feyenoord campeão da Copa da Uefa de 2001-02
O século XXI não tem sido amistoso com o torcedor do Feyenoord. Embora tenha conquistado o título holandês da temporada 2016/17, o clube de Roterdã não havia vencido outra edição do nacional no período. Ainda assim, no já distante ano de 2002, contra os prognósticos, De club aan de Maas conquistou a Copa da UEFA, predecessora da Liga Europa. Deixou pelo caminho clubes como Rangers, o rival PSV Eindhoven, a Internazionale e, na final, o Borussia Dortmund. Aquele não era um time de espetáculo, mas brilhava pela consistência, em uma trajetória emocionante.
Na disputa da Eredivisie 2000-01, o PSV fora atroz. Em 34 partidas, somara 25 vitórias e oito empates — ou seja, perdera em apenas uma ocasião. O clube contava com jogadores da estirpe do sérvio Mateja Kežman, de Mark van Bommel, Johann Vogel e Ruud van Nistelrooy. Naquele ano, o vice-campeonato caberia ao Feyenoord, de Jerzy Dudek, Bonaventure Kalou e Jon Dahl Tomasson. Ambos se classificariam à disputa da Liga dos Campeões de 2001-02, caindo na fase de grupos, mas assegurando a terceira colocação e chegando à disputa da Copa da UEFA.
Naquele momento, o Feyenoord passara por mudanças importantes. Dudek partira para o Liverpool e peças importantes chegaram. Para conduzir o time, empilhando gols, fora contratado ao Benfica o centroavante Pierre van Hooijdonk. A referência seria assessorada por um garoto, fruto das categorias de base da equipe: um jovem de nome Robin van Persie — à época, ponta esquerda. Outra incorporação importante seria a do meio-campista nipônico Shinji Ono, parceiro de Hidetoshi Nakata e Shunsuke Nakamura em uma das mais especiais gerações da seleção japonesa.
Ainda assim, a realidade não indicava hipóteses de título. A campanha medíocre na Liga dos Campeões e a instabilidade na Eredivisie (que terminaria na terceira colocação) testemunhavam nesse sentido. No entanto, a Copa da UEFA revelou o contrário. Se o time não era exemplo de equilíbrio nas demais competições, havia pelo menos um alento: no ataque, van Hooijdonk vinha dando conta do recado, saindo-se melhor do que a encomenda.
O goleador seria a principal figura em um título improvável e inesquecível para o torcedor do Feyenoord. Andarilho da bola, daqueles que por onde passa deixa sua marca, o artilheiro brilhou. No entanto, foi outro contratado quem deu início à saga do Stadionclub.
Na estreia, já na terceira fase da competição, Ono marcou o gol que colocou o Feyenoord em vantagem contra o Freiburg, do volante Sebastian Kehl. Hooijdonk ficou de fora daquela partida. Na volta, na Floresta Negra, o goleador voltou e foi decisivo, marcando golaço de falta, em cobrança histórica.
Sem alarde, empatando por dois a dois, o clube avançou à fase seguinte. O importante, nesse caso, foi a capacidade de reação, que marcaria toda a trajetória do time. Os alemães chegaram a abrir vantagem de dois gols, que lhes classificaria, mas o Feyenoord foi atrás do resultado. “Mostramos nossa classe e voltamos para empatar”, disse o treinador Bert van Marwijk após o encontro. A seguir, o desafio foi contra os escoceses do Rangers. A história foi parecida.
O primeiro jogo aconteceu no estádio Ibrox, em Glasgow. Ono voltou a marcar pelos holandeses, em chute de longa distância que desviou na metade do caminho. Contudo, os escoceses chegaram ao empate, em penalidade convertida pelo volante Barry Ferguson. A emoção ficou por conta da volta, tendo o estádio De Kuip como casa.
O Rangers saiu na frente, mas van Hooijdonk voltou a brilhar. Novamente de falta, o holandês abriu caminho para a vitória. Como se fosse replay, o goleador marcou mais uma vez de bola parada; o Feyenoord foi para o intervalo com a vantagem. Pouco após a redonda voltar a rolar, Kalou sentenciou os escoceses, 3 a 1, após cruzamento de quem? Pierre van Hooijdonk. A partida ainda teria mais emoções, mas não muitas: Ferguson marcaria de pênalti, dando números finais ao encontro. Na altura, a saga dos holandeses estava apenas começando.
Antagonista do ano anterior e rival histórico, o PSV foi o adversário do Feyenoord nas quartas de finais. O time já não contava com van Nistelrooy, mas, para seu lugar, contratara o grandalhão Jan Vennegoor of Hesselink. A ida aconteceu em Eindhoven e, finalizando rebote de chute de Tomasson, o artilheiro dos visitantes abriu o placar. Entretanto, logo após a volta do intervalo, Kežman equalizou o placar, que assim permaneceu, 1 a 1. O verdadeiro drama veio a seguir.
Em Roterdã, o Feyenoord saiu atrás no placar. Mark van Bommel abriu a contagem para o PSV com um chute de rara felicidade, de longa distância. Não obstante, aquela competição só poderia ter um herói e, de cabeça, van Hooijdonk empatou a partida nos acréscimos, aos 48' do segundo tempo. A disputa só seria resolvida nas penalidades, com final feliz para os donos da casa. O estádio De Kuip ficou em êxtase. O Feyenoord não só estava nas semifinais da Copa da UEFA como acabara de eliminar um de seus principais rivais. Porém, os desafios só aumentavam.
Contra uma Internazionale em entressafra, que tentava recolocar Ronaldo em forma após a recuperação da segunda lesão no joelho, o time holandês voltou a ser cirúrgico e eficiente. O capitão Paul Bosvelt iniciou jogada e passou a bola para van Hooijdonk cruzar. Para a infelicidade dos Nerazzurri, o colombiano Iván Córdoba marcou contra, no que seria o único tento do primeiro encontro de semifinais. A confiança e a crença no título começavam a se tornar verdadeiros.
No segundo jogo, já com Ronaldo e Clarence Seedorf entre os titulares, a Inter foi valente, mas ficou pelo caminho. Após cruzamento de van Persie, van Hooijdonk abriu o placar para os homens de Roterdã. Pouco depois, Tomasson aproveitou rebote de chute de Kalou e ampliou o placar, 2 a 0. Os italianos não se deram por vencidos.
Aos 83 minutos, Cristiano Zanetti diminuiu e, aos 89', Mohamed Kallon empatou o jogo, prendendo a respiração do público, durante os eternos minutos derradeiros. Foi isso. O 3 a 2 no placar agregado colocou o Feyenoord na final. O rival seria o Borussia Dortmund, que brigava a ferro e fogo com Bayern de Munique e Bayer Leverkusen pelo título alemão.
No dia 8 de maio, justamente no estádio De Kuip, os holandeses receberam os aurinegros. Com a conquista da Bundesliga assegurada, o clube, que alinhava atletas da qualidade de Amoroso, Ewerthon, Tomáš Rosický, Jan Koller e Jens Lehmann, chegou a Roterdã na condição de favorito. No entanto, rapidamente o castelo de cartas dos germânicos se desfez. O experiente Jürgen Kohler derrubou Tomasson na área e foi expulso. Pierre van Hooijdonk se dirigiu à marca da cal e abriu o marcador para os donos da casa. Pouco depois, o goleador holandês voltou a aprontar… De falta, ampliou o marcador, que persistiu até o intervalo, 2 a 0.
Entretanto, a partida estava longe de uma decisão final. Logo na volta dos vestiários, Patrick Paauwe fez pênalti em Amoroso, que cobrou sem hesitações e diminuiu o placar. Três minutos depois, porém, Ono recuperou bola disputada no meio-campo, lançando Tomasson nas costas da defesa aurinegra. O dinamarquês fuzilou Lehmann e aumentou a vantagem do Feyenoord. Contudo, Koller ainda marcou um belíssimo gol para o Borussia, aos 58 minutos. Houve pressão dos alemães pelo empate até o final do certame. O goleiro chegou a ir à área holandesa, mas o final daquela trajetória já estava marcado. Só poderia ser um. O 3 a 2 não mais saiu do placar.
“Duas vezes na partida, comecei a pensar que a vitória era nossa, mas foi muito difícil para nós. Queríamos colocá-los sob pressão, como o homem a mais, mas, de repente, tivemos pressão contra nós. Realmente tivemos que lutar até o final”, refletiu o treinador van Marwijk após o encontro, ao site da UEFA.
A vitória do Feyenoord ajudou a solidificar uma discussão cara na Holanda. Jogando sempre no 4-4-2, com Kalou de um lado, van Persie do outro e dois atacantes mais centralizados (embora ambos se movimentassem muito), o Stadionclub provava que o país não precisava viver arraigado à tradição do 4-3-3, consolidada com êxitos e brilho nos anos 1970. Para muitos, fugir à essa regra se tratava de heresia. Porém, diante das constantes mudanças pelas quais passa o futebol, foi necessário. Em solo doméstico, o PSV já havia se dado conta disso e vivia bom momento, que se prolongaria pela década inteira.
Como se tornou comum após o sucesso do famigerado Caso Bosman, o time campeão da Copa da UEFA começou a se desmembrar já na temporada seguinte, com a partida de Tomasson para o Milan. O desmanche, todavia, viria com o término da campanha de 2003-04, quando van Hooijdonk, artilheiro tanto da Copa da UEFA quanto da Eredivisie em 2001-02, partiu para o Fenerbahçe. Ali, Kalou rumou ao Auxerre, Emerton ao Blackburn e Bosvelt ao Manchester City. Quem também saiu foi o treinador Bert van Marwijk. Para onde? O vencido Borussia Dortmund.
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